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Grécia: Conservadores a caminho do governo com promessa que Tsipras não cumpriu
Eleito em 2015 com a promessa de fim da austeridade, Alexis Tsipras não cumpriu e agora vê o conservador Kyriakos Mitsotakis surgir como claro favorito à vitória nas eleições deste domingo prometendo o que o líder do Syriza não fez.
Quatro anos e meio depois de a vitória do Syriza (esquerda radical) ter posto fim ao predomínio do bloco central (Nova Democracia [ND], de centro-direita, e Pasok, de centro-esquerda) que durante décadas conduziu os destinos da Grécia, os conservadores encaminham-se para regressar ao poder.
O ex-banqueiro e líder da ND, Kyriakos Mitsotakis (51 anos), lidera todas as sondagens e aspira mesmo a conquistar a maioria absoluta. Filho de um antigo primeiro-ministro derrubado do poder devido a acusações de nepotismo e favorecimento, Mitsotakis promete debelar os problemas de corrupção que persistem no país.
O candidato a primeiro-ministro assume ainda como principal bandeira eleitoral o apoio à economia, em especial mediante acentuados cortes de impostos (redução da taxa aplicada aos rendimentos mais baixos, dos atuais 22% para 9%, e corte de 30%, em dois anos, ao imposto sobre imóveis). Promete também reforçar a competitividade da economia helénica para captar mais investimento, para o que propõe maior flexibilidade das leis laborais.
Todavia, cumprir tais pretensões é missão quase impossível e, para o conseguir, o líder dos conservadores gregos terá de assegurar junto de credores e Bruxelas condições mais favoráveis, sobretudo no que diz respeito às rigorosas metas orçamentais. Isto porque apesar de ter assegurado uma saída limpa do programa de ajustamento em agosto passado, Atenas permanece sob monitorização apertada e precisa manter excedentes orçamentais primários (exclui o serviço da dívida) de 3,5% do PIB até 2022.
Este constrangimento deixa escassa margem para estímulos à economia, pelo que Mitsotakis aposta forte em convencer os parceiros europeus da necessidade de objetivos orçamentais menos ambiciosos, numa espécie de fim (ou, pelo menos, moderação) da austeridade que o ainda primeiro-ministro Alexis Tsipras (Syriza) prometeu eliminar.
"Temos de baixar as metas dos excedentes. Devemos restaurar a nossa credibilidade", defende o candidato conservador que vê condições para "persuadir" os credores da capacidade da Grécia para pagar a sua dívida "através do crescimento económico e não da tributação excessiva". Mitsotakis defende que a estratégia de Tsipras assenta no contrário deste pressuposto.
Em sintonia com o líder da ND surge uma análise feita pelo diário conservador alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, o qual argumenta que "mais do que qualquer outra coisa, a Grécia precisa crescer. É a única forma de reconquistar prosperidade. Infelizmente, o governo de Tsipras não contribuiu para tal ao manter a distribuição de empregos no Estado e ao dar prioridade aos privilégios do setor público".
Tsipras puxa galões do cumprimento das metas da troika
"O povo grego fez História! A Grécia vira a página, deixa atrás de si a austeridade, o medo, a prepotência e cinco anos de humilhação", proclamou Tsipras depois de vencer as eleições gregas de 25 de janeiro de 2015.
De facto, o Syriza fez história na medida em que se tornou no primeiro partido oriundo da esquerda radical a liderar um governo da Zona Euro, porém faltou a outra parte da história – vencer a troika e acabar com a austeridade.
Mesmo depois do referendo popular promovido por Tsipras ter dado a vitória à rejeição de austeridade adicional, o ataque prometido ao status quo europeu deu lugar a um terceiro resgate em condições ainda mais desfavoráveis do que as inicialmente oferecidas. Encostado à parede, Tsipras passou a ser visto pelos pares europeus com um líder enquadrado com as premissas sociais-democratas e um exemplo de moderação dado o apego com que cumpriu o terceiro programa de assistência financeira.
Só que isso não foi conseguido sem custos e o maior foi a quebra de popularidade de Tsipras e a desconfiança face ao Syriza. Uma realidade que nem o facto de a economia grega estar finalmente numa trajetória positiva (cresceu 1,3% no primeiro trimestre, mas ainda assim abaixo das estimativas) permitiu contrabalançar.
Contudo, nem o aumento do salário mínimo nem o regresso autónomo aos mercados permitiram a Tsipras reconquistar a confiança de uma classe média fustigada por uma década de ajustamento orçamental, desiludida pelas promessas não cumpridas e cansada de impostos. A desilusão é mais visível nos jovens que depois de votarem no Syriza também movidos por um sentimento "anti-establishment" viram Alexis Tsipras tornar-se um político convencional.
A gestão dos fluxos migratórios e a falhas do Estado no combate ao incêndio do verão passado numa região próxima da capital são dois fatores que também alimentam o descontentamento relativamente ao executivo chefiado por Tsipras.
O ainda chefe de governo é também penalizado por todo o processo relativo ao acordo de Atenas com as autoridades da Macedónia para que este país se passe a designar República da Macedónia, um compromisso rejeitado pelos Gregos Independentes (Anel, direita nacional-populista), partido júnior da coligação contra-natura com que Tsipras governou o país, que precipitou as eleições previstas apenas para depois do verão. Por sua vez, o líder da ND é frontalmente contra este acordo que motiva grandes divisões junto do eleitorado helénico.
Classe média volta a ser o centro das atenções
Foi no contexto de (relativa) melhoria do ambiente económico que a empobrecida classe média recuperou estatuto central na campanha eleitoral. Já sem os constrangimentos da troika, com a economia a melhorar (mesmo que tenuamente), os juros da dívida a caírem e os mercados mais confiantes (a bolsa grega valorizou 40% em 2019), a dinâmica política volta a prestar atenção às necessidade da classe média, especialmente depois desta ter punido o Syriza nas europeias.
E se a imagem de Tsipras é indissociável dos tempos de crise que agora surgem mais distantes, em contrapartida Mitsotakis beneficia de não ter estado envolvido em nenhum dos governos em que a ND participou entre 2004 e 2009, o que lhe granjeia uma imagem imune às escolhas feitas nos anos que levaram ao primeiro resgate e aos que se lhe seguiram e que somam um pacote financeiro global de 289 mil milhões de euros.
Maioria absoluta, coligação ou novas eleições?
As eleições gerais antecipadas para este domingo são as sextas realizadas na Grécia em 10 anos e as primeiras desde a saga dos resgates que se prolongou entre 2010 e 2018. E seguem-as às europeias de 26 de maio em que a ND obteve 33%, mais 10 pontos percentuais do que o Syriza. Entretanto, as últimas sondagens colocam os conservadores em torno dos 40%, o que permite a Kyriakos Mitsotakis aspirar à maioria absoluta.
"No domingo votamos, na segunda-feira viramos a página", diz o confiante líder da ND que garante ter já definidos todos os nomes que vão integrar o governo. A reforçar a expetativa de vitória do centro-direita está o facto de o bónus de 50 mandatos atribuídos ao partido vencedor (mecanismo que favorece a obtenção de maiorias absolutas) permanecer válido para esta eleição, isto apesar de ter sido abolido em 2016 pelo Syriza (só nas próximas eleições parlamentares entra em vigor a extinção deste instrumento).
A medida aprovada pelo governo de Tsipras que confere direito de voto aos jovens com 17 anos também deve ajudar os intentos dos conservadores, já que a ND foi a força mais votada nas europeias pelos eleitores com idades entre 17 e 24 anos. Por outro lado, quanto menos pequenos partidos alcançarem a barreira mínima de 3% que permite eleger deputados melhor para os conservadores aspirarem à maioria absoluta (obtida com 151 mandatos).
Se este ato eleitoral proporcionar a formação de uma maioria absoluta de um só partido, põe-se fim a uma série de anos em que a Grécia foi governada por frágeis executivos de coligação. A aliança de bloco central ND-Pasok foi má para o sistema político porque adensou a indiferenciação e promoveu o descontentamento face às forças moderadas. Já a coligação Syriza-Anel foi mais um acordo de conveniência do que um compromisso firme em torno de um programa político.
Num cenário em que vários pequenos partidos garantam lugar no parlamento helénico (as sondagens indicam que podem assegurar representação entre cinco e sete partidos) e em que o Syriza consiga aproximar-se da ND, então poderá esfumar-se a possibilidade de maioria absoluta, o que exigirá a negociação de alianças. Neste caso, a ND poderia tentar aliar-se ao Kinal (centro-esquerda, sucessor do Pasok) ou à União de Centristas (liberais), uma vez que é pouco provável qualquer tipo de acordo com as forças de extrema-direita (Aurora Dourada e Solução Grega) .
Sem maioria absoluta de nenhum partido e sem nenhum acordo de coligação, a Grécia teria de marcar novas eleições em que o partido vencedor já não teria direito ao bónus de 50 deputados, o que dificultaria o processo de formação de governo e arriscaria recolocar o país num período de instabilidade e incerteza política. Os gregos têm a palavra mas a realização de eleições em plena época alta de turismo é um elemento que contribui para a abstenção.
Kyriakos Mitsotakis, uma nova imagem das dinastias políticas gregas
O candidato apontado como provável futuro primeiro-ministro da Grécia e líder dos conservadores da Nova Democracia (ND), Kyryakos Mitsotakis, confirma a tradição dinástica muito enraizada na política grega, apesar de impor um estilo que contrasta com os seus antecessores.
O representante de uma das mais poderosas famílias políticas helénicas parece significar um regresso ao tradicionalismo político e ao neoliberalismo.
Mas o candidato a primeiro-ministro, 48 anos, eleito presidente da ND em 2016 após as grandes derrotas eleitorais de janeiro e setembro de 2015 face ao Syriza do primeiro-ministro Alexis Tsipras, parece quer impor um novo estilo, ao sobrepor-se à "velha guarda" do partido.
No entanto e ao contrário de Tsipras, que tentou romper com a herança dinástica, a trajetória de Mitsotakis é muito diferente, porque representa a quarta geração de líderes políticos da ala conservadora.
O seu pai, Konstantinos Mitsotakis, desempenhou um papel destacado durante quase 30 anos na política helénica e foi primeiro-ministro entre 1990 e 1993.
A sua irmã mais velha, Dora Bakoyannis, foi a primeira mulher a ocupar a ocupar a presidência da câmara municipal de Atenas (2003-2006).
Depois, no governo de Kostas Karamanlis - sobrinho de Kosntantinos Karamanlis, outro peso pesado da política helénica -, Dora era designada ministra dos Negócios Estrangeiros (2006-2009). O seu filho Kostas Bakoyannis, sobrinho de Kyryakos Mitsotakis, foi eleito no início de junho o novo presidente da cidade de Atenas.
Kyryakos Mitsotakis, como sucede com a maioria da elite política grega, foi educado no estrangeiro após frequentar o prestigioso colégio privado ateniense American College of Athens.
Diplomado pelas universidades norte-americanas de Harvard (psicologia) e Standford (MBA), poliglota (também fala francês, inglês e alemão), representa uma nova geração de políticos gregos que se dizem empenhados na modernização do sistema político e da sociedade.
No último governo do conservador Antonis Samaras em 2014 -- coligado com o Pasok e que impôs draconianas medias de austeridade em plena "crise da dívida" e intervenção da 'troika' de credores internacionais --, foi ministro da Reforma administrativa, mas após a sua eleição para a liderança da oposição em 2016 propôs outro caminho para a saída da crise.
Adepto da liberalização económica, dos investimentos estrangeiros e das privatizações, possui a ambição de mudar a imagem do país, à semelhança de Tsipras, o seu principal rival no escrutínio.
Nos seus discursos tem manifestado a intenção de inverter a penalização das vítimas e os deserdados da crise e diz-se favorável a um "governo forte e uma Grécia autossuficiente", tornando-se num adversário perigoso para o atual primeiro-ministro.
Muitas vezes prefere apresentar-se sem gravata e parece rejeitar o estilo tecnocrata e anquilosado dos seus correligionários. E durante a sua campanha pelo país diz ter entendido que a Grécia desejava uma "grande mudança política".
Apesar de diversas sondagens apontarem para uma maioria absoluta, tem repetido que pretende uma maior convergência que ultrapasse o núcleo duro dos deputados da ND para garantir uma política de "unidade, alegramento e meritocracia".
A liberdade empresarial e a classe média, a mais penalizada pela pressão fiscal dos anos de austeridade, estão no centro seu discurso político. Promete uma imediata redução dos impostos e das despesas públicas, através de uma maior cooperação do Estado com o setor privado e a redução do número de funcionários públicos.
O primeiro-ministro Tsipras acusa-o de pretender repetir os despedimentos massivos que assinalaram a sua passagem pelo governo de coligação ultraconservador de Samaras.
Pelo contrário, assegura que após assumir o leme do Governo pretende reforçar os setores da Saúde e Educação, onde ocorreram a maioria dos despedimentos entre 2011 e 2014.
A sua imagem de líder que "modernizará o país" e o tornará mais competitivo no século XXI contribuiu para garantir a confortável vitória nas eleições europeias e locais de maio e que forçaram Tsipras a uma arriscada "jogada de póquer", a convocação das legislativas antecipadas. LUSA
Alexis Tsipras, o líder da esquerda radical que prolongou a austeridade
Em 25 de janeiro de 2015, em profunda crise, a Grécia elegeu para primeiro-ministro Alexis Tsipras na esperança de reverter as duras políticas de austeridade, mas quatro anos depois as suas hesitações face aos credores podem afastá-lo do poder.
Nesse mês o impossível parecia acontecer, com uma formação da esquerda radical a assumir os destinos de um país ao eleger 149 dos 300 deputados, à beira da maioria absoluta.
Alexis Tsipras convertia-se aos 40 anos na esperança de uma população exausta por anos de draconiana austeridade e ainda na referência de uma esquerda europeia dividida e em busca de novos rumos.
Quatro anos depois, o mais jovem primeiro-ministro que a Grécia tinha conhecido em 150 anos, e o único a declarar-se ateu, era derrotado nas eleições europeias e locais de maio passado pelos mesmos conservadores, defensores de um modelo neoliberal que tinha reduzido o país à pobreza.
Em 2015, os eleitores optaram por romper com a lógica da alternativa entre os dois partidos tradicionais e através do Syriza pretendiam recuperar o que tinha perdido sob a tutela dos credores, a dignidade. Em maio de 2019, a euforia já dava lugar ao desalento, e aqueles que não quiseram penalizar o Syriza nas urnas optaram por ficar em casa e abster-se.
O Syriza irrompeu na vida política helénica em particular à custa do colapso do tradicional Pasok (Partido socialista pan-helénico, agora integrado no movimento Kinal).
Carismático, intrigante, o jovem político colocou em sobressalto os seus parceiros da União Europeia (UE) no seu intransigente combate contra a austeridade nos seus primeiros seis meses de poder, assinalados por tormentosas reuniões em Atenas e Bruxelas.
Com Yanis Varoufakis nas Finanças, a Grécia esteve então em risco de ser expulsa da zona euro, em particular após o referendo de 05 de julho de 2015, onde a população rejeitou por larga maioria as exigências dos credores internacionais.
Na Europa, a esquerda mobilizava-se em solidariedade com o sobressalto grego e a vitória do Syriza fazia prever a possibilidade de se impor ao domínio do capital e aplicar um modelo social radical.
No entanto, em aparente contradição com a sua ideologia, o ex-dirigente das Juventudes comunistas e que nunca usava gravata assinou um terceiro memorando de entendimento, e assumia que se podiam vencer eleições com um programa de esquerda mas não governar quando a margem de manobra face aos detentores do poder financeiro é quase nula.
Em vez de renegociar a dívida, deter o processo de privatizações de empresas estatais, evitar novos cortes de pensões e restabelecer o salário mínimo, assinou em julho de 2015 um terceiro resgate financeiro menos elevado que os anteriores (86 mil milhões de euros), mas de novo repleto de medidas de austeridade.
Tsipras justificou esta viragem e o acordo com os credores (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) com o argumento de pretender evitar o "suicídio coletivo" do país, e que em vez de "escapar" (saída do euro) optava por "enfrentar a realidade".
Em setembro desse ano convocou novas eleições e garantiu uma segunda oportunidade e quando se mantinha a esperança de uma aplicação da política social prometida, apesar das contínuas exigências vindas de Bruxelas e Washington.
No entanto, optou por se tornar num aplicado cumpridor dos ditames das instituições, mesmo que alguns dos objetivos fixados pelos credores, como o vasto programa de privatizações, não tenha sido cumprido na íntegra. Progressivamente, Tsipras transmitiu a impressão de sempre hesitar entre as suas convicções e as exigências dos credores, acabando por ceder a estes últimos.
Nos seus dois mandatos foi forçado a aliar-se aos Gregos Independentes (Anel), soberanistas de direita em colapso que prescindiram de concorrer às eleições de domingo, ou a promover sucessivos jogos parlamentares para obter maiorias nas votações.
Mas sob a sua liderança, a Grécia também registou resultados económicos melhores que o previsto, o desemprego baixou, o crescimento regressou e foi anunciada a saída do resgate.
Nos períodos em que o peso da 'troika' se aliviava, tentou diminuir a austeridade para os mais desfavorecidos ao fornecer acesso gratuito à saúde e ajudas para pagar as rendas de casa e as faturas de eletricidade. Mas para financiar estas medidas, o seu governo continuou a penalizar parte da classe média.
Ao assinar o contestado (a nível interno) acordo sobre o novo nome da República da Macedónia do Norte com o seu homólogo Zoran Zaev em janeiro, Tsipras também perdeu votos. Mas a nível internacional, a iniciativa foi aplaudida e foram ambos nomeados para o Nobel da paz 2019.
Engenheiro civil de formação, 44 anos, tem dois filhos com Betty Baziana, engenheira eletrónica, com quem nunca se casou num país onde o peso da religião permanece importante.
Sempre manifestou admiração por Che Guevara, o revolucionário argentino e um dos protagonistas da Revolução cubana, e em sua homenagem deu o nome de Orfeas Guevara ao seu segundo filho.
Mas após a derrota de maio, e a perspetiva de um novo revés no domingo, o principal objetivo de Tsipras será evitar que o Syriza se torne num partido marginal e num "breve episódio da História", como gostam de prenunciar os seus adversários políticos. LUSA