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Alemanha desafia Turquia e aprova moção que reconhece genocídio arménio
Apesar das ameaças de Ancara, os deputados alemães aprovaram uma moção que classifica o massacre de arménios pelas forças otomanas de "genocídio". Com as relações Berlim-Ancara em causa, a Turquia mandou regressar a casa o embaixador turco na Alemanha.
Os deputados do Parlamento germânico (Bundestag) aprovaram esta quinta-feira, 2 de Maio, uma resolução que classifica de "genocídio" o massacre de arménios e outras minorias cristãs levado a cabo entre 1915 e 1916 pelo Império Otomano, uma decisão que vem adensar ainda mais as já delicadas relações entre a Alemanha e a Turquia. As autoridades turcas não perderam tempo e, segundo a agência noticiosa Anatolia, citada pelo Politico, já deram ordens ao embaixador turco na Alemanha, Hüseyin Avni Karslioglu, para regressar a Ancara e ser "consultado".
A resolução de cinco páginas escrita por parlamentares da CDU, do SPD e dos Verdes, segundo citação do The Guardian, e que mereceu o voto favorável de todas as bancadas do Bundestag (à excepção de um voto contra e uma abstenção), refere-se ao "genocídio de arménios e outras minorias cristãs nos anos de 1915 e 1916".
As autoridades turcas, pela voz do recém-nomeado primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, haviam avisado que a aprovação pela câmara baixa do Bundestag desta resolução iria "testar" as relações entre Ancara e Berlim numa altura de grande instabilidade, decorrente da crise dos refugiados.
Turkey: German Vote to Recognize Armenian Genocide Will Hurt Relations https://t.co/ME7gpL6JKi pic.twitter.com/THTFOyvxDe
— Voice of America (@VOANews) 1 de junho de 2016
Este é um tema delicado e que ao longo dos anos tem motivado vários atritos diplomáticos. Em causa está o massacre que se pensa ter provocado a morte de 1,5 milhões de cristãos arménios por parte do Império Otomano, em territórios hoje pertencentes à República da Turquia, durante a Primeira Guerra Mundial. Desde há muito a Arménia acusa os otomanos de terem executado um genocídio, com a Turquia (país que nasceu após a implosão do Império Otomano verificada após o fim da Primeira Guerra) a garantir que não houve qualquer genocídio, mas somente confrontos inerentes a uma guerra civil.
O chefe do Executivo turco, já esta quinta-feira, considerou "absurdo" o sentido de voto dos deputados alemães, notando ser "claro que as relações com a Alemanha serão prejudicadas". Binali Yildirim sugeriu ainda que esta resolução consiste numa manobra de diversão para desviar atenções dos problemas internos vividos pelo Governo de coligação entre a CDU e o SPD chefiado pela chanceler Angela Merkel.
Esta semana Ancara já tinha vindo, novamente, avisar a União Europeia (UE), e também a própria Alemanha, de que não cumpriria a sua parte no acordo alcançado com Bruxelas, para a limitação do número de refugiados que chegam à Europa vindos da Turquia, se a Europa não levantasse a exigência de vistos aos cidadãos turcos que queriam viajar para o interior do espaço comunitário.
O problema é que no acordo que prevê a liberalização dos vistos para viagens de curta duração está previsto que a Turquia cumpra um pacote de 72 exigências técnicas, sendo que uma delas – Ancara estará ainda a incumprir cinco destas exigências – está relacionada com a nova legislação turca que alarga com bastante discricionariedade a classificação de terrorismo, permitindo ao regime de Erdogan considerar terroristas membros da oposição, a comunidade turca ou mesmo jornalistas considerados inimigos da pátria.
O acordo entre Ancara e Bruxelas sobre refugiados permitiu aliviar a pressão interna sobre Angela Merkel, que vinha sendo fustigada com críticas várias – inclusive no seio do seu partido (CDU) e do partido-irmão da Baviera (CSU) – à política de portas abertas proclamada pela chanceler no Verão passado. A chegada de mais de 1,3 milhões de refugiados à Alemanha, aliada ao crescimento de popularidade de partidos anti-imigração como a Alternativa para a Alemanha (AfD), contribuiu para reforçar a necessidade de uma solução que permitisse estancar, de alguma forma, o fluxo de refugiados.
Em Abril, sobre pressão das autoridades turcas, designadamente da parte de Erdogan, Angela Merkel autorizou a abertura de um processo criminal contra um comediante alemão que leu um poema crítico para com o presidente da Turquia.