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Acordo no Brexit? Prenda antecipada ou Natal estragado

Von der Leyen e Boris Johnson assumiram os comandos da negociação e mantêm contactos constantes num último esforço para assegurar um acordo sobre a relação na noite desta quarta-feira. Mas se o nó não for desatado, as negociações terão de continuar para lá do Natal ou mesmo do ano novo.

David Santiago dsantiago@negocios.pt 23 de Dezembro de 2020 às 13:36

A nove dias da saída do Reino Unido do mercado único, o desfecho das negociações em torno do período pós-Brexit continua em aberto: um acordo pode ser obtido ainda na noite desta quarta-feira e, assim, ser apresentado como uma espécie de prenda antecipada; mas o impasse pode prolongar-se e exigir que as negociações prossigam a seguir ao Natal e, porque não é de excluir após inúmeres datas-limite ultrapassadas, já depois do ano novo.

Na terça-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, assumiram as rédeas da negociação e têm mantido, desde então, contacto regular, segundo escreve hoje o Financial Times. O objetivo consiste em fazer um último esforço a fim de encontrar um entendimento sobre a relação futuro ainda na noite desta quarta-feira, garantindo um Natal mais descansado e sem a ameaça de incerteza a estragar o espírito natalício.

Em declarações à BBC, Robert Jenrick, ministro britânico das Comunidades, mostra-se "otimista" e diz ainda acreditar num acordo. E uma fonte do executivo britânico citada pelo FT diz mesmo que devido à exaustão negocial decorrente de mais de 10 meses de conversações até agora inconclusivas, ambas as partes esperam poder fechar um entendimento o quanto antes, ou seja, esta quarta-feira: "Não há impossíveis", sustenta acrescentando que, nesta altura, todos querem "ir para casa" e passar um Natal descansado.

Também o primeiro-ministro irlandês falou na última noite para dizer acreditar que, dados os progressos alcançados nos últimos dias, um "acordo é mais provável do que menos provável".

Mais prudente, Michel Barnier, responsável pela condução das negociações pelo lado do bloco europeu, comunicou ontem, em reuniões separadas, aos representantes dos Estados-membros junto da União e ao grupo de coordenação do Parlamento Europeu que, nesta fase, é impossível saber se Bruxelas e Londres vão conseguir chegar a um acordo de parceria política e económica.

Barnier assume até a possibilidade de as negociações poderem continuar depois do Natal e nem sequer fecha a porta a que prossigam já depois do ano novo. Apesar de haver outras arestas por limar, são agora dois os grandes obstáculos a um compromisso: pescas e o grau de alinhamento em termos das regras de concorrência (o chamado "level playing field"). Barnier especifica que a maior distância a percorrer consiste na aproximação necessária na questão das pescas.

Para superar o impasse, a União Europeia disponibilizou-se a sacrificar 25% dos respetivos direitos de pesca nas águas territoriais britânicas durante um período de transição de seis anos. Mas Londres insiste num corte de 35% que, segundo explicou Michel Barnier, poderia traduzir-se em 60% se se contabilizassem espécies de peixe pelágico como o atum, o que se traduziria numa perda em torno de 230 milhões de euros por ano para os pesqueiros comunitários.

França e Dinamarca, dois países com fortes interesses nas águas britânicas, têm defendido que Bruxelas não deve fazer cedências adicionais nesta matéria, argumentando dever ser Londres a materializar uma aproximação.

Depois de ouvir a atualização feita por Barnier acerca do estado das conversações, um eurodeputado citado pelo Politico mostra-se "muito cético" de que seja possível fechar um acordo antes do Natal, considerando que os temas por resolver são "bastante difíceis".

O Parlamento Europeu considera que a próxima quinta-feira é a data limite para ser alcançado um entendimento de forma a que o mesmo possa ser posto em prática antes do final do ano. Por via das dúvidas, está já pré-agendado um plenário para 28 de dezembro para o caso de, nessa altura, haver um acordo de parceria pronto a ser votado pelos eurodeputados.

Três hipóteses num cenário de não acordo
Se até lá não houver um entendimento, são três os cenários em cima da mesa, detalha o Politico. As partes poderiam continuar a negociar e se chegassem a acordo antes do final de 2020, o compromisso poderia ser implementado provisoriamente nos primeiros dias de janeiro, possibilidade que não deixa de colocar diversos obstáculos ao nível legal e operacional.

A segunda hipótese consiste em assumir um não acordo e retomar as negociações em 2021. Por fim, a terceira possibilidade passaria também pela admissão do não acordo, mas neste caso pondo fim às negociações.

Michel Barnier já demonstrou a disponibilidade de Bruxelas para continuar a dialogar após 1 de janeiro se tal for necessário, contudo, no início de dezembro, Michael Gove, ministro do Conselho de Ministros do Reino Unido, avisou que, em 2021, o governo britânico não irá manter negociações com vista a um acordo bilateral se 2020 terminar sem um entendimento.

Assim, no cenário adverso de não acordo, a partir de 1 de janeiro o Reino Unido deixa de estar integrado no mercado único e na união aduaneira, pelo que as trocas entre os dois blocos passam a ser regidas pelas regras da Organização Mundial do Comércio, levando à aplicação de tarifas aduaneiras e controles alfandegários.

Neste cenário, não deixarão de se repetir as imagens das filas de camiões observadas nos últimos dias do lado de lá do Canal da Mancha, circunstância causada pelo bloqueio imposto por vários países europeus devido ao surgimento da nova estirpe da covid-19 em território britânico.

NHS pede prolongamento da transição
Os líderes do sistema público de saúde do Reino Unido (NHS) apelaram entretanto ao primeiro-ministro Boris Johnson que recue e aceite prolongar, durante um mês, o período de transição, noticia esta quarta-feira o Guardian.

Avisam que num cenário de não acordo, os pacientes covid ficarão em maior risco e o sistema de saúde pode atingir o colapso. Consideram ainda que o NHS, assoberbado por uma crise pandémica agora agravada no país pela nova variante do coronavírus, não terá o tempo necessário para se adaptar à introdução de novas regras após 1 de janeiro.

Recorde-se que já esta semana o governo liderado por Boris Johnson reiterou, em resposta a apelos no mesmo sentido feitos pelo "mayor" de Londres, Sadiq Khan, e pela primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, que não aceita prolongar o período de transição.

Este período, previsto no acordo de saída, arrancou após 31 de janeiro último quando o Reino Unido passou a país terceiro face à UE e foi pensado para assegurar uma almofada temporal para que os dois lados se entendessem quanto à relação futura.

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