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Estudo de chefe de missão do BCE ataca subida do salário mínimo
Isabel Vansteenkiste estima que subidas do salário mínimo desde 2008 e até 2015 tenham acrescentado quase 4 pontos à taxa de desemprego, que já poderia ter regressado aos valores do início do século.
Em "Será que a crise deixou uma cicatriz permanente no mercado de trabalho português?" [Did the crisis permanently scar the portuguese labour market?], publicado na página do BCE a 3 de Abril, Isabel Vansteenkiste analisa a evolução do mercado de trabalho em Portugal à luz da relação entre a taxa de desemprego e o número de ofertas de emprego (uma relação conhecida por curva de Beveridge), procurando os factores determinantes da saúde do mercado de trabalho nos últimos anos.
A economista belga estima que grande parte do aumento do desemprego durante a crise – que ultrapassou os 17% da população activa no final de 2012 – se deveu à recessão, com destaque para a destruição de postos de trabalho no sector da construção, e que tem portanto uma natureza temporária; mas conclui também que um regresso à situação mais favorável vivida antes da crise está dificultado pela reversão de medidas adoptadas durante o programa de ajustamento, em particular o aumento do salário mínimo face ao salário mediano [que em 2016 já equivale 63%]; e que a situação seria muito pior sem as reformas do mercado de trabalho adoptadas entre 2011 e 2014.
Há na literatura económica um longo debate relativo aos impactos de aumentos do salário mínimo sobre o emprego, com resultados contraditórios, mas que tendencialmente apontam para efeitos negativos, ainda que reduzidos, que fundamentam avisos sobre os riscos de aumentos excessivos.
A ameaça é que a subida da remuneração mínima prejudique a criação de emprego nesta faixa de rendimento, especialmente em economias com salário médio baixo, o que penaliza jovens e trabalhadores menos qualificados, que já foram os mais afectados pela crise.
Os resultados de Isabel Vansteenkiste destacam-se pela dimensão dos impactos que estima. "O aumento do rácio do salário mínimo [face ao mediano] entre 2008 e 2011 contribuiu para um aumento da taxa de desemprego de cerca de 2 pontos percentuais" lê-se nas conclusões do trabalho. A este efeito junta-se o aumento do rácio mesmo durante os anos da troika – apesar do congelamento do salário mínimo, pois o salário mediano baixou; e também o aumento decretado em Outubro de 2014, apenas poucos meses depois da saída da troika. Ao todo, desde 2008, o efeito ultrapassa os 4 pontos percentuais. Ou seja, sem os aumentos, a taxa de desemprego de 2016 poderia ter-se aproximado dos 7%, um mínimo desde o início do século.
As estimativas não levam ainda em conta os aumentos registados em 2016 e 2017 e podem servir de aviso para o Governo, que subiu o valor do salário mínimo para 557 euros em Janeiro, e tem como objectivo elevá-lo para 600 euros até ao final da legislatura.
Avisos em contra-mão com Governo
O estudo analisa a relação entre a taxa de desemprego e o número de vagas de emprego na economia, uma relação conhecida por Curva de Beveridge, e que tende a estabelecer que mais desemprego coincide com menos vagas (e oferta de emprego) e vice versa. Em Portugal este relação também se verifica, mas parece ter ocorrido uma alteração no funcionamento do mercado de trabalho que passou a ditar um maior nível de desemprego (para o mesmo número de vagas/ofertas). Esta alteração, explica a economista, pode indiciar que os desempregados estão a ter mais dificuldades a encontrar emprego, por exemplo por não terem qualificações ou estarem desempregados há vários anos perdendo capacidades, ou que têm menos incentivos a aceitarem as ofertas existentes, por exemplo por terem apoios sociais mais elevados.
A partir deste enquadramento teórico Isabel Vansteenkiste estuda a curva de Beveridge para Portugal (Espanha e EUA), estima os factores que condicionaram entre 2008 e 2015, e conclui que a maior parte do aumento de desemprego deveu-se à recessão, o que em si poderia ser simplesmente um efeito cíclico, ms não é, avisa, concluindo que:
- O facto da crise ter afectado particularmente o sector da construção, com trabalhadores menos qualificados, também dificulta a recuperação do mercado de trabalho.
- Subsídio de desemprego mais elevado e a sua atribuição por períodos mais longos contribuem para um aumento do desemprego durante as crises, mas também para manter o desemprego elevado. Este efeito é aumentado perante maior rigidez laboral. Foi nesta dimensão que as reformas da troika mais ajudaram o país.
- Um salário mínimo elevado face à mediana (63% em 2016, 57% na média 2008 a 2014), aliás como legislação laboral mais rígida, contribuiu para uma maior prevalência de desemprego de longa duração, uma característica preocupante do mercado de trabalho português.