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Afinal, o salário mínimo não prejudica o emprego?

Alguns dos receios relacionados com o impacto do salário mínimo no emprego terão sido infundados e até os patrões parecem resignados ao aumento. Mas podemos estar a viver um oásis de crescimento que não é sustentável.

Pedro Catarino
11 de Setembro de 2017 às 22:00
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Nos últimos dois anos, o salário mínimo nacional tem crescido a um ritmo a que já não assistíamos há vários anos. Ao mesmo tempo, e ao contrário do que alguns esperariam, o emprego disparou. Afinal, o receio das consequências negativas do salário mínimo era injustificado?

Entre Setembro de 2014 e o início deste ano, o salário mínimo aumentou quase 15%, passando de 485 para 557 euros por mês. Sensivelmente no mesmo período – entre o terceiro trimestre de 2014 e os dados mais recentes – o emprego cresceu 5,5%, o que se traduz em quase mais 250 mil pessoas empregadas, superando até as expectativas do Governo.

Olhando para estes dados, é difícil imaginar que a subida do salário mínimo esteja a penalizar o emprego. Esse era um dos riscos mais citados por quem se opunha ao aumento. Em 2013, Pedro Passos Coelho causou polémica ao levantar esse argumento: "Quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é exactamente a oposta [descer o salário mínimo]. Foi isso que a Irlanda fez no início do seu programa." Um ano e meio depois, o seu governo haveria de aprovar uma subida da retribuição mínima, mas ainda há poucos meses Passos voltou a pedir ao Executivo para rever as metas de subida previstas para o futuro.

Passos não está isolado nesta preocupação. Existem alguns motivos para esse cepticismo. Embora não exista um consenso académico – estudos internacionais e nacionais divergem –, a maioria dos economista aceita que o salário mínimo comporta riscos para o emprego, principalmente entre os trabalhadores menos qualificados. A questão está em saber a partir de que aumento esse efeito se faz sentir, quão significativo é o impacto e se, mesmo assim, não vale a pena correr o risco devido às restantes vantagens.

Menos anticorpos contra o salário mínimo
Certo é que neste momento a resistência à valorização da remuneração mínima esbateu-se na sociedade portuguesa. Os patrões, por exemplo, tal como noticiou o Negócios, já assumiram que não vão comprar a guerra e mostram-se resignados a que o salário mínimo prossiga a trajectória de subida que o deverá levar aos 600 euros em 2019.

A própria Comissão Europeia, que sempre manifestou sérias reservas à subida do ordenado mínimo, deixou este ano de incluir o tema nas suas recomendações ao país. Quanto ao emprego, ainda há riscos para os menos qualificados, mas "no actual contexto de recuperação, estes riscos não se materializaram", reconhece Bruxelas.

Com a conjuntura actual, não há argumento político contra a subida do salário mínimo. João cerejeira
Professor de Economia da Universidade do Minho

Um dos motivos para a Comissão estar mais descansada é o compromisso do Governo em acompanhar a evolução do salário mínimo através de análises trimestrais. No mais recente relatório, concluía-se que "o comportamento dos principais indicadores do mercado de trabalho, analisados a partir de diferentes fontes estatísticas e administrativas, prossegue positivo, não obstante os aumentos de 5% e 5,1% do salário mínimo nacional em 2016 e em 2017". O mesmo documento lembra que a subida ajuda no "combate à pobreza" e a atingir "melhores níveis de igualdade salarial".

Efeitos nocivos podem estar escondidos
Em Outubro do ano passado, mais de 23% dos trabalhadores por conta de outrem recebia o salário mínimo. Em 2014 – antes do primeiro aumento depois de quase quatro anos de estagnação – apenas 13% estavam nessa situação. A maior abrangência é um dos riscos, uma vez que Portugal já tem um dos salários mínimos mais próximos da mediana. As empresas têm menos flexibilidade e os trabalhadores podem perder incentivo para avançarem na carreira ou nas qualificações.

João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, avisa que os efeitos podem estar escondidos. A existirem, eles fazem-se sentir em bolsas da população – menos qualificados, mulheres, jovens, sectores específicos – que podem ser mais difíceis de identificar nos dados do INE.  Não é de excluir a hipótese de a economia estar a atravessar um oásis, ou seja, uma conjuntura especialmente positiva, que acaba por atenuar os efeitos do aumento do salário mínimo em sectores que são mais vulneráveis. Por exemplo, vestuário e calçado atravessam um bom momento nas exportações e a restauração recebeu um balão de oxigénio com a redução do IVA.

Aliás, nós não sabemos como estaria o mercado de trabalho se não tivesse havido mexidas no salário mínimo. Poderia o desemprego ter caído ainda mais? O BCE, por exemplo, parece apontar nesse sentido. Em Abril deste ano, um estudo do banco central concluía que as subidas do salário mínimo entre 2008 e 2015 agravaram em quatro pontos percentuais a taxa de desemprego.

Ou seja, no plano teórico, existem vários asteriscos a colocar à valorização do salário mínimo. Mas o actual contexto retira espaço de manobra às críticas que parecem não colar com a realidade. "Com a conjuntura actual de crescimento, não há argumento político contra a subida do salário mínimo", refere Cerejeira. "Numa fase de expansão há um efeito nulo ou muito ténue no emprego", conclui. O problema poderá vir depois, quando a economia desacelerar e o salário mínimo se mantiver elevado.

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