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Afinal, o salário mínimo não prejudica o emprego?
Alguns dos receios relacionados com o impacto do salário mínimo no emprego terão sido infundados e até os patrões parecem resignados ao aumento. Mas podemos estar a viver um oásis de crescimento que não é sustentável.
Nos últimos dois anos, o salário mínimo nacional tem crescido a um ritmo a que já não assistíamos há vários anos. Ao mesmo tempo, e ao contrário do que alguns esperariam, o emprego disparou. Afinal, o receio das consequências negativas do salário mínimo era injustificado?
Entre Setembro de 2014 e o início deste ano, o salário mínimo aumentou quase 15%, passando de 485 para 557 euros por mês. Sensivelmente no mesmo período – entre o terceiro trimestre de 2014 e os dados mais recentes – o emprego cresceu 5,5%, o que se traduz em quase mais 250 mil pessoas empregadas, superando até as expectativas do Governo.
Olhando para estes dados, é difícil imaginar que a subida do salário mínimo esteja a penalizar o emprego. Esse era um dos riscos mais citados por quem se opunha ao aumento. Em 2013, Pedro Passos Coelho causou polémica ao levantar esse argumento: "Quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é exactamente a oposta [descer o salário mínimo]. Foi isso que a Irlanda fez no início do seu programa." Um ano e meio depois, o seu governo haveria de aprovar uma subida da retribuição mínima, mas ainda há poucos meses Passos voltou a pedir ao Executivo para rever as metas de subida previstas para o futuro.
Passos não está isolado nesta preocupação. Existem alguns motivos para esse cepticismo. Embora não exista um consenso académico – estudos internacionais e nacionais divergem –, a maioria dos economista aceita que o salário mínimo comporta riscos para o emprego, principalmente entre os trabalhadores menos qualificados. A questão está em saber a partir de que aumento esse efeito se faz sentir, quão significativo é o impacto e se, mesmo assim, não vale a pena correr o risco devido às restantes vantagens.
Menos anticorpos contra o salário mínimo
Certo é que neste momento a resistência à valorização da remuneração mínima esbateu-se na sociedade portuguesa. Os patrões, por exemplo, tal como noticiou o Negócios, já assumiram que não vão comprar a guerra e mostram-se resignados a que o salário mínimo prossiga a trajectória de subida que o deverá levar aos 600 euros em 2019.
A própria Comissão Europeia, que sempre manifestou sérias reservas à subida do ordenado mínimo, deixou este ano de incluir o tema nas suas recomendações ao país. Quanto ao emprego, ainda há riscos para os menos qualificados, mas "no actual contexto de recuperação, estes riscos não se materializaram", reconhece Bruxelas.
Professor de Economia da Universidade do Minho
Um dos motivos para a Comissão estar mais descansada é o compromisso do Governo em acompanhar a evolução do salário mínimo através de análises trimestrais. No mais recente relatório, concluía-se que "o comportamento dos principais indicadores do mercado de trabalho, analisados a partir de diferentes fontes estatísticas e administrativas, prossegue positivo, não obstante os aumentos de 5% e 5,1% do salário mínimo nacional em 2016 e em 2017". O mesmo documento lembra que a subida ajuda no "combate à pobreza" e a atingir "melhores níveis de igualdade salarial".
Efeitos nocivos podem estar escondidos
Em Outubro do ano passado, mais de 23% dos trabalhadores por conta de outrem recebia o salário mínimo. Em 2014 – antes do primeiro aumento depois de quase quatro anos de estagnação – apenas 13% estavam nessa situação. A maior abrangência é um dos riscos, uma vez que Portugal já tem um dos salários mínimos mais próximos da mediana. As empresas têm menos flexibilidade e os trabalhadores podem perder incentivo para avançarem na carreira ou nas qualificações.
João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, avisa que os efeitos podem estar escondidos. A existirem, eles fazem-se sentir em bolsas da população – menos qualificados, mulheres, jovens, sectores específicos – que podem ser mais difíceis de identificar nos dados do INE. Não é de excluir a hipótese de a economia estar a atravessar um oásis, ou seja, uma conjuntura especialmente positiva, que acaba por atenuar os efeitos do aumento do salário mínimo em sectores que são mais vulneráveis. Por exemplo, vestuário e calçado atravessam um bom momento nas exportações e a restauração recebeu um balão de oxigénio com a redução do IVA.
Aliás, nós não sabemos como estaria o mercado de trabalho se não tivesse havido mexidas no salário mínimo. Poderia o desemprego ter caído ainda mais? O BCE, por exemplo, parece apontar nesse sentido. Em Abril deste ano, um estudo do banco central concluía que as subidas do salário mínimo entre 2008 e 2015 agravaram em quatro pontos percentuais a taxa de desemprego.
Ou seja, no plano teórico, existem vários asteriscos a colocar à valorização do salário mínimo. Mas o actual contexto retira espaço de manobra às críticas que parecem não colar com a realidade. "Com a conjuntura actual de crescimento, não há argumento político contra a subida do salário mínimo", refere Cerejeira. "Numa fase de expansão há um efeito nulo ou muito ténue no emprego", conclui. O problema poderá vir depois, quando a economia desacelerar e o salário mínimo se mantiver elevado.