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Confusão com o tempo ameaça curso com 100% de emprego
Num país onde existem 135 mil jovens desempregados, há um curso cuja taxa de empregabilidade é de 100%. Mas a confusão com a área que estuda os fenómenos atmosféricos ameaça extinguir o único curso de metrologia em Portugal. É ministrado no Porto e ensina a ciência das medições.
"O que garante que quando as peças de um carro chegam vão todas encaixar umas nas outras?" Esta é a pergunta de António Silveira, director do curso Engenharia de Instrumentalização e Metrologia do Instituto Superior de Engenharia do Porto(ISEP) A resposta é simples: é a metrologia, uma ciência que pouca gente conhece, mas que, devido à sua abrangência, tem no mercado de trabalho uma elevada procura de técnicos com competências e formação na área. "Não há praticamente nenhuma actividade económica que não tenha a metrologia associada", explica António Silveira.
Mas afinal o que é mesmo a metrologia? "É a ciência da medição e calibração dos aparelhos. É a área de controlo de tudo o que há à nossa volta. Para sabermos que estamos a comprar um quilo de carne tem que haver alguém que certifique que está a pagar um quilo de carne". Esta é a maneira mais básica que Andreia Carraca, aluna do segundo ano da licenciatura em metrologia, tem para explicar aos amigos em que é que consiste o curso que frequenta. Mas não é só no talho que a metrologia se aplica. Isso também acontece quando enchemos o depósito do carro, quando compramos um quilo de maçãs, quando as peças de um avião ou de um carro se encaixam, quando abrimos uma pizza congelada.
São os engenheiros metrológicos que controlam os pesos, os tamanhos, as temperaturas e tudo o resto que necessite de "um garante da qualidade do produto", frisa o director do curso de metrologia do ISEP. E acrescenta: "Se eu comprar qualquer coisa, tenho a certeza que aquilo está dentro das especificações que diz ter."
Segundo dados da EURAMET (Associação Europeia de Institutos de Metrologia), as actividades decorrentes da metrologia representam 6% do PIB de toda a União Europeia, o que significa qualquer coisa como 10 mil milhões de euros só em Portugal.
Mas apesar da necessidade do mercado, o ISEP é a única instituição do País que oferece uma formação na área. O curso tem 20 vagas por ano lectivo, mas quer seja por desconhecimento quer seja por confusão com meteorologia, a procura por parte dos alunos é diminuta e "pode fechar por falta de interessados", admite a instituição. "Muitas vezes temos mais pedidos de estágios e oferta de empregos do que propriamente alunos a sair", garante António Silveira.
As 20 vagas disponíveis só conseguem ser totalmente preenchidas através de transferências e mudanças de curso. Mas, segundo o professor do ISEP, alguns alunos têm já formação no ensino superior: "O ano passado entraram alunos para o curso já com licenciatura e mestrado. Uma segunda opção pelo facto de a primeira ter uma má empregabilidade."
Quando acabou o secundário, Andreia Carraca estava confusa sobre a área que devia escolher. Não sabia o que era metrologia, mas depois de uma pesquisa pelo site do ISEP, acabou por colocar o curso como segunda opção, atrás de engenharia civil. Não entrou na área que na altura pretendia e a metrologia foi o caminho: "Pensei que fazia as cadeiras equivalentes e depois mudava de curso, mas entretanto tive contacto de perto com a área e decidi ficar", conta a aluna do segundo ano de Engenharia de Instrumentalização e Metrologia. Saber que tinha probabilidades garantidas de arranjar emprego também teve peso na decisão: "É saber isso e estar numa área que eu gosto, porque é muito difícil hoje em dia conseguir conciliar as duas", enfatiza Andreia.
Com o curso terminado, Maria João Mortágua é um exemplo de sucesso na metrologia. Entrou para a licenciatura em 2008. Na altura o curso foi apenas um meio para entrar no ISEP e depois mudar para informática. "Mas vi que era aquilo que eu queria e mudei o rumo do que tinha planeado", confessa Maria João. Com 24 anos já esteve em várias empresas e em Maio de 2013 ingressou na Salvador Caetano Aeronáutica, onde é inspectora de qualidade. Garante que mediu bem o salto ao decidir ficar no curso de metrologia: "Foi óptimo e tem muita saída. Desde que acabei o curso nunca fiquei parada."
A falta de técnicos com formação em metrologia faz com que as empresas compensem de uma outra forma. "O que acontece é que tradicionalmente esses lugares têm sido ocupados por pessoas que não têm formação na área em concreto, têm outro tipo de formação", lamenta João Rocha, presidente do ISEP.
É o caso da Eurest, uma empresa que oferece serviços de alimentação e gestão de refeitórios. Tem seis técnicos em metrologia, mas apenas um com formação de base. Beatriz Oliveira, directora de qualidade da Eurest, garante que ainda não sente falta de técnicos "porque acaba por ter que ser uma formação que é complementar". São formados em outras áreas e posteriormente treinados e preparados no âmbito da metrologia. Para a Eurest, a metrologia tem uma importância primordial na "qualidade e segurança do produto - principalmente a segurança, dado o volume de refeições que temos diariamente", destaca Beatriz Oliveira.