Notícia
Um dos petroestados mais ricos do mundo está a ficar sem dinheiro
Quando o então ministro das Finanças do Kuwait, Anas Al-Saleh, alertou em 2016 que era hora de cortar despesas e preparar o país para a vida depois do petróleo, foi ridicularizado por uma população habituada ao fluxo aparentemente interminável de petrodólares.
Quatro anos depois, um dos países mais ricos do mundo enfrenta uma crise devido à forte queda dos preços da energia, que está a levantar questões sobre a forma como os Estados Árabes do Golfo são geridos.
Al-Saleh deixou o cargo há muito tempo, ocupando outras posições no governo. A sucessora Mariam Al-Aqeel saiu em janeiro, duas semanas depois de sugerir que o Kuwait deveria reestruturar os salários do setor público, o maior obstáculo às finanças do Estado. O seu substituto, Barak Al-Sheetan, alertou no mês passado que não havia dinheiro suficiente para o pagamento de salários do setor público depois de outubro.
Lentos a ajustar os hábitos de grandes gastos à medida que as receitas do petróleo caem, os Estados do Golfo estão a caminho de um acerto de contas, e a estimular um novo debate sobre o futuro de países que durante décadas compraram lealdade popular com a generosidade do Estado.
"Vamos acordar um dia e perceber que gastámos todas as nossas poupanças, não por não termos verificado o nosso extrato bancário, mas porque olhámos e dissemos: ‘provavelmente é uma falha do banco’ e a seguir comprámos o mais recente Rolex", disse Fawaz Al-Sirri, que lidera a empresa de comunicações políticas e financeiras Bensirri.
Os membros da OPEP conseguiram impulsionar as cotações do petróleo depois da queda histórica este ano, mas o nível de 40 dólares ainda é muito baixo. A pandemia do coronavírus e a transição para a energia renovável ameaçam manter as cotações baixas.
A Arábia Saudita está a restringir benefícios e a aumentar impostos. O Bahrein e Omã, onde as reservas são menos abundantes, estão a recorrer ao aumento do endividamento e a procurar apoio de vizinhos mais ricos. Os Emirados Árabes Unidos diversificaram com a ascensão de Dubai como um centro de logística e finanças.
No Kuwait, no entanto, há um impasse entre o parlamento eleito e o governo cujo primeiro-ministro é nomeado pelo emir. Os parlamentares frustraram os planos de realocar subsídios do Estado e bloquearam propostas para emitir dívida.
O governo quase esgotou os seus ativos líquidos, ficando impossibilitado de cobrir um défice orçamental que deve atingir o equivalente a quase 46 mil milhões de dólares este ano.
Tem sido gradual o declínio do Kuwait que, na década de 1970, estava entre os estados do Golfo mais dinâmicos, com a sua herança empresarial e pessoas instruídas.
Depois, o crash de 1982 num mercado acionista informal abalou a economia do Kuwait e coincidiu com a instabilidade da guerra Irão-Iraque de quase uma década. O Kuwait embarcou numa onda de gastos para a reconstrução após a invasão de Saddam Hussein, que levou à Guerra do Golfo de 1991. O petróleo demorou anos para voltar a fluir livremente.
O Kuwait ainda depende dos hidrocarbonetos para 90% da receita. O estado emprega 80% dos trabalhadores do Kuwait, que ganham mais do que os profissionais do setor privado. Os benefícios de habitação, combustível e alimentação podem totalizar 2 mil dólares por mês para uma família média. Salários e subsídios absorvem 75% dos gastos do estado, que pode registar um défice pela sétima vez seguida desde a crise do petróleo em 2014.
Poupança para a vida
Mas o Kuwait tem dinheiro, muito, guardado num fundo inquebrável - o quarto maior do mundo, com cerca de 550 mil milhões de dólares. Tocar no Fundo para as Gerações Futuras, destinado a garantir a prosperidade depois do fim da era do petróleo, é uma proposta controversa.
Alguns kuwaitianos dizem que chegou a hora. Os opositores alertam, porém, que sem diversificar a economia e criar empregos, as poupanças seriam esgotadas em 15 a 20 anos.