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A noite em que Trump se tornou presidente

O presidente dos EUA fez esta noite a sua primeira apresentação perante o Congresso. O discurso foi longo, mas não trouxe os esperados detalhes sobre a prometida reforma fiscal, "histórica" e "fenomenal". Ainda assim, o saldo foi positivo, segundo as primeiras reacções da generalidade dos media e comentadores políticos. Foi a surpresa total. Mais pausado, optimista, sem discursos de ódio, "Trump tornou-se presidente".

Trumplandia: o país (des)encantado - A 20 de Janeiro, Donald Trump assumirá o cargo de presidente dos Estados Unidos da América e com ele virá uma nova onda de protestos. Bancos, ferro e empresas de segurança beneficiarão nos mercados nos primeiros meses da nova administração.
Reuters
01 de Março de 2017 às 02:55
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Donald Trump surpreendeu esta noite, no seu primeiro discurso presidencial perante o Congresso, ao começar por falar do Mês da História dos Negros, "que agora termina", dizendo que foi um recordatório do percurso da nação em defesa dos direitos civis e do "trabalho que há ainda por fazer nesse sentido". O Mês da História dos Negros, recorde-se, é celebrado em Fevereiro nos EUA e no Canadá, ao passo que no Reino Unido é assinalado em Outubro, recordando-se e homenageando-se acontecimentos e personalidades importantes na história da diáspora africana.

 

Trump sublinhou que os recentes actos de vandalismo em cemitérios judaicos, bem como o ataque contra dois indianos na semana passada em Kansas City, "recordam-nos que, apesar de podermos ser uma nação dividida em matéria de políticas, somos um país que se ergue e une na condenação do ódio e da maldade em todas as suas formas". No entanto, insistiu também na necessidade de "fazer cumprir as nossas leis sobre imigração", sublinhando que "só assim os salários aumentarão, só assim se ajudará os desempregados, só assim se pouparão milhares de milhões de dólares e só assim as nossas comunidades voltarão a estar de novo seguras".

E foi precisamente ao falar de imigração e segurança nacional que Trump abriu um pouco mais a cortina. "Queremos que todos os americanos tenham êxito, mas isso não pode acontecer num contexto de caos sem lei. Temos de restaurar a integridade e Estado de Direito nas nossas fronteiras", salientou. "Por essa razão, em breve começaremos a construir um grande, grande muro ao longo da nossa fronteira a sul", afirmou, citado pelo The Guardian. 

A sua mensagem geral sobre a imigração teve, contudo, um tom mais apaziguador, com Trump a dizer que acredita ser possível "uma verdadeira e positiva reforma da imigração".

 

O seu tom foi, aliás, bastante elogiado pelos media e por comentadores políticos, já que deixou para trás os decibéis inflamados, tendo optado por um tom ponderado, num discurso onde imperou o optimismo. Terá ficado para trás o presidente impulsivo que reage a contrariedades com mensagens em maiúsculas no Twitter e que é considerado por muitos como uma criança que não sabe ouvir um não?


A reforma fiscal tão esperada 

Quanto aos esperados pormenores sobre a reforma fiscal que tem vindo a prometer às empresas, o que Trump deixou passar não foi o suficiente para satisfazer a curiosidade. As bolsas norte-americanas têm vindo a subir fortemente desde que Trump foi eleito, no passado dia 8 de Novembro, mas esta terça-feira quebraram um ciclo de 12 subidas consecutivas devido ao clima de prudência por parte dos investidores em antecipação do discurso que era esperado para esta noite (21:00 em Washington, 2:00 da madrugada de quarta-feira em Lisboa).

Pelos excertos que foram sendo obtidos e divulgados pela imprensa ao longo da noite, foi-se percebendo que Trump – ao contrário das expectativas – iria falar em termos muito gerais sobre metas legislativas, como a reforma fiscal e o Obamacare [reforma da saúde levada a cabo por Obama e que o novo presidente quer reconfigurar], sem entrar em grandes detalhes. E foi o que aconteceu.

"A minha equipa de economistas está a levar a cabo uma reforma fiscal histórica que reduzirá os impostos sobre as nossas empresas, de modo a que possam competir e prosperar em qualquer lugar e com quem quer que seja", afirmou Trump, citado pelo The Guardian, sem especificar o que é que essa reforma implicará e quanto custará.

"Neste momento, as empresas norte-americanas são tributadas com uma das mais altas taxas de imposto em todo o mundo", declarou Trump, reiterando assim o seu compromisso de reduzir o IRC, tendo também frisado que irá promover um forte alívio fiscal para a classe média do país.

Um bilião de dólares para infra-estruturas

O presidente congratulou-se com os efeitos que diz estar a conseguir com a sua política de promoção do emprego em território nacional e de incentivo às empresas para que operem mais dentro de portas. Segundo ele, "desde a minha eleição, a Ford, Fiat Chrysler, General Motors, Sprint, Softbank, Lockheed, Wal Mart e muitas outras empresas anunciaram que vão investir milhares de milhões de dólares nos Estados Unidos e criar dezenas de milhares de novos empregos para os norte-americanos".


E relativamente aos esperados investimentos em infra-estruturas - promessa que tem feito subir os preços das cotadas ligadas à construção e a matérias-primas como o cobre e o alumínio - o novo residente da Casa Branca apelou ao Congresso para investir um bilião de dólares em infra-estruturas, algo que não foi aplaudido pelos democratas, conforme relatou Jennifer Bendery, jornalista de política do Huffington Post.


Trump disse também que a sua Administração já impôs novas sanções às entidades e indivíduos que apoiam o programa dos mísseis balísticos do Irão e declarou que "estamos também a tomar fortes medidas no sentido de proteger a nossa nação do terrorismo dos radicais islâmicos", o que lhe valeu uma forte ovação por parte dos presentes.

 

Quanto ao Affordable Care Act, também conhecido como Obamacare, quando Trump instou à sua rejeição e substituição por um outro plano para a saúde, os republicanos levantaram-se e aplaudiram, enquanto os democratas permaneceram sentados. Houve até duas representantes democratas que viraram os polegares para baixo, em total desacordo. 


Pelo caminho, Trump enalteceu os veteranos de guerra, dizendo que os desafios que o país enfrenta são enormes mas que o povo americano é ainda mais grandioso. E que ninguém é mais grandioso ou mais corajoso do que "aqueles que lutam, fardados, pela América". Por isso, "o meu orçamento irá também aumentar o financiamento destinado aos nossos veteranos [de guerra]. Os nossos veteranos deram tudo por este país e nós devemos dar-lhes isso de volta", afirmou.

A homenagem ao soldado Ryan

E foi a morte de um soldado que imprimiu um dos momentos mais tocantes da noite, quando Donald Trump lembrou e homenageou William "Ryan" Owens, da força de operações especiais da marinha, que morreu numa operação dos EUA no Iémen. Morto em combate no dia 29 de Janeiro, foi o primeiro soldado a cair sob a Administração Trump [o presidente tomou posse a 20 de Janeiro].

 

A viúva Carryn Owers e o falecido marido de 36 anos foram lembrados por Trump e todo o Congresso aplaudiu de pé, tendo o presidente sublinhado que se tinha "batido um recorde" na duração de um aplauso colectivo. "O Ryan deu a sua vida pelos seus amigos, pelo seu país e pela nossa liberdade. Nunca esqueceremos o Ryan", disse Trump.

 

Este incidente tem feito correr muita água, já que se tratou de uma rara operação no terreno levada a cabo pelos EUA no Iémen, numa incursão contra a Al-Qaeda. O pai do soldado falecido criticou Trump e recusou-se a estar com o presidente quando o corpo regressou aos Estados Unidos, exigindo uma investigação aprofundada ao ocorrido.

 

A este propósito, Trump disparou em vários sentidos, tendo dito que a missão foi realizada sob a sua presidência, mas que tinha sido aprovada ainda durante o mandato do seu antecessor, Barack Obama. Não deixou, contudo, de culpar também os generais envolvidos na operação: numa entrevista à Fox News, disse que a missão começou antes de ele tomar posse e que a operação era algo que os seus generais estavam "a planear há muito tempo". "And they lost Ryan", afirmou [E eles perderam o Ryan].

Este foi o momento em que Trump se tornou presidente

Sobre esta homenagem, Van Jones, comentador político da CNN, considerou que o momento em que Trump se dirigiu a Carryn Owens "foi o momento em que Trump se tornou presidente".

No final do seu discurso, muitos críticos de Trump "deram o braço a torcer", mostrando-se espantados com o facto de ter sido um discurso onde se mostrou receptivo à NATO, onde não se focalizou em atacar os media e aquilo a que chama de "fake news", e que já foi visto como o discurso onde menos vezes usou, até agora, pronomes pessoais. 


Um exemplo foi o de uma forte crítica do presidente, Ana Navarro, colaboradora da CNN, ABC e Telemundo, que escreveu que o que quer que seja que tenham injectado na Coca-Cola de Trump esta noite... deveriam dar-lhe todas as noites, por via intravenosa, enquanto dorme.







A expectativa


Enquanto o país aguardava pelas palavras do presidente, muitos foram os meios que foram avançando o que se conseguia ir apurando. E a escolta da imprensa não deixou escapar qualquer pormenor. Enquanto seguia a caminho do Capitólio, Trump foi visto a ensaiar o seu discurso:

Por essa altura, já Bradd Jaffy, editor na NBC News, divulgava excertos, obtidos por via oficial, do que o presidente iria dizer perante o Congresso: 


Na segunda-feira, 27 de Fevereiro, recorde-se, Trump enviou a sua proposta de orçamento aos vários departamentos federais, onde consta o prometido aumento do presidente nos gastos com a defesa, financiado em parte através de cortes no dinheiro destinado ao Departamento de Estado, Agência de Protecção Ambiental e outros programas não ligados à Defesa.

 

Segundo as informações que a Reuters obteve junto de fontes conhecedoras da proposta, Trump pretende atribuir mais 54 mil milhões de dólares ao Pentágono e cortará na mesma proporção os gastos destinados às áreas que não se inserem na Defesa.

 

Alguns especialistas em Defesa têm questionado a necessidade de um substancial aumento dos gastos a nível militar, uma vez que esse departamento já conta com 600 mil milhões de dólares por ano – ao passo que o país destina anualmente cerca de 50 mil milhões de dólares ao Departamento de Estado e ajuda externa.

Bolsas e dólar reagem em alta

 

Os investidores aguardavam com expectativa o discurso desta noite do presidente norte-americano, esperando-se que desse mais pormenores sobre os seus planos para a reforma fiscal e para os cuidados de saúde, bem como em matéria de gastos em infra-estruturas - o que não aconteceu. No entanto, o saldo positivo da sua mensagem está a animar a negociação no "after-hours".

 

Com efeito, apesar de ter fornecido poucos pormenores sobre a sua estratégia económica, as bolsas em Wall Street e o dólar estão a reagir em alta. "O discurso teve o suficiente para manter os mercados satisfeitos por agora", comentou à Bloomberg um estratego da AMP Capital Investors. "Ele não deu grandes detalhes, mas se calhar também não era possível", acrescentou.

 

Os futuros do índice S&P 500 seguem a somar 0,5% na negociação antes da abertura regular da sessão de quarta-feira. Por seu lado, o índice da Bloomberg que mede o desempenho do dólar face a outras 10 grandes divisas sobe 0,3%.

 

Para os mercados financeiros, este discurso assumiu a importância de um debate do Estado da União, sublinhou a Bloomberg. De facto, apesar de não ser considerado um discurso sobre o Estado da União, uma vez que recai no seu primeiro ano de mandato, o discurso inicial junto do Congresso não deixa de ser menos importante para os presidentes na era moderna, acrescentou a agência.

 

Esta semana faz três semanas que Donald Trump prometeu um "plano fenomenal" para a reforma fiscal. Na quinta-feira passada, o secretário norte-americano do Tesouro, Steven Mnuchin, veio dizer que quer ver aprovada, até Agosto próximo, uma reforma fiscal "muito significativa", reforçando assim a mensagem do presidente.

Esta terça-feira foi divulgada a segunda estimativa do PIB norte-americano do quarto trimestre, que ficou nos 1,9%, apesar das estimativas superiores a 2%.

(notícia actualizada pela última vez às 04:49)

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