Notícia
Sentar ex-extremistas e vítimas à mesma mesa
Neonazis, fundamentalistas islâmicos, membros de gangs de rua, ultranacionalistas, mas todos arrependidos.
19 de Julho de 2011 às 15:56
Neonazis, fundamentalistas islâmicos, membros de gangs de rua, ultranacionalistas, mas todos arrependidos. Estes foram os oradores convidados para uma conferência, no mínimo, sui generis, organizada pelo recém-criado “think/do tank” da Google. Frente a frente com várias das suas vítimas e com a ajuda de um conjunto de líderes organizacionais, pensadores e activistas, o objectivo foi duplo: analisar os motivos que levam os mais jovens a fazerem parte destes movimentos e explorar de que forma a tecnologia pode ter um papel principal nos esforços de dissuasão deste tipo de radicalismo em todo o mundo.
“Com 52 por cento da população mundial com idade inferior a 30 anos e, na sua vasta maioria, em situação de ‘risco’ económico, social ou ambos, existe um ‘excesso de oferta’ de jovens que pensam e agem com base na percepção de que as suas melhores opções são oferecidas por grupos violentos extremistas em termos de proximidade ou identidade”.
Este é o texto de abertura do website “Against Violent Extremism” (SAVE – Summit Against Violent Extremism] que suporta a primeira grande conferência organizada pelo “Think/Do Tank” inaugurado pela Google há cerca de oito meses. Contudo, este evento é, no mínimo, surpreendente. Reunidos estiveram, em Dublin, na Irlanda, 80 ex-extremistas - neonazis, radicalistas islâmicos e membros de gangues de rua - em conjunto com 120 vítimas, pensadores, activistas, filantropos e líderes de negócio. O objectivo? Analisar os motivos que levam as pessoas, nomeadamente os mais jovens, a fazerem parte destes movimentos e por que motivo alguns deles os abandonam e, por outro lado, explorar de que forma a tecnologia pode ter um papel principal nos esforços de dissuasão deste tipo de radicalismo em todo o mundo.
E o que têm em comum grupos de neonazis, ultranacionalistas irlandeses ou organizações como a Al Qaeda? Sem contarmos com a questão do fundamentalismo, a similitude mais preocupante é exactamente o facto de terem tendência para recrutarem membros muito jovens. E é este ponto de intersecção que Jared Cohen, outrora membro do governo norte-americano e um dos grandes responsáveis por introduzir a tecnologia nos esforços diplomáticos do seu país [Cohen pertenceu às equipas de Condoleeza Rice em 2006 e, já na actual administração, à de Hillary Clinton] faz questão de relação enquanto responsável por esta conferência sui generis. Como afirmou à Fast Company, em Março último, “o objectivo estratégico da Google é olhar para os mais complexos e intratáveis problemas do mundo e iniciar um debate global sobre como prevenir que os jovens se transformem em radicalistas e como ‘desradicalizar” os outros”.
Como seria de esperar, a questão central subjacente à conferência foi a do poder da tecnologia para combater o radicalismo, quando é sabido que o mesmo poder também favorece largamente o extremismo. À BBC, o presidente da Google, Eric Schmidt, fez saber a sua “atitude quase messiânica de que as novas tecnologias podem, na verdade, evitar que jovens irados mergulhem numa vida de violência e extremismo”.
Contudo e como se pode ler no website da conferência, há que reconhecer as muitas faces do extremismo violento – desde os gangs, aos que defendem a supremacia da raça branca, aos religiosos ou aos nacionalistas – e através da rede de especialistas e activistas que se juntaram a este movimento, apoiar o seu argumento de que o radicalismo é menos uma questão religiosa ou ideológica e mais uma realidade que apresenta os desafios enfrentados pela juventude em todo o mundo: a necessidade de empowerment, um caminho para a aventura, um sentido de propósito e de pertença e uma identidade com significado. Mas será que é mesmo assim?
Apesar da ideia do think/do tank da Google ser ousada e fazer algum sentido, têm sido várias as críticas aos seus resultados.
Na revista ForeignPolicy, por exemplo, os resultados da conferência foram avaliados por uma necessidade de a Google Ideas ter de pensar mais profundamente nos temas que irá debater e, ao contrário, agir menos. É que remeter este tema tão complexo apenas para os poderes da tecnologia é demasiado redutor em termos de abordagem àquilo que, nos círculos governamentais norte-americanos, se chama CEV – countering violent extremism. Como afirma o articulista da conceituada revista, o governo dos Estados Unidos, os seus aliados e ONGs em todo o mundo estão profundamente envolvidas nesta temática, pelo menos no que diz respeito à radicalização islâmica (o maior enfoque da conferência). “Para todas estas entidades, o desafio principal não é descortinar novas soluções, mas antes financiá-las, avaliar a sua eficácia e assegurar de que fazem mais bem do que mal”, escreve.
Para além do mais, os críticos têm sido unânimes no que respeita a uma verdade indiscutível: uma das tecnologias na qual o extremismo está a dar cada vez mais cartas situa-se exactamente nas “traseiras” da própria Google. É que enquanto os movimentos de cidadãos têm utilizado o YouTube (e não só, obviamente) para transmitir as suas mensagens, o mesmo caminho têm seguido os terroristas e outros grupos similares. Daí que os propósitos do Google Ideas não estarem a ser devidamente apreciados.
Identificar as raízes do radicalismo é muito complexo
Daveed Gartenstein-Ross, um dos convidados da conferência e director do Centro de Estudos sobre Radicalismo Terrorista, tem defendido arduamente que “no interior do islamismo, o comportamento de cada um é clara e inequivocamente controlado pela ideologia”. A PBS, que fez a cobertura integral do SAVE, não concorda, afirmando que os constrangimentos enfrentados por potenciais extremistas - as coacções sociais e dos pares, as expectativas familiares, as pressões económicas, entre outras – constituem uma melhor abordagem para se explicar o caminho para o radicalismo violento do que somente eleger a ideologia para tal. E o desafio continua a ser demasiado complexo: não existem dados suficientes para afirmar, de forma conclusiva, por que motivos determinada pessoa se radicalizou. “Pode ser uma questão de ideologia ou uma vontade de se viver uma aventura, como o SAVE parece fazer querer acreditar”, remata, em tom irónico.
Voltando à questão da tecnologia, as críticas continuam. Enquanto humanos, tendemos a procurar a confirmação das nossas crenças e desejos, ao mesmo tempo que ignoramos qualquer informação que seja contrastante com as mesmas. Assim, quando um grupo de gurus da tecnologia debate o problema do extremismo violento, é natural que estes pensem que as ideias não podem estar subjacentes ao mesmo e que, de alguma forma, terá de existir uma solução tecnológica para tal.
Questões conceptuais à parte, será que o SAVE tem realmente alguma hipótese de salvar alguém de uma vida regida por violência extremista? Mais uma vez, a questão repete-se. O extremismo violento tem inúmeras causas, desde um sintoma de isolamento social até a uma reacção contra opressões governamentais. E é por o Google Ideas ter metido ambos “no mesmo saco” que as críticas se multiplicam. A título de exemplo, alguns participantes especializados em radicalismo islâmico – o tema mais em voga na conferência mesmo que, em média, os gangs de rua acabem por ser responsáveis por mais vítimas mortais – questionaram se o objectivo da conferência não seria alargado demais ou se as ideias ali discutidas poderiam realmente imprimir alguma diferença no futuro. “Não é possível comparar os extremistas islâmicos com skinheads que vieram de lares abusivos e com infâncias terríveis”, afirmou um dos participantes.
Também em declarações à imprensa, Christopher Boucek, do Carnegie Endowment for International Peace, concordou que as expectativas desta conferência eram demasiado elevadas. Em entrevista ao Washington Post, Boucek afirma que levar os terroristas a desistirem da violência pode ser um objectivo mais exequível do que os fazer mudar as suas “simpatias”, acrescentando igualmente que embora possam existir fios condutores comuns para os motivos que levam as pessoas a juntarem-se a grupos extremistas, os remédios para o problema são, indubitavelmente, mais culturais e até “específicos para cada país”.
Mas Cohen não se deixa abater pelas críticas, afirmando que tratar o extremismo como um problema universal e transversal em termos culturais, ideológicos, políticos, religiosos e geográficos e trazendo antigos extremistas com antecedentes variados poderá “iluminar” os pontos em comum que conduzem as pessoas à violência.
“Se compartimentarmos os diferentes desafios da radicalização, tal significará que também estaremos a compartimentar as soluções para a sua não radicalização”, sublinha.
Vítimas e extremistas arrependidos à conversa
Para ler o artigo na íntegra clique aqui
“Com 52 por cento da população mundial com idade inferior a 30 anos e, na sua vasta maioria, em situação de ‘risco’ económico, social ou ambos, existe um ‘excesso de oferta’ de jovens que pensam e agem com base na percepção de que as suas melhores opções são oferecidas por grupos violentos extremistas em termos de proximidade ou identidade”.
Este é o texto de abertura do website “Against Violent Extremism” (SAVE – Summit Against Violent Extremism] que suporta a primeira grande conferência organizada pelo “Think/Do Tank” inaugurado pela Google há cerca de oito meses. Contudo, este evento é, no mínimo, surpreendente. Reunidos estiveram, em Dublin, na Irlanda, 80 ex-extremistas - neonazis, radicalistas islâmicos e membros de gangues de rua - em conjunto com 120 vítimas, pensadores, activistas, filantropos e líderes de negócio. O objectivo? Analisar os motivos que levam as pessoas, nomeadamente os mais jovens, a fazerem parte destes movimentos e por que motivo alguns deles os abandonam e, por outro lado, explorar de que forma a tecnologia pode ter um papel principal nos esforços de dissuasão deste tipo de radicalismo em todo o mundo.
E o que têm em comum grupos de neonazis, ultranacionalistas irlandeses ou organizações como a Al Qaeda? Sem contarmos com a questão do fundamentalismo, a similitude mais preocupante é exactamente o facto de terem tendência para recrutarem membros muito jovens. E é este ponto de intersecção que Jared Cohen, outrora membro do governo norte-americano e um dos grandes responsáveis por introduzir a tecnologia nos esforços diplomáticos do seu país [Cohen pertenceu às equipas de Condoleeza Rice em 2006 e, já na actual administração, à de Hillary Clinton] faz questão de relação enquanto responsável por esta conferência sui generis. Como afirmou à Fast Company, em Março último, “o objectivo estratégico da Google é olhar para os mais complexos e intratáveis problemas do mundo e iniciar um debate global sobre como prevenir que os jovens se transformem em radicalistas e como ‘desradicalizar” os outros”.
Como seria de esperar, a questão central subjacente à conferência foi a do poder da tecnologia para combater o radicalismo, quando é sabido que o mesmo poder também favorece largamente o extremismo. À BBC, o presidente da Google, Eric Schmidt, fez saber a sua “atitude quase messiânica de que as novas tecnologias podem, na verdade, evitar que jovens irados mergulhem numa vida de violência e extremismo”.
Contudo e como se pode ler no website da conferência, há que reconhecer as muitas faces do extremismo violento – desde os gangs, aos que defendem a supremacia da raça branca, aos religiosos ou aos nacionalistas – e através da rede de especialistas e activistas que se juntaram a este movimento, apoiar o seu argumento de que o radicalismo é menos uma questão religiosa ou ideológica e mais uma realidade que apresenta os desafios enfrentados pela juventude em todo o mundo: a necessidade de empowerment, um caminho para a aventura, um sentido de propósito e de pertença e uma identidade com significado. Mas será que é mesmo assim?
Apesar da ideia do think/do tank da Google ser ousada e fazer algum sentido, têm sido várias as críticas aos seus resultados.
Na revista ForeignPolicy, por exemplo, os resultados da conferência foram avaliados por uma necessidade de a Google Ideas ter de pensar mais profundamente nos temas que irá debater e, ao contrário, agir menos. É que remeter este tema tão complexo apenas para os poderes da tecnologia é demasiado redutor em termos de abordagem àquilo que, nos círculos governamentais norte-americanos, se chama CEV – countering violent extremism. Como afirma o articulista da conceituada revista, o governo dos Estados Unidos, os seus aliados e ONGs em todo o mundo estão profundamente envolvidas nesta temática, pelo menos no que diz respeito à radicalização islâmica (o maior enfoque da conferência). “Para todas estas entidades, o desafio principal não é descortinar novas soluções, mas antes financiá-las, avaliar a sua eficácia e assegurar de que fazem mais bem do que mal”, escreve.
Para além do mais, os críticos têm sido unânimes no que respeita a uma verdade indiscutível: uma das tecnologias na qual o extremismo está a dar cada vez mais cartas situa-se exactamente nas “traseiras” da própria Google. É que enquanto os movimentos de cidadãos têm utilizado o YouTube (e não só, obviamente) para transmitir as suas mensagens, o mesmo caminho têm seguido os terroristas e outros grupos similares. Daí que os propósitos do Google Ideas não estarem a ser devidamente apreciados.
Identificar as raízes do radicalismo é muito complexo
Daveed Gartenstein-Ross, um dos convidados da conferência e director do Centro de Estudos sobre Radicalismo Terrorista, tem defendido arduamente que “no interior do islamismo, o comportamento de cada um é clara e inequivocamente controlado pela ideologia”. A PBS, que fez a cobertura integral do SAVE, não concorda, afirmando que os constrangimentos enfrentados por potenciais extremistas - as coacções sociais e dos pares, as expectativas familiares, as pressões económicas, entre outras – constituem uma melhor abordagem para se explicar o caminho para o radicalismo violento do que somente eleger a ideologia para tal. E o desafio continua a ser demasiado complexo: não existem dados suficientes para afirmar, de forma conclusiva, por que motivos determinada pessoa se radicalizou. “Pode ser uma questão de ideologia ou uma vontade de se viver uma aventura, como o SAVE parece fazer querer acreditar”, remata, em tom irónico.
Voltando à questão da tecnologia, as críticas continuam. Enquanto humanos, tendemos a procurar a confirmação das nossas crenças e desejos, ao mesmo tempo que ignoramos qualquer informação que seja contrastante com as mesmas. Assim, quando um grupo de gurus da tecnologia debate o problema do extremismo violento, é natural que estes pensem que as ideias não podem estar subjacentes ao mesmo e que, de alguma forma, terá de existir uma solução tecnológica para tal.
Questões conceptuais à parte, será que o SAVE tem realmente alguma hipótese de salvar alguém de uma vida regida por violência extremista? Mais uma vez, a questão repete-se. O extremismo violento tem inúmeras causas, desde um sintoma de isolamento social até a uma reacção contra opressões governamentais. E é por o Google Ideas ter metido ambos “no mesmo saco” que as críticas se multiplicam. A título de exemplo, alguns participantes especializados em radicalismo islâmico – o tema mais em voga na conferência mesmo que, em média, os gangs de rua acabem por ser responsáveis por mais vítimas mortais – questionaram se o objectivo da conferência não seria alargado demais ou se as ideias ali discutidas poderiam realmente imprimir alguma diferença no futuro. “Não é possível comparar os extremistas islâmicos com skinheads que vieram de lares abusivos e com infâncias terríveis”, afirmou um dos participantes.
Também em declarações à imprensa, Christopher Boucek, do Carnegie Endowment for International Peace, concordou que as expectativas desta conferência eram demasiado elevadas. Em entrevista ao Washington Post, Boucek afirma que levar os terroristas a desistirem da violência pode ser um objectivo mais exequível do que os fazer mudar as suas “simpatias”, acrescentando igualmente que embora possam existir fios condutores comuns para os motivos que levam as pessoas a juntarem-se a grupos extremistas, os remédios para o problema são, indubitavelmente, mais culturais e até “específicos para cada país”.
Mas Cohen não se deixa abater pelas críticas, afirmando que tratar o extremismo como um problema universal e transversal em termos culturais, ideológicos, políticos, religiosos e geográficos e trazendo antigos extremistas com antecedentes variados poderá “iluminar” os pontos em comum que conduzem as pessoas à violência.
“Se compartimentarmos os diferentes desafios da radicalização, tal significará que também estaremos a compartimentar as soluções para a sua não radicalização”, sublinha.
Vítimas e extremistas arrependidos à conversa
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