Notícia
Os dossiês quentes da nova ministra das Finanças
Maria Luís Albuquerque assume a liderança do ministério das Finanças e da Administração Pública numa altura de profundas mudanças em quase todas as áreas que vai tutelar.
Regresso aos mercados e programa cautelar
Desde o início do ano que Vítor Gaspar tinha anunciando uma segunda fase no ajustamento português, marcada por uma política promotora do crescimento através do investimento privado. Nessa estratégia,que dependia crucialmente do relançamento da economia europeia na segunda metade do ano,o regresso aos mercados até ao Verão de 2014 é um dos vectores essenciais. Essa é agora a tarefa de Maria Luís Albuquerque, que já tinha o dossiê em mãos enquanto secretária do Estado do Tesouro a tutelar o IGCP, o instituto que gere a dívida pública. Em 2014 Portugal terá de conseguir recuperar o acesso completo aos mercados financeiros com o objectivo de financiar o Estado em mais de 16 mil milhões de euros,que juntam os últimos 8 mil milhões financiados pela troika. Dada a frágil situação económica nacional esse regresso aos mercados não deverá ser possível sem o recurso a um programa cautelar – uma garantia de empréstimo do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira, concedida por seis meses ou um ano, período em que poderá ser usado em caso de necessidade – que descanse os investidores. Essa negociação está numa fase inicial e deverá seguir de perto o que se passar na Irlanda.
Gerir relações com a troika e com Alemanha
Vítor Gaspar estava fragilizado pelos resultados orçamentais e económicos do ajustamento português, mas mereceu durante todo o programa a confiança e o apoio dos credores e, talvez mais importante, da Alemanha e do BCE. São muito recentes os rasgados elogios de Wolfgang Schauble, que recebeu Gaspar em Berlim há cerca de um mês. Ao longo do programa de ajustamento foram também várias as vezes que a troika aproveitou os seus relatórios regulares para elogiar o esforço de reforma e de contenção orçamental no ministério das Finanças – de tal forma que mesmo perante os sucessivos desaires orçamentais, Comissão Europeia e BCE mantiverem o apoio ao ministério das Finanças, defendendo-o das pressões dos críticos e até das interpretações do Tribunal Constitucional. Maria Luis Albuquerque está habituada aos trabalhos na esfera internacional, acompanhando o ministro das reuniões do Eurogrupo e Ecofin. Tem também nas mãos alguns dos dossiês mais importantes na óptica da troika, como a reforma do sector empresarial do Estado, o Tesouro e o regresso aos mercados.
Consolidação orçamental
A gestão orçamental será uma das áreas mais penosas. O Governo combinou com a troika poupanças orçamentais de 4,7 mil milhões de euros nos próximos dois anos, uma meta que muitos analistas consideram difícil de conseguir, especialmente por implicar decisões de difícil implementação política. Os cortes têm de acontecer numa economia que, nos cenários positivos, estará estagnada e que enfrenta sucessivas eleições. As metas incluídas no programa de ajustamento prevêem um défice de 5,5% do PIB este ano (vindo de 6,4% de 2012), e de reduções sucessivas nos anos seguintes: 4% em 2014 e 2,5% em 2015. A probabilidade de serem necessárias renegociações dos objectivos é grande, como a história do ajustamento tem demonstrado. A perseguir Maria Luís Albuquerque estará também o peso da dívida pública na economia que muitos temem que não seja sustentável, especialmente num contexto de baixo crescimento e desemprego elevado. A troika garante no entanto que a situação está sob controlo.
Descida de impostos e a reforma do IRC
O CDS quer, o Ministro da Economia apoia, mas Vítor Gaspar e Pedro Passos Coelho não se comprometeram taxativamente com uma decida de impostos já no próximo ano. Nem sequer no IRC, uma das áreas definidas como prioritárias para começar a operar uma descida da carga fiscal. A sucessora de Vítor Gaspar herda um relatório para a reforma do IRC elaborado pelo grupo de trabalho de liderado por António Lobo Xavier. O relatório prevê uma descida gradual da taxa normal do imposto e tem como filosofia transformar Portugal num “hub” de circulação de investimentos financeiros. Falta saber até onde vai o consenso político alargado para o implementar, e qual a margem orçamental para fazê-lo.
Despedimentos no Estado
Depois de ter visto chumbados dois orçamentos por causa da suspensão do pagamento do subsídio de Férias e de Natal, o ministro das Finanças tutelou, como responsável do seu ministério, o trabalho elaborado de forma mais directa pelo secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino. A proposta sobre o novo regime de mobilidade especial (o chamado sistema de “requalificação”), que está neste momento no Parlamento, prevê que, ao fim de um ano, os funcionários públicos possam ser despedidos. Esta alteração, bem como o anunciado aumento do horário de trabalho de 35 horas para 40 horas semanais, está consolidada na proposta da nova lei geral do trabalho. Os sucessivos adiamentos na apresentação da estratégia sobre a reforma do Estado e recentes cedências no sector da Educação levantam dúvidas sobre a capacidade política para implementar as reformas.
Cortes nas pensões de ex-funcionários
É uma das reformas mais valiosas no âmbito do corte de 4,7 mil milhões de euros que está na calha para 2014: as pensões de reforma pagas pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) vão ser cortadas, de modo a aproximarem-se dos valores pagos no Regime Geral de Segurança Social. O método do Governo passará por aplicar um corte de cerca de 10% à parte da pensão calculada com base no último salário (método usado para as pensões calculadas até 2005). O objectivo é que a chamada “taxa de substituição” (a relação entre o valor da pensão e o último salário) desça de 90% para os 80% (o valor aproximado das pensões do Regime Geral de Segurança Social no passado. Ao contrário de outras propostas de cortes nas pensões, esta merece o apoio do CDS-PP, pelo que a sucessora de Vítor Gaspar não deverá ter de despender muito esforço negocial com o partido da coligação.