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Oferecer certos presentes a políticos também pode ser crime
Não só quem apenas recebe, mas também quem oferece, pode incorrer em crime. Mas é necessário que fuja a uma conduta “socialmente adequada”. O que leva os advogados contactados a considerarem que no caso das viagens a França a conclusão seria prematura.
Quem oferecer presentes a titulares de cargos políticos ou a altos dirigentes também pode, nos termos da lei, incorrer num crime, a não ser que em causa estejam "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes". Os juristas contactados pelo Negócios separam a avaliação política da avaliação jurídica, e recomendam cautela na qualificação de crime no caso do pagamento das viagens pela Galp aos secretários de Estado.
Alei dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos – que se aplica a deputados ou a membros do Governo, mas também a alguns dirigentes de topo – estabelece "que o titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa delas, (...) solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos". Da mesma forma, quem "der ou prometer" essa vantagem "é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias". Contudo, nada disto se aplica se em causa estiverem "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes".
João Amaral e Almeida, sócio da Sérvulo, começa por esclarecer que não é necessário que haja uma contrapartida. "Basta haver a solicitação ou a aceitação da vantagem pelo político". "As empresas que derem ou prometerem dar a um político essa vantagem [patrimonial ou não] podem incorrer num crime, a não ser que essa dádiva tenha a cobertura social de ser conforme aos usos e costumes".
"Em abstracto, qualquer dos sujeitos envolvidos, governantes, deputados e empresas, poderão ter praticado um crime", responde por seu lado Luís Gonçalves da Silva. "No entanto, se é verdade que considero manifesta a censurabilidade ética e política, já julgo prematuro uma tomada de posição quanto à qualificação de crime" sem que sejam conhecidos todos os factos, responde o professor da Faculdade de Direito de Lisboa.
Rui Patrício, que não entra em "considerações sobre o caso e o seu detalhe" responde num comentário "jurídico", enviado por escrito, que não "não se podem tirar conclusões precipitadas de censura nem fazer leituras literais superficiais dos preceitos legais". Porque na lei "se exige que haja uma ligação entre as funções exercidas e a vantagem atribuída" e porque "tem que haver dolo de quem recebe e de quem atribui", que tem aliás que "abranger aquela ligação e o carácter indevido da vantagem". Finalmente, porque "são sempre aceitáveis as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes", considera o sócio da Morais Leitão, especialista em contencioso penal e contraordenacional.
Tal como explica Luís Gonçalves da Silva "a violação de qualquer dever constitui uma infracção disciplinar, que, conforme a sua gravidade, pode dar origem a um processo disciplinar". A sanção "pode ir da repreensão escrita ao despedimento disciplinar".
Por outro lado, o Código Penal estabelece, no seu artigo 372.º que o funcionário que aceite "vantagem patrimonial ou não patrimonial", possa ser punido com pena de prisão até cinco anos, salvo se em causa estiverem "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes".