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"Ninguém sabe quando a 'correcção' vai acabar"

Há uma semana, dias depois da decisão do BCE de manter a taxa central nos 4% e sinalizar que cortes nos juros não estão à vista, o responsável pela preparação das decisões conversou com o Jornal de Negócios. Explica porque não se conhece uma data para o f

18 de Março de 2008 às 18:03
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Em Agosto algumas vozes disseram que esta seria uma crise de curto prazo. Depois, o tempo passou, e as expectativas é que as coisas acalmariam pelo final de ano. Não acalmaram. A data seguinte foi Fevereiro, Março com a presentação das contas anuais dos bancos. Estamos em Março e o problema continua. Tem uma ideia de quando é que as coisas podem regressar ao normal?

Não me lembro de alguém dizer que acabaria em Março. O que foi dito é que as coisas poderiam ficar mais transparentes quando os bancos publicassem as suas contas anuais e isso é verdade. Essa é parte da solução. Mas estamos a experimentar uma correcção substancial do mercado e isto não acontece sem dor. Por isso, os bancos centrais disseram que levaria pelo menos alguns trimestres até se resolverem os excessos do passado. Se olhar apenas para o mercado de subprime nos EUA, uma parte significativa das hipotecas será renegociada nos primeiros dois trimestres de 2008. Isto mostra que ainda não chegámos ao fim da história. Vemos agora que outros segmentos do mercado foram afectados. Esta correcção continua e ninguém pode dizer quanto tempo é que vai durar.

O Sr. Greenspan não avançou um ponto no tempo, mas disse recentemente que até que o mercado residencial não acalmasse e os preços das casas continuassem a cair que os mercados não iriam acalmar. Concorda?

Não se trata apenas do mercado residencial norte-americano. Temos de perceber melhor quais as razões da actual turbulência e essas são mais complexas. Uma foi o financiamento exótico do mercado residencial nos EUA. Mas temos de levar também em conta que há um reforço mútuo de vários factores, incluindo a titularização e o uso generalizado pelos bancos do modelo "originar e distribuir". Isto terá de ser reconsiderado. Há muitos, muitos factores com um papel e temos de perceber a interacção entre eles.

Os efeitos de contágio estão a chegar a todo o lado até à dívida de maior qualidade como a dívida soberana. Ao olhar para isto acha que é possível que o efeito não chegue às famílias e às empresas?

A dívida soberana não é um referência. Nesse caso terá de considerar os diferentes graus de liquidez nos vários segmentos de mercado. Há efeitos de contágio a outros segmentos, reflectindo o elevado nível de incerteza e este é um processo contínuo de correcção. Enquanto os mercados não encontrarem um novo equilíbrio teremos de viver com esta elevada volatilidade e com "overshooting" [sobrereacções].

Os mercados estão a sobreagir ou estão ainda a caminho de um novo equilíbrio mais elevado para os "spreads"?

A caminho de um novo equilíbrio, os mercados estão a mostrar alguns sinais de sobrereacção.

Economias com um sector privado altamente endividado e que dependem muito em financiamento nos mercados internacionais, como a portuguesa ou a espanhola, estão mais vulneráveis à recente turbulência?

Portugal e Espanha tem tradicionalmente taxas de juro variáveis. Dependendo das condições de mercado as condições de concessão de crédito podem apertar ainda mais e isto poderá ser sentido pelas famílias e empresas. Outros países, em particular no que diz respeito ao sector residencial, dependem mais de financiamento de longo prazo é por isso estão menos vulneráveis às actuais condições de mercado.

Estamos agora com oito meses de crise. O que vimos foi que com esta turbulência a política monetária enfrentou algumas dificuldades. Por exemplo, a Fed cortou a taxa central, mas o mercado monetário não reagiu proporcionalmente. Podemos confiar que os bancos centrais e o BCE consigam fazer política monetária?

Não há razões para acreditar que o mecanismo de transmissão da política monetária se tenha alterado o que tenha sido distorcido pelas tensões no mercado monetário. Nós contribuímos com as nossas operações de mercado monetário para suavizar a situação. Providenciámos temporariamente liquidez adicional ao mercado monetário para garantir que a taxa "overnight" [diária] permanecesse próxima da taxa mínima de refinanciamento. Estamos convencidos que o mecanismo de transmissão funciona.

Mas a minha questão é mais sobre o que não conseguem influenciar. O facto das taxas mais longas não terem reagido. Não é isto uma ameaça à política monetária?

O que conseguimos influenciar é a maturidade mais curta das taxas de juro. Também temos operações de três meses, mas o impacto nas taxas a três meses é bastante limitado. O que está para além do segmento do muito curto prazo do mercado monetário é com o mercado, não connosco. Nós não podemos guiar as taxas de juro na totalidade da curva de rendimentos.

Na Alemanha, um importante sindicato do sector do aço conseguiu um aumento de 5,3% e o sector publico recusou 5%. Estes valores são um risco para os efeitos de segunda ordem que querem evitar?

Entre outros, os riscos mais significativos à estabilidade de preços resultam dos preços das matérias primas e de efeitos de segunda ordem. Sobre os efeitos de segunda ordem, nós temos uma abordagem simétrica. Não nos referimos a desenvolvimentos salariais apenas. Também nos referimos ao comportamento de determinação de preços pela empresas. Além disso, não temos um único país em mente quando discutimos os efeitos de segunda ordem. Até recentemente, vimos moderação salarial na zona euro. No entanto, a situação parece estar a mudar, em particular dado o muito provável aumento salarial num grande país. Isto terá um impacto significativo na zona euro como um todo. Gostávamos de deixar bem claro não devem dar inicio a efeitos de segunda ordem que levem a espirais salário-preço ou preço-salário. Nós estamos bem preparados para prevenir efeitos de segunda ordem.

Foi bastante fácil a um banco central manter a inflação baixa desde a criação do BCE devido a um pressão em baixa dos preços de alguns bens importados. Esse efeito passou e agora há o impacto dos preços das matérias primas. Chegaram ao fim os dias fáceis para manter a inflação baixa?

O que é importante para um banco central é, dado o desfasamento temporal, detectar em tempo real os riscos para a estabilidade de preços no médio prazo. Nunca foi fácil tomar as decisões apropriadas com base na informação disponível. Nas actuais circunstâncias a incerteza está invulgarmente elevada o que torna as coisas ainda mais difíceis. No passado talvez a nossa tarefa tenha sido facilitada devido ao facto dos preços de alguns bens manufacturados terem baixado devido à globalização. Vimos o efeito da oferta da globalização, agora vemos o lado da procura. Ao mesmo tempo, é demasiado fácil dizer que foi apenas a globalização no passado que levou à inflação baixa. O desenho institucional que conseguimos em termos globais tem, pelo menos, importância igual. Há trinta anos apenas dois ou três bancos centrais eram independentes. Agora é mais ou menos o estado da arte e este é um factor importante que explica porque conseguimos ao nível global manter a estabilidade de preços.

Os fenómenos como o processo de desintermediação bancária, a titularização, os derivados, instrumentos muito complexos, falta de informação e assimetrias na informação criaram problemas que agora ficaram muito visíveis. Isto vai mudar a forma como os bancos centrais vão operar no futuro? O BCE disse por exemplo que será necessária mais transparência...

Nos últimos 20 anos a inovação financeira alterou o comportamento dos participantes no mercado e cabe a todos perceber como é que os mercados funcionam. Nós dissemos que era precisa mais transparência pelas instituições individuais para revelarem as suas perdas em certos segmentos do mercado. Não queríamos uma abordagem semana a semana às perdas, mas antes uma ideia clara sobre as perdas totais associadas à turbulência financeira. E tivemos razão. As instituições financeiras deveriam revelar prontamente e por completo a sua exposição ao risco dentro e fora do balanço. No entanto, aconteceu que algumas vezes elas próprias tiveram problemas em identificar os riscos que estavam fora do balanço.

Não tem dúvidas que no futuro os bancos terão de ser mais transparentes no que diz respeito aos registos dentro e fora do balanço e que poderá ser necessário aos bancos centrais nacionais agir nesse sentido?

Isso é absolutamente crucial. A transparência é um principio importante. No entanto, sabemos que existe um nível óptimo de transparência. Não pedido um máximo, mas pedimos um óptimo. Organizações internacionais, governos e a Comissão Europeia estão a trabalhar arduamente nesta direcção pedindo soluções propostas pelo mercado, e já há algumas. Mas estou absolutamente seguro que se estas iniciativas do mercado por um maior nível de transparência não funcionarem, no fim uma abordagem mais reguladora e prescritiva será posta em prática.

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