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Guntram Wolff: "Credibilidade de toda a união bancária sofreu" com bancos de Veneto

O arrastar dos problemas que acabou na liquidação dos dois bancos regionais italianos sem perdas para obrigacionistas sénior é um duro golpe na credibilidade de Bruxelas e Frankfurt, defende.

Bruno Simão
06 de Julho de 2017 às 22:00
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Guntram Wolff  dirige um dos mais influentes centros de investigação aplicada na Europa, o Bruegel, em Bruxelas. Em Sintra, acompanhou tanto as principais sessões como os debates à margem sobre os desafios que a Europa no pós-crise. Conversou com o Negócios em jeito de balanço, já no último dia do encontro.


Há um optimismo cauteloso entre banqueiros centrais e economistas sobre a Europa?
Há optimismo sobre a recuperação e uma ideia de que teremos quebrado uma tendência negativa, e também uma ligação negativa às economias anglo-saxónicas que, agora, até poderão enfrentar mais dificuldades do que a Europa continental.


Essa avaliação liga ao trabalho de Thomas Philippon, que defende que o baixo investimento na Europa é conjuntural, enquanto nos EUA é estrutural por mais concentração empresarial e menor concorrência?
Thomas Philippon foi um dos economistas que o mostrou, mas em termos mais gerais, há também a situação política. Ainda assim, há uma percepção generalizada de que os temas mais profundos da união monetária não estão resolvidos e será muito difícil resolvê-los. O momento que Emmanuel Macron trouxe para o debate europeu não elimina o realismo sobre o que se conseguirá, de facto, atingir.


Mario Draghi mostrou-se optimista sobre um novo momento reformista. Acha que falava sobre reformas nacionais, por exemplo em França, ou sobre reformas na união monetária?
Penso que foi vago propositadamente. Creio que veremos reformas significativas em França e isso ajudará a França e, logo, ajudará a Zona Euro. Mas no que diz respeito aos grandes temas da união económica e monetária, e em particular da união orçamental, todas as conversas que tenho apontam, e é também a minha percepção, para que seja extremamente difícil conseguir avanços. Os assuntos são realmente difíceis, pois implicam grandes intervenções sobre a soberania dos países, sobre grandes partilhas de risco, sobre questões que tocam no que consideramos ser o Estado-nação. 


Um fundo de garantia de depósitos comum e um seguro comum de desemprego, implicando possivelmente transferências orçamentais, não avançarão?
Estou mais optimista em relação ao seguro comum de depósitos: quando a situação com a banca italiana se resolver, então poderemos fazer algum progresso, que terá de combinar regras para grandes exposições dos bancos a dívida soberana e a introdução gradual de um seguro com capacidade orçamental .


Porque é que o investimento não está a recuperar na Europa ao ritmo desejado, apesar de estímulos recorde?
Há uma variedade de explicações. Em alguns países da periferia, em Itália por exemplo, é uma questão de reformas estruturais que libertem a economia e criem novas oportunidades. Na Alemanha a situação é diferente: não é fácil perceber porque razão não vemos mais investimento e mais aumentos salariais.


O que explica o baixo crescimento de salários e preços?
Penso que é preciso mais trabalho para perceber o que se está a passar. Uma hipótese é que resulta da intensidade do capital na economia alemã ter estagnado nos últimos 15 anos: se acreditar que o capital e o trabalho são complementos, então baixo crescimento dos salários é também o resultado da ausência de investimento. Uma das prioridades deve por isso ser a de reforçar os incentivos ao investimento, com dedução fiscais e liberalização de serviços.


Como se resolve o problema de malparado na Europa?
A dívida é um problema grande nas economias da periferia e nele inclui-se o crédito malparado. Pode pensar em muitas soluções, mas a questão chave é sempre quem suporta a perda no fim. Neste momento, o acordo a que se chegou na Europa, vertido na Directiva de Recuperação e Resolução Bancária (DRRB), é que devem ser impostas perdas nos credores dos bancos. Ou seja, é preciso reformar a legislação de insolvência, criar um mercado secundário para estes activos, mas no fim é sempre necessária a decisão de impor perdas nos credores privados, e nos contribuintes se necessário. Só que como estes não gostam, tornam o processo difícil, como vimos no caso italiano.


Itália poupou os detentores de obrigações sénior de perdas no caso dos bancos regionais de Veneto. Fez bem?
Essa decisão viola o espírito da DRRB. Não penso que a imposição de perdas aos detentores de obrigações sénior tivesse efeitos sistémicos, embora reconheça que existe um problema que decorre de na legislação europeia não existir preferência de depósitos. Isso significa que teriam de ser impostas perdas nos depósitos e, logo, sobre o fundo de garantia de depósitos nacional, o que evidencia os problemas de uma união bancária incompleta sem fundo de garantia comum.


Porquê?
Porque ao impor perdas ao fundo de garantia de depósitos nacional está, na prática a impor perdas aos bancos que são os seus financiadores, e por esta via está a gerar contágio ao resto da banca do país. Se quer quebrar isto e a ligação entre os bancos e os soberanos, então tem de criar um fundo de garantia comum.

O seguro de depósitos funcionaria até 100 mil euros. A partir desse montante haveria perdas para depositantes. Algum primeiro-ministro o fará? …
Sim, isso prejudicaria a confiança no sistema nacional. Por isso é que acho que os depositantes deveriam ter preferência e não serem necessariamente afectados juntamente com os outros credores.


A situação com estes dois bancos é semelhante à do Banif em Portugal. Na altura no final de 2015 foi resolvido e vendido à pressa para evitar impor perdas sobre obrigacionistas e depositantes previstas na DRRB. Agora Itália consegue fazê-lo. A credibilidade da união bancária sai prejudicada?
A credibilidade de toda a união bancária sofreu, não sei se sofreu de forma letal, mas sofreu. A credibilidade do Mecanismo Único de Supervisão (MUS) foi afectada, não pelas decisões de agora, mas sim por não ter forçado uma solução há um ano. O momento da decisão é uma questão importante. A credibilidade do Conselho Único de Resolução também é afectada, assim como a da Comissão Europeia que não considerou que houve ajudas de Estado ao Intesa. Há muitas questões que temos de estudar em detalhe.


A credibilidade do BCE também sai afectada?
Não penso que esta decisão tenha sido de alguma forma influenciada por considerações de política monetária. Mas é a mesma instituição, e se uma parte da instituição sofre, isso tem repercussões para a outra parte.

Meta orçamental grega "é de loucos"

Guntram Wolff apoia a política monetária do BCE e está entre os que defendem que, por enquanto, não há razões para alterar os estímulos à economia garantidos pelo banco central. Diz que ouve boas notícias sobre Portugal, e não esconde cepticismo quanto às novas metas  orçamentais traçadas para Atenas.


Quando acha que o BCE vai e deve alterar a sua política monetária?
Não vejo a inflação a recuperar. Por isso, penso que devemos ter política monetária acomodatícia ainda por algum tempo, bem para dentro de 2018. Isso colocará alguns desafios técnicos, como o limite de 33% à compra de dívida soberana. Em termos de sequência, primeiro deverá subir a taxa de juro de depósito que está em terreno negativo, seguir-se-á uma redução gradual das compras ao longo de 2018.


O que tem ouvido sobre Portugal?
Coisas boas. Houve reformas muito significativas durante o programa de ajustamento, ficaram problemas com o sistema financeiro que estão a ser resolvidos e com o alívio das condições financeiras a recuperação está a chegar. É expectável.


A Grécia já está a salvo com o último acordo? Qual o principal problema?
Não, não está. O principal problema é a exigência de um saldo primário de 3,5% do PIB para os próximos 5 anos. É de loucos: isso vai deprimir a procura interna e dificultar a recuperação. Os 2% previstos para os anos seguintes parecem-me bem, pois é um valor que se consegue com alguma facilidade. n

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