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Centeno: "Brexit, Itália e tweets de Trump foram riscos desnecessários"
Mário Centeno faz, este sábado, um balanço do primeiro ano à frente do Eurogrupo, em entrevista ao Dinheiro Vivo/TSF. Faz um balanço positivo da reforma do euro, mas lamenta que haja mais riscos.
12 de Janeiro de 2019 às 12:10
Mário Centeno é, há um ano, presidente do Eurogrupo. Considera, em entrevista ao Dinheiro Vivo/TSF, que o "Brexit, Itália e tweets de Trump foram riscos desnecessários", neste período. Afirma estar "contente" com o seu trabalho e que ganhou "prática" a falar com o seu outro eu, o ministro das Finanças de Portugal.
"Tivemos um ano particularmente preenchido pelos debates no Eurogrupo. De início, tínhamos uma agenda bastante vasta que foi necessário organizar ao longo do ano para preparar a cimeira do euro que aconteceu em dezembro. Em termos institucionais e de reforma, foi o grande trabalho que tivemos pela frente", começa por revelar Mário Centeno.
Entre os aspetos positivos, Centeno destacou "um evento que nos encheu de alegria": o fim do terceiro programa da Grécia. "A 20 de agosto, quando a Grécia fecha este terceiro programa com sucesso, ao fim de oito anos, os programas de ajustamento deixaram de fazer parte da agenda da área do euro", frisa o presidente do Eurogrupo.
Questionado sobre se este foi a sua maior realização como presidente do Eurogrupo, o ministro das Finanças português referiu que "os dois grandes momentos foram, seguramente, quando em julho acordámos as condições do pós-programa na Grécia e fechámos os dossiês financeiros e depois tudo se materializa a partir de 20 de agosto. Mas a reforma do euro, o conjunto de decisões que tomámos de 3 para 4 de dezembro e que levámos à cimeira do euro duas semanas depois foi um momento de grande realização para todos os ministros, seguramente para mim enquanto presidente do Eurogrupo".
Centendo defendeu que esta é "uma reforma com um grande alcance do ponto de vista das suas consequências, com muitas matérias de grande importância para a estabilidade do euro no futuro". Mas destacou que "um pilar importante" fica de fora: o fundo de garantia de depósitos.
"O chamado EDIS [European Deposit Insurance Scheme] ou sistema de proteção de depósitos, é absolutamente crucial e é a peça única que falta na união bancária. Tenho pedido alguma paciência, às vezes de forma demasiado insistente, mas para termos uma ideia da sensibilidade que estas questões da proteção de depósitos têm em uniões bancárias, eu uso o paralelo com a situação dos EUA", onde decorreram quase 80 anos de debate entre os seus estados até concretizarem o seu mecanismo de depósito federado.
"Se não tivesse acontecido a crise dos anos 30 provavelmente este processo teria demorado mais algum tempo, o que ilustra duas coisas: a primeira, é que este é um tema muito sensível mas que tivemos uma grande conquista ao longo de 2018, uma coisa que se calhar é parca para as pessoas mas para mim é muito importante e que nunca saiu da mesa", adiantou Centeno que acredita que "vai haver acordo, um dia…", mas que "dificilmente" será durante o seu mandato.
Já em termos de frustrações, Centeno apontou "a acumulação de riscos" que classificou de "desnecessários porque resultam de decisões" que, em seu entender, "não foram bem avaliadas". "Estamos a falar do quê? Estamos a falar de tudo o que envolve as expressões que usou na sua introdução a esta entrevista: o Brexit, a situação orçamental italiana e as decisões ao som de tweets da administração americana [dos Estados Unidos]".
"Nós devemos ser sempre otimistas face a estes riscos e a razão de ser desse otimismo tem a ver com o facto de eles resultarem, precisamente, de decisões que não foram bem ponderadas, do meu ponto de vista. Claro que quando temos de organizar agendas como são as do Eurogrupo, com um meio envolvente que está sujeito a este tipo de ruídos, gera — não sei se frustração — mas gera um certo sentimento de que as coisas poderiam ser diferentes", frisou Centeno.
O presidente do Eurogrupo acrescentou que estas decisões têm vindo a ser caracterizadas "com base numa avaliação e em informação que não reflete o contexto em que essas decisões estão a ser tomadas. Portanto, elas mais tarde ou mais cedo têm de ser revistas, como aliás temos visto várias vezes com as decisões da administração Trump em termos económicos, comerciais e até orçamentais. E, como foi o ziguezague até chegarmos a um equilíbrio, que agora tem de ser robustecido, na situação italiana".
Centeno defendeu que a área do euro é "a área monetária a nível internacional mais forte. Temos o mais longo período de crescimento económico dos países europeus, nenhuma outra economia mundial, excetuando a China, tem crescimento tão prolongado ao longo de tantos trimestres – já vamos em 22 trimestres de crescimento consecutivo; geramos todos os anos saldos poupanças na área do euro na ordem dos triliões de euros".
Sobre as incertezas dos últimos meses, Mário Centeno frisou que "o nosso tempo de reformas ao longo de 2019 tem de ser gerido de forma distinta do que aquele que foi feito em 2018. Por várias razões, a mais importante delas o período eleitoral em termos europeus e isso obviamente condiciona o tipo de decisão política que pode ser colocada em cima da mesa, mas a verdade é que a Cimeira do Euro de dezembro estabeleceu um novo momento de reunião e de debate para junho de 2019, portanto vamos fazer esse trabalho mas diria que o tipo de trabalho que vamos fazer será distinto".
"E depois estamos a assistir a uma desaceleração das economias que tem muito a ver com o aumento do ambiente de incerteza e risco que se tem colocado mas é, do ponto de vista económico, uma desaceleração, não temos sinais diferentes desses", sublinhou Centeno que acrescentou que "não" há perigo de recessão. "O saldo orçamental da área do euro é praticamente zero e isso significa que temos os instrumentos para reagir se esta desaceleração for mais sério do que se antecipa mas não devemos elevar as nossas preocupações muito mais do que isso", disse.
Centeno foi também questionado sobre um dos riscos que apontou, o Brexit, e sublinhou que "é fácil entender que os riscos que enfrentamos foram criados por decisões políticas. E essa é a tal fonte de esperança" de que o processo possa ser revertido. "Honestamente, acho que devemos continuar a trabalhar para avaliar as vantagens e desvantagens do Brexit e que no Reino Unido isso se faça todos os dias. Aliás, é o que se está a fazer neste momento. Acho que ainda temos espaço para que isso aconteça. Surpreendeu-me muito que o Reino Unido, que é um país de longa tradição de avaliação do contexto dos impactos das decisões políticas, tenha embarcado nesta viagem sem grande avaliação. Espero sinceramente que a Europa esteja disposta a essa avaliação, que esse seja o resultado", realçou.
O presidente do Eurogrupo adiantou ainda que "um 'hard' Brexit", do ponto de vista económico, "seria mau". e "quem sairia mais a perder seria, claramente, o Reino Unido". "Mas há uma preocupação grande sobre o impacto de uma saída dessa natureza na Irlanda, na Holanda e depois na generalidade dos países da área do euro. Não acho que devamos considerar esse cenário como um cenário sequer possível. Espero genuinamente que todos o consigamos evitar".
Quanto a Itália, "o grande desafio", em termos económicos, "é crescer". "E tem sido um desafio difícil de agarrar ao longo das últimas décadas. Esse permanece o grande desafio. Os últimos governos italianos têm prestado muita atenção ao setor financeiro. E a verdade é que Itália é também um dos países em que os tais riscos financeiros que falávamos há pouco (malparado, a capitalização dos bancos) têm mostrado um progresso maior", frisou.
E relativamente ao "shutdown" da administração pública federal do outro lado do Atlântico, Centeno sublinhou que "os EUA são uma referência para a nossa esfera económica, social e política de uma importância fundamental. Para a Europa é importantíssimo também aí ter previsibilidade do ponto de vista da política dos EUA". "Em termos europeus temos feito um trajeto de compreensão e aproximação que por exemplo teve uma viragem muito grande no verão de 2018 em termos da suposta guerra comercial que estava já anunciada com os EUA – e conseguimos alterar o rumo dos acontecimentos em termos políticos", acrescentou.
"Houve uma alteração de ciclo político nos EUA com as eleições de novembro, estou certíssimo que o sistema de equilíbrios institucionais vai desbloquear esta situação e vamos voltar à normalidade. E os europeus têm de estar mais uma vez disponíveis para, assim que essa situação acontecer, voltarmos às relações como antes", concluiu.