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A difícil batalha contra a pobreza

30 de Dezembro de 2024 às 10:45

O PS Quarterly inclui regularmente previsões feitas por especialistas sobre um tópico de interesse global e, à medida que olhamos para 2025, a aspiração da comunidade internacional para acabar com a pobreza merece uma atenção acrescida. No outono passado, as Nações Unidas realizaram a sua Cimeira do Futuro e procuraram trazer dinamismo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), alertando que o mundo está a caminho de cumprir apenas 17% das metas consagradas na Agenda 2030, acordada internacionalmente.

Passados os anos da pandemia, quando dezenas de milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, é óbvia a necessidade de um esforço renovado. Mas a verdade é que a maior parte dos progressos conseguidos contra a pobreza ocorreram entre 2000 e 2015 - os anos dos Objetivos para o Desenvolvimento do Milénio - o que levanta questões sobre a viabilidade das metas atuais, já para não mencionar as abordagens atuais aos apoios para o desenvolvimento. De modo a avaliarmos as perspetivas mundiais para enfrentar o problema mais antigo da humanidade, pedimos a colaboradores que comentassem a seguinte afirmação:

"O progresso no sentido das metas para redução da pobreza mundial até 2030 continuará a desiludir."


Pagar dívida ou reduzir pobreza não devia ter de ser uma escolha
Hippolyte Fofack*

Apenas um terço dos países está no rumo certo para reduzir para metade os seus níveis de pobreza durante esta década, e as previsões sugerem que mais de 600 milhões de pessoas ainda viverão em condições de pobreza extrema em 2030. Outros milhares de milhões continuarão a enfrentar graves dificuldades materiais e as consequências da crise climática. O mundo de hoje é caracterizado pela velha dicotomia entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e por uma enorme lacuna de financiamento para os ODS, estimada em cerca de 4 biliões de dólares por ano.

Mesmo antes de a pandemia ter desestabilizado o crescimento de muitos países e de ter aumentado as taxas de pobreza, os ganhos marginais na redução da pobreza foram em grande medida motivados pelo desempenho espetacular das economias emergentes da Ásia. A China e outros países usaram o investimento público sustentado em capital humano, físico e digital para mobilizar o investimento privado (que inclui o investimento directo estrangeiro em grande escala) e implementar uma base industrial robusta. Seguidamente, estas indústrias catalisaram transferências de tecnologia, que permitiram aos seus países subir posições na cadeia global de valor, com os seus rendimentos a convergirem com os das economias avançadas.

A Cimeira do Futuro reconheceu adequadamente que a utilização da tecnologia para actividades de procura de rendimento e a arquitetura financeira global existente são dois dos maiores obstáculos à redução da pobreza. Os países africanos e latino-americanos, em particular, debatem-se com défices crónicos de capital humano e físico, o que inibe as entradas de investimento estrangeiro e dificulta a diversificação económica necessária para expandir as oportunidades de emprego e impulsionar de forma sustentável o crescimento do rendimento per capita.

No fim de 2023, os 500 maiores gestores de ativos do mundo dispunham de 128 biliões de dólares para gerir. Porém, em vez de proporcionar financiamento adequado aos países em desenvolvimento, a arquitetura financeira global sujeita estes países a taxas de empréstimos que esmagam o crescimento e são agravadas pelo incumprimento. Consequentemente, o reembolso dos juros da dívida externa transformou-se numa das maiores rubricas da despesa nos orçamentos nacionais destes países. Além de limitarem o acesso a capital "paciente" e acessível, estas condições aumentam a incidência fiscal da dívida soberana e enfraquecem a capacidade dos países assolados pela pobreza de expandirem investimentos no desenvolvimento sustentável e no seu próprio povo.

Os países não deveriam ter de escolher entre a sustentabilidade da dívida e a redução da pobreza. Mas uma convergência global dos rendimentos continuará a ser inatingível, a não ser que ultrapassemos a antiga mentalidade desenvolvido/em desenvolvimento que sustentou o modelo colonial de extração de recursos, que equalizemos o acesso ao financiamento e que alarguemos os benefícios materiais da educação e tecnologia modernas a todos os cantos do mundo.

*Hippolyte Fofack, antigo economista-chefe e director de análise no African Export-Import Bank, é membro da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da Parker School, na Universidade de Columbia.


Eliminar a pobreza vai obrigar a mudanças na política económica global
Sakiko Fukuda-Parr*

Há uma década, aplausos estrondosos explodiram na Assembleia Geral das Nações Unidas quando esta adotou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Sem precedentes na sua ambição de posicionar o mundo num rumo para um futuro mais auspicioso, a agenda prometeu uma transformação que salvaria o planeta, acabaria com a pobreza, e promoveria o desenvolvimento económico. O objetivo não era só acelerar o ritmo do progresso, mas também alterar o seu rumo para beneficiar o planeta e todas as pessoas. Porém, apenas 17% das metas de 2030 estão no caminho certo, e um terço estão paralisadas ou mesmo regrediram. Porquê?

As políticas que originaram a adoção da agenda não puderam ser continuadas para assegurar a sua implementação. As negociações internacionais produziram um consenso, mas não seguiram o padrão normal de negociações entre diplomatas à porta fechada. Um processo único - o Grupo de Trabalho Aberto - foi implementado para alargar a participação, recorrer à sociedade civil e dar força às vozes de governos mais pequenos e mais fracos, especialmente os do Sul Global.

Mas apesar de estas novas dinâmicas terem mexido com as estruturas de poder existentes na definição de normas globais, não criaram a dinâmica para reformular a criação de políticas nacionais e globais. Consequentemente, as metas "Meios de implementação" e o objetivo "parcerias" (ODS17) foram os mais negligenciados, e as metas politicamente controversas relativas ao ambiente e às desigualdades ficaram ainda mais para trás. Estes são, porém, os elementos mais "transformativos" do âmbito dos ODS. Destinam-se a endereçar obstáculos sistémicos defendidos por interesses instalados e poderosos.

Progredir no sentido da eliminação da pobreza obrigará a mudanças na política económica global. Precisamos de criar o espaço para novas experiências nacionais e internacionais. Um bom ponto de partida é o "plano de recuperação" do secretário-geral da ONU para os ODS, que apela a mudanças radicais na arquitetura financeira internacional, na dívida do mundo em desenvolvimento, na cooperação fiscal internacional e no acesso a medicamentos e vacinas vitais.

*Sakiko Fukuda-Parr é professora de Assuntos Internacionais na The New School.


Maximizar crescimento da produção por si só não basta
Jayati Ghosh*

A recente inversão do progresso no sentido dos objetivos globais de erradicação da pobreza e do fim da fome surge num momento em que o mundo nunca foi tão rico e em que a produção total de alimentos é mais do que suficiente para alimentar todas as pessoas no planeta. Esta contradição resulta da extrema e crescente desigualdade de rendimentos, ativos, oportunidades e acesso entre países e dentro dos países, e tem origem em instituições e políticas ao nível nacional e internacional.

A arquitetura económica internacional e a maioria dos governos continuam a favorecer os indivíduos abastados e as grandes corporações com maior poder de influência, ao mesmo tempo que ignoram a sua responsabilidade na defesa dos direitos humanos, especialmente dos direitos sociais e económicos. Entretanto, os voláteis fluxos de capitais, os monopólios em torno dos conhecimentos críticos e a incapacidade de resolver endividamentos reduzem a capacidade dos países de baixos e médios rendimentos para garantir o bem-estar económico dos seus cidadãos. Depois de terem falhado no cumprimento dos seus mandatos, as instituições multilaterais debatem-se para permanecerem relevantes. E agora, a mudança protecionista e orientada para os problemas internos verificada em países ricos como os Estados Unidos restringirá ainda mais os fluxos transfronteiriços de bens, serviços e pessoas, intensificando assim o problema.

Esta tendência deprimente não é inevitável. Mas a sua alteração requer uma transformação importante das estratégias económicas de uma maioria de países, com uma nova ênfase política na satisfação das necessidades básicas das pessoas e na sustentabilidade da natureza e do planeta, em vez da maximização do crescimento da produção por si só.

*Jayati Ghosh é professora de Economia na Universidade de Massachusetts em Amherst.

Reduzir a pobreza é mais importante que objetivos e calendários
Indermit Gill*

É desencorajador admiti-lo, mas o objetivo de acabar com a pobreza até 2030 está claramente fora do alcance. Está fora do alcance se considerarmos o mínimo dos mínimos, suficiente apenas para sobreviver, de 2,15 dólares por dia. Está ainda mais fora do alcance se considerarmos o limiar de 6,85 dólares por dia que limita quase metade da humanidade. E está enormemente fora de alcance se considerarmos alguns dos novos níveis (que podem atingir os 30 dólares por dia) que estão a ser propostos.

Um primeiro passo, nas circunstâncias atuais, será simplesmente reconhecer esta realidade e impedir que esta desilusão se volte a verificar. A década de 2020, longe de ter sido o período transformador que esperávamos, está a caminho de se tornar uma década perdida. A evolução no sentido da redução da pobreza quase estancou: hoje, cerca de 8,5% da população global vive com menos de 2,15 dólares por dia, uma percentagem que praticamente não se alterou desde 2019. As perspetivas de melhoria no curto prazo são reduzidas. Espera-se que o crescimento económico global em 2025 e 2026 atinja uma média de 2,7%, bem abaixo da média de 3,1% que prevaleceu desde meados da década de 1990 até 2015, quando o mundo ficou mais perto do que nunca da eliminação completa da pobreza extrema.

A nossa prioridade atual deveria ser a introdução de políticas para retomarmos a redução da pobreza. A fórmula comprovada e testada para a redução da pobreza consiste no crescimento económico generalizado, nos investimentos no ensino e na saúde, e em redes de segurança bem direcionadas. Durante o resto desta década, é mais importante recuperarmos a dinâmica da redução da pobreza do que preocuparmo-nos com objetivos e calendários precisos. Apesar dos retrocessos causados pela pandemia e pelas alterações climáticas, estou otimista neste aspeto: isto pode ser feito.

*Indermit Gill é economista-chefe e vice-presidente sénior para a Economia do Desenvolvimento no Banco Mundial.


A desigualdade persiste e dificulta ainda mais o crescimento inclusivo
Justin Yifu Lin*

O mundo enfrenta vários desafios complexos que impedirão o progresso no sentido dos objetivos de redução da pobreza para 2030. As alterações climáticas estão a provocar fenómenos meteorológicos extremos, que agravam a insegurança alimentar e a escassez de água, e afetam os mais pobres com maior intensidade. Os países de rendimentos elevados não cumpriram as suas promessas, consagradas no acordo de Paris sobre o clima, de proporcionar financiamento suficiente aos países em desenvolvimento para atenuarem os efeitos e se adaptarem ao aquecimento global, deixando-os mais vulneráveis.

Além disso, os efeitos persistentes da pandemia de covid-19 anularam anos de conquistas alcançadas com grande esforço, e o comércio e o investimento estão a ser perturbados por tensões políticas, o que, por sua vez, limita o crescimento nas regiões em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, o agravamento das disparidades nos rendimentos e uma classe média em retração originaram mais políticas protecionistas. Em África e na América Latina, os países em desenvolvimento enfrentam a desindustrialização prematura, devido à inação governamental no apoio a transformações estruturais. Muitos países não dispõem dos recursos e das infraestruturas necessárias à implementação de estratégias eficazes para a redução da pobreza. A desigualdade entre os países e dentro dos países persiste, dificultando ainda mais o crescimento inclusivo.

Sem esforços globais concertados e sem alterações políticas substanciais, é provável que o progresso no sentido dos ODS continue a ficar aquém das expectativas, desiludindo aqueles que esperavam por um mundo mais justo em 2030.

*Justin Yifu Lin, antigo economista-chefe do Banco Mundial, é reitor do Institute of New Structural Economics na Universidade de Pequim.

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