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Mercado de arte português esfriou, mas não está morto
Um mercado congelado. Uma geração de ouro a caminho. A crise de que todos falam limita a produção artística, mas não a pára. Para o coleccionismo, o momento de indefinição pode criar oportunidades para reforçar o espólio. Luís Sáragga Leal conta como começou a "sua".
Em cada corredor, ao virar de cada esquina, em cada recanto. Não há um único lugar despejado de arte. Seja uma tela a óleo, uma pequena escultura ou uma imagem vista por uma objectiva mais curiosa. É o resultado de uma vasta colecção construída desde finais da década de 1990, e que, ano após ano, foi crescendo.
Hoje, são mais de mil as obras da Fundação PLMJ. Começou pela pintura e pelo desenho, mas depressa alastrou à escultura, ao vídeo e à fotografia. Todas elas escolhidas pessoalmente pelo precursor do projecto. Para Luís Sáragga Leal, o espólio da Fundação representa a produção artística nacional. Um mercado que está, por estes dias, congelado. Mas não morto. No fim desta década, Sáragga Leal acredita que vai surgir uma nova geração de ouro.
A ideia de fazer uma ópera em S. Carlos ou um jantar de gala, foi substituída pela organização de uma exposição de pintura, que lançou as bases para uma colecção. Foi o evento que marcou a mudança de escritórios da PLMJ, para a nova sede na Avenida da Liberdade. Assim começou uma das colecções de arte mais representativas da produção artística nacional.
Já lá vão mais de 12 anos, mas para Luís Sáragga Leal, presidente da Fundação PLMJ, todos os detalhes desta aventura estão bem frescos na memória. Os seus contactos junto de galeristas e artistas permitiram-lhe organizar uma exposição com 170 obras emprestadas, que reuniam 60 artistas mais representativos na altura. Terminada a exposição, a PLMJ adquiriu 40 dessas obras. As primeiras de uma colecção que hoje representa mais de 200 artistas.
"Há muitas que me dizem mais, mas todas me dizem muito. Em todas elas tive um papel activo na sua selecção e na sua escolha". Sáragga Leal prefere não fazer distinções entre as "suas" obras de arte. Recorda, sim, alguns momentos que mais o marcaram. Enquanto a pintura sempre fez parte dos seus conhecimentos, a fotografia foi algo novo. E, talvez por isso, mais apaixonante. "Não havia mercado, não havia galerias, não havia circuitos estabelecidos, portanto as primeiras escolhas dos fotógrafos, há cerca de 10 anos, foram por passa palavra". Escolhidos os fotógrafos, foram longas as sessões à volta de uma mesa de reuniões, em que "a escolha, no caso da fotografia, foi muitas vezes partilhada com os próprios artistas".
"Tive oportunidade de constituir uma colecção a partir dos anos 40/50, no pós-guerra, que é o período que marca a criação da fotografia de autor, como forma de expressão plástica autónoma", partilha o presidente da Fundação PLMJ. Foram "reuniões com uma carga emocional muito grande", em que muitas vezes as famílias dos fotógrafos, já falecidos, desconfiavam do interesse da fundação em fotografias que "tinham sido feitas há quarenta e cinquenta anos, pelas quais ninguém tinha manifestado grande interesse". A desconfiança passou e a Fundação publicou, mais tarde, um livro que abrange o período que vai do fim da Segunda Guerra Mundial até aos anos 70.
Histórias e mais histórias que ficam na memória, numa história da arte que anda entre avanços e recuos. "Nos últimos anos, achei que Portugal estava numa fase de afirmação da sua produção artística extraordinária. Havia um número muito alargado de jovens artistas, nas mais diversas vertentes, desde a pintura, à escultura, à fotografia". Depois, veio a crise e toda a criatividade voltou a ser ameaçada. Nada de novo. Nos finais da década de 70 foi a mesma coisa. Sáragga Leal compara o período actual com o pós-revolução, "em que houve como que um congelamento do mercado da arte". A crise não vai durar para sempre e, por isso, "no fim desta década vamos ter o aparecimento outra vez de uma geração de ouro, como tivemos no fim dos anos 80".
A arte aos olhos dos galeristas
Foi também uma colecção que permitiu o lançamento de uma das galerias mais conhecidas no mercado português. A Galeria 111 nasceu a partir do espólio criado por Manuel de Brito. O filho, Rui Brito, hoje à frente da galeria, lembra que, para se investir em arte, é preciso, antes de mais, gostar do que se vai comprar. E engane-se quem pense que a crise financeira e a especulação em torno do euro nada tem que ver com arte.
"O mercado de arte está a mexer, porque as pessoas estão a procurar valores seguros", um movimento que aumenta sempre que se fala do fim do euro, ou, mais recentemente, do imposto sobre os depósitos cipriotas. A procura não é toda igual. É nas obras dos artistas mais conceituados que se vê este fenómeno. Para os menos consagrados, crise é mesmo isso, crise.
Um relatório do JPMorgan, publicado em 2012, conclui que o valor do mercado global de arte disparou seis vezes nos últimos vinte anos para mais de 60 mil milhões de dólares, indiferente às crises económicas, funcionando como uma alternativa em períodos de turbulência nas bolsas. Uma dinâmica sustentada pela procura de coleccionadores chineses, russos e do Médio Oriente.
Francisco Pereira Coutinho, director da Galeria de S. Mamede, tem assistido ao mesmo movimento em Portugal. "O mercado retraiu-se como um todo, mas há pessoas que encontram na arte um refúgio". Este é um mercado apenas para os bolsos mais recheados. Para esses, a crise pode ser uma oportunidade. "Alguns investidores estão a aproveitar bem esta fase", adianta o director da Galeria de S. Mamede.
Pilar Norton de Matos, que juntamente com Alexandra Serôdio, criou a Alecrim 50, diz que há mais "pequenos coleccionadores, embora não estejam a comprar tanto como há três anos". Em relação à diferença entre consagrados e novos artistas, Pilar é categórica. "Emergente é diferente do consagrado, que não oferece risco, mas potencialmente a valorização é mais limitada".
Com ou sem risco, o investimento em arte exige cuidados, sobretudo para quem não é conhecedor. "Quem quer começar uma colecção ou investir em arte deve procurar galerias de qualidade, que dêem garantias de futuro", alerta Carlos Carvalho, director de uma galeria com o mesmo nome. A falsificação é outro dos riscos a que convém estar atento. Luís Sáragga Leal deixa um último conselho para quem espera mais-valias rápidas com o investimento em arte. "Nos artistas mais emergentes, o período de afirmação e valorização demora entre um mínimo de cinco anos e um máximo de dez".