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FMI diz que défice externo caiu à custa de crescimento futuro
Os técnicos do FMI voltam questionar o sucesso do ajustamento externo português. Argumentam que ele foi conseguido através da queda das importações e desvalorizam alguns avanços das exportações.
"Os grandes défices da conta corrente na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha contraíram drasticamente ou transformaram-se em excedentes em grande medida devido às importações e o crescimento potencial desacelerou significativamente em relação à tendência pré-crise." A frase faz parte das conclusões do estudo publicado hoje, 22 de Julho, por seis técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A transformação estrutural observada em Portugal correspondeu a uma deterioração do nível de crescimento máximo que poderá atingir no futuro. Numa análise ao ajustamento em Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha, o "paper" conclui quando o hiato do produto começar a fechar os desequilíbrios externos voltarão a emergir, a não ser que mais capacidade produtiva seja transferida para o sector transaccionável (tendencialmente exportador).
O problema é que, até agora, essa transferência – de actividade e de trabalhadores – não ocorreu em Portugal. O número de trabalhadores empregados no sector transaccionável caiu mais do que no não transaccionável. Já o Valor Acrescentado Bruto (produção subtraída dos custos) sofreu uma quebra idêntica em ambos os sectores, o que indicia que não se verificou qualquer transformação.
O "paper" desconstrói algumas ideias com presença regular no debate político. No que diz respeito aos Custos Unitários de Trabalho, por exemplo, os técnicos sublinham que a sua contracção se deveu à destruição de emprego, não se tendo observado quedas nos salários em Portugal e em Espanha.
Para as exportações, as conclusão são ainda mais radicais. O documento refere que Portugal não teve ganhos de competitividade nesta área. "A maioria dos países da Zona Euro (incluindo países excedentários) continuou a perder quota de mercado", pode ler-se no estudo. "Esta perda pode ser simplesmente um reflexo de um crescimento das trocas comerciais com países terceiros. Contudo, mesmo dentro da Zona Euro, as quotas de mercado na Grécia, Portugal e Espanha quase não melhoraram e, na Irlanda, caíram ligeiramente.
De referir que estes números têm a fragilidade de não contabilizarem ainda o ano 2013.
Equilíbrio externo conseguido à custa desequilíbrio interno
Os resultados conseguidos até agora na frente externa pelos países da periferia europeias, e que têm sido apresentados como uma das vitórias dos processo de ajustamento dos últimos anos na Europa, surgem descritos no relatório assinado pelos economistas do FMI de forma pouco entusiasta. Isto porque os equilíbrios externos foram conseguidos em grande medida à custa de desequilíbrios internos, o que não será sustentável e exige uma maior coordenação de políticas.
"Os passivos líquidos externos [no fundo, a dívida externa líquida de Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha] permanecem elevados (implicando pagamentos líquidos de rendimentos ao exterior mais elevados), e o progresso no reequilíbrio externo chegou à custa do equilíbrio interno, com destaque para taxas de desemprego muito mais elevadas", lê-se na conclusão da análise, onde se duvida da sustentabilidade de um ajustamento desta natureza.
Para o FMI, o facto do ajustamento na periferia ter sido conseguido com destruição de emprego – e não tanto com reduções internas de preços, incluindo salários – e pela depressão da actividade económica (para o que contribuíram políticas pouco expansivas no Norte da Europa) fazem duvidar da sustentabilidade dos resultados conseguidos até agora.
"O facto do de muito do ajustamento nos custos unitários de trabalho relativos ter reflectivo uma melhoria na produtividade conduzida por uma destruição de emprego não dá bons sinais sobre um regresso rápido a desemprego baixo sem degradações na balança corrente", avaliam, defendendo mais à frente a urgência de compatibilizar os equilíbrios externo e interno: "Olhando para a frente, é preciso um crescimento económico forte para trazer estas economias para níveis aceitáveis de desemprego, e este crescimento tem de surgir em muito maior extensão do sector transaccionável do que acontecia antes da crise". Para isso, a Europa tem de coordenar melhor políticas defendem.
O trabalho publicado esta tarde pela instituição sedeada em Washington deita água na fervura dos defensores do sucesso das estratégias de desvalorização interna. Não é que estejam contra – aliás grande parte das recomendações de política que deixam decalcam as aplicadas nos últimos ano – mas defendem que necessário afinar os processo de reforma interna e garantir uma maior coordenação entre blocos económicas da Zona Euro.
"A evidência de tentativas passadas mostra que as desvalorizações internas podem ser processos longos e dolorosos num ambiente de rigidez salarial", lê-se na nota, onde se concretiza que "a experiência de França nos anos 1980 (...) foi mista" tendo conseguido "uma redução dos diferenciais de inflação" mas com "impactos limitados no desemprego e na competitividade". Os autores acrescentam ainda que "as desvalorizações internas podem ser difíceis quando a inflação dos parceiros comerciais é baixa e podem exacerbar problemas de excesso de endividamento".
Perante este diagnóstico, e relatório defende a manutenção dos esforços de desvalorização interna, mas acompanhados de políticas ao nível da Zona Euro que possam sustentar a procura e níveis de inflação mais elevados. Ao mesmo tempo, e internamente, insistem na importâncias de políticas liberalizadoras do mercado de trabalho e de produto.