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Um produtor invulgar nas mãos de uma galerista

Na Wines 9297 há vinhos únicos e uma certa paixão pela região do Dão. Quem quiser vinhos invulgares de João Tavares de Pina, terá de passar por aqui.

19 de Setembro de 2015 às 16:00
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Sou viciado em garrafeiras de bairro e gosto de perceber que tipo de perfil tem o dono ou dona da casa. Sempre que entro pela primeira vez num destes espaços fico com os sentidos apurados. Os detalhes contam. O conceito, a decoração, a selecção de vinhos, os preços e a competência de quem está ao balcão.

 

Quando todos estes itens se interligam, eu fico cliente da casa. O problema é que é raro acontecer tal coisa. Há cerca de um ano fui a uma garrafeira relativamente nova na zona de Alvalade. Entrei, deram-me os bons dias e, logo de seguida, a frase fatal: "Posso ajudá-lo?" Se este é um cliché irritante numa loja de calças ou de loiça, numa garrafeira é ridículo e absurdo. Mantive-me em silêncio e nada respondi, mas, menos de um minuto depois, e quando estava meio inclinado e com a cara virada para os rótulos, senti próximo da minha cabeça a estocada final: "Gosta mais do Douro ou do Alentejo?" Virei-me, construí um sorriso cínico e saí calmamente. Com duas singelas frases, desbarataram um cliente.

     

Ora, o contrário de tudo isto é a garrafeira lisboeta Wines 9297, em Telheiras, criada e gerida por Helena Muelle e pelo marido Alberto Muelle Goldstein. É um caso à parte de profissionalismo, paixão e oferta diferenciada. 

 

Não obstante viver intensamente o mundo do vinho, espanto-me sempre com as novidades que encontro nalgumas garrafeiras. Novas marcas ou novas referências de produtores conhecidos. É para tal que serve uma garrafeira e Helena Muelle faz isso como poucos. Não se interessa pelos montes velhos desta vida, interessa-se por pequenas produções de todas as regiões do país, mas com uma queda para o Dão, que é a sua região de eleição.

 

Um dos vinhos que Helena Muelle trabalha com afinco é o Terras de Tavares, feito por João Tavares de Pina, produtor iconoclasta, radical mesmo e capaz de deixar de cabelos em pé qualquer aprendiz de enólogo.

 

Vejamos, o negócio hoje é dominado por tintos fáceis de beber dois anos após a colheita, redondos, doces, alcoólicos até mais não e sempre iguais de colheita para colheita. Tudo porque se um cliente se habitua a determinado perfil de vinho, não tolera mudanças de ano para ano.                

 

Ora, Tavares de Pina faz tudo ao contrário. Não aceita o padrão actual e não tolera que, na sua adega, as colheitas sejam todas iguais. "Eu seria mau produtor do Dão se, de ano para ano, fizesse vinhos iguais. Se os anos são climaticamente diferentes, teria de ser um alquimista para fazer vinhos sempre iguais. E eu tenho respeito pelo vinho para fazer semelhantes patetices", diz o enólogo a rir.

 

E não se fica por aqui. Quando o mercado pede exuberância aromática e doçura dos tintos, Tavares de Pina entende que "um Dão deve vir sempre bem composto de vegetais (dão elegância, frescura e funcionalidade ao vinho) e nunca deve ser um frasco de perfume de flores e frutos".

 

Para criar estes vinhos puros do Dão, João Tavares de Pina faz a vindima à moda antiga. Fermenta mostos com castas à mistura (o vinho é desenhado na vinha e não na adega), não controla temperaturas, passa os vinhos por barricas usadas e só acrescenta algum sulfuroso na altura no engarrafamento.       

 

Claro que, trabalhando assim, o produtor assume riscos. Como os seus vinhos só ficam bebíveis alguns anos mais tarde do que os vinhos standard, isso traduz-se em problemas financeiros. Tavares de Pina reconhece-os, mas acha que, se tal implicar uma melhoria considerável dos vinhos, vai continuar a lançar tardiamente os seus vinhos.         

 

E é por isso que, na garrafeira Wines 9297, podemos encontrar Terras de Tavares Reserva de três colheitas recuadas (2002, 2003 e 2006), todas interessantes, todas diferentes e todas bem explicadas por Helena Muelle quando sugere o vinho a um cliente, não vá ele chegar a casa e pensar que levava na garrafa uma Touriga Nacional a cheirar a flor de laranjeira por todo o lado.      

 

Em certo sentido, a Wines 9297 é uma garrafeira que funciona como uma galeria de arte ou uma editora. Helena e Alberto aconselham os seus produtores e explicam muito bem aos clientes a riqueza diferenciada que têm nas prateleiras, com vinhos genuínos e adequados a todos os públicos. Só tenho pena de não ter uma garrafeira destas no meu bairro. 

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