Notícia
Rico descuido
Meter numa só garrafa vinhos brancos de diferentes colheitas parece uma maluquice. Mas, como sabemos, há malucos com rasgo. É o caso de Álvaro van Zeller com a primeira edição do Kaputt, que, em tese, resultou de diferentes descuidos.
28 de Abril de 2018 às 13:00
O Kaputt deve ser decantado umas duas horas antes de ser bebido. E recusa temperaturas muito baixas. Cada uma das 2.645 garrafas custa 30€.
O vinho que supostamente não interessaria muito aos portugueses - o branco - transformou-se numa espécie de laboratório para os enólogos. É curioso. Muito curioso. Não é que os tintos tenham sido colocados de parte - nada disso -, mas é por via dos brancos que assistimos a um grau de criatividade pouco comum em Portugal. Recuperações de castas quase desaparecidas, fermentações mistas (inox e madeiras), selecções científicas das barricas, regresso ao método das leveduras indígenas, estágios prolongados em garrafa e - mais importante - oferta de vinhos brancos com alguma idade, eis o cenário que qualquer produtor ou enólogo julgava impossível há 10 anos (mesmo que agora diga o contrário).
Ora, a conversa serve para enquadrar o novo Kaputt (1.ª edição), que faz parte de um trio de vinhos disruptivos. Não gosto muito de atirar com grandes chavões, mas julgo que não cometerei grande erro se disser que esta coisa de, em tempos próximos, apresentar numa garrafa vinhos de diferentes anos começou no Dão, na Quinta de Carvalhais (Sogrape), com o Branco Especial lançado em 2017, quando o enólogo Manuel Vieira se lembrou de juntar três colheitas de vinhos brancos que estiveram a repousar tranquilamente em barrica. Na altura, mereceu os maiores elogios da crítica.
Há cerca de seis meses, o enólogo Paulo Coutinho, da Quinta do Portal, lembrou-se de juntar cinco colheitas recuadas de vinhos rosé e passá-los pelas borras finas de outras três colheitas mais recentes, resultando deste processo louco um vinho extraordinário. E, agora, cá temos o duriense Kaputt, da empresa Barão de Vilar, que segue as pisadas dos dois vinhos anteriores.
Ou seja, o enólogo Álvaro van Zeller encontrou uma vinha velha na freguesia de Vilas Boas, em Vila Flor. Olhando para confusão de videiras na terra, entendeu que a coisa prometia e, vai daí, em 2008, fez um vinho branco fermentado em madeira nova. Mas, por razões de moda ou de descuido, o vinho ficou tão marcado pelos aromas do carvalho que de imediato foi atirado para o rol dos esquecidos. No ano seguinte, e já com a madeira mais afinada, um problema técnico fez com que o vinho se apresentasse com sulfuroso a mais. De novo, chuto para canto.
Em 2010, e já com outra vinha, o enólogo entendeu que a vindima não era grande coisa, pelo que, mais vinho armazenado no fundo da adega.
Desde 2008 que o irmão Fernando perguntava pelo andamento do vinho, mas, como as coisas não corriam de feição, este lá comentou que "o raio do vinho, mais uma vez, kapput".
Naturalmente desgostoso, Álvaro van Zeller ouviu do amigo Manuel Vieira o seguinte conselho: "Vai guardando tudo isto que um dia dará alguma coisa."
E, de facto, se 2011 e 2012 foram vindimas para esquecer (no caso desta vinha velha, bem se vê), a colheita de 2013 deu um ar da sua graça e a de 2015 foi simplesmente espectacular.
Assim, a partir da base da colheita de 2008 (agora com a madeira bem integrada), Álvaro juntou num único depósito de inox percentagens muito pequenas de vinhos de 2009, 2010, 2013 e 2015, que foram para garrafa em 2016.
Como se pode imaginar, estamos perante um vinho tão fora da caixa quanto deslumbrante para aqueles que apreciam aromas e sabores bem tratados pelo tempo. Quem gosta de coisas misteriosas fica logo embevecido; quem não está tão familiarizado com estas coisas entra naquele registo do estranhar para logo depois entranhar.
É que estes aromas e sabores são invulgares e, melhor ainda, bem adequados à nossa gastronomia. Aqui vamos sentir as notas minerais da praxe, mas também aromas de ervas secas, caril e uva branca em passa.
Na boca, com uma ligeira secura mas boa acidez, o branco atira-nos, numa primeira análise, para alguns vinhos alentejanos fermentados em talha. Depois, de cada vez que o copo é rodado, saem sempre aromas e sabores invulgares.
Este Kaputt feito maioritariamente com a uva Dona Branca - raio de nome - não será um vinho consensual (frutinha fresca e cheiro a aduelas de carvalho é coisa que não existe), mas é seguramente um vinho de culto para quem anda por aí a recusar fotocópias vínicas. Como é o meu caso.
O vinho que supostamente não interessaria muito aos portugueses - o branco - transformou-se numa espécie de laboratório para os enólogos. É curioso. Muito curioso. Não é que os tintos tenham sido colocados de parte - nada disso -, mas é por via dos brancos que assistimos a um grau de criatividade pouco comum em Portugal. Recuperações de castas quase desaparecidas, fermentações mistas (inox e madeiras), selecções científicas das barricas, regresso ao método das leveduras indígenas, estágios prolongados em garrafa e - mais importante - oferta de vinhos brancos com alguma idade, eis o cenário que qualquer produtor ou enólogo julgava impossível há 10 anos (mesmo que agora diga o contrário).
Há cerca de seis meses, o enólogo Paulo Coutinho, da Quinta do Portal, lembrou-se de juntar cinco colheitas recuadas de vinhos rosé e passá-los pelas borras finas de outras três colheitas mais recentes, resultando deste processo louco um vinho extraordinário. E, agora, cá temos o duriense Kaputt, da empresa Barão de Vilar, que segue as pisadas dos dois vinhos anteriores.
Ou seja, o enólogo Álvaro van Zeller encontrou uma vinha velha na freguesia de Vilas Boas, em Vila Flor. Olhando para confusão de videiras na terra, entendeu que a coisa prometia e, vai daí, em 2008, fez um vinho branco fermentado em madeira nova. Mas, por razões de moda ou de descuido, o vinho ficou tão marcado pelos aromas do carvalho que de imediato foi atirado para o rol dos esquecidos. No ano seguinte, e já com a madeira mais afinada, um problema técnico fez com que o vinho se apresentasse com sulfuroso a mais. De novo, chuto para canto.
Em 2010, e já com outra vinha, o enólogo entendeu que a vindima não era grande coisa, pelo que, mais vinho armazenado no fundo da adega.
Desde 2008 que o irmão Fernando perguntava pelo andamento do vinho, mas, como as coisas não corriam de feição, este lá comentou que "o raio do vinho, mais uma vez, kapput".
Naturalmente desgostoso, Álvaro van Zeller ouviu do amigo Manuel Vieira o seguinte conselho: "Vai guardando tudo isto que um dia dará alguma coisa."
E, de facto, se 2011 e 2012 foram vindimas para esquecer (no caso desta vinha velha, bem se vê), a colheita de 2013 deu um ar da sua graça e a de 2015 foi simplesmente espectacular.
Assim, a partir da base da colheita de 2008 (agora com a madeira bem integrada), Álvaro juntou num único depósito de inox percentagens muito pequenas de vinhos de 2009, 2010, 2013 e 2015, que foram para garrafa em 2016.
Como se pode imaginar, estamos perante um vinho tão fora da caixa quanto deslumbrante para aqueles que apreciam aromas e sabores bem tratados pelo tempo. Quem gosta de coisas misteriosas fica logo embevecido; quem não está tão familiarizado com estas coisas entra naquele registo do estranhar para logo depois entranhar.
É que estes aromas e sabores são invulgares e, melhor ainda, bem adequados à nossa gastronomia. Aqui vamos sentir as notas minerais da praxe, mas também aromas de ervas secas, caril e uva branca em passa.
Na boca, com uma ligeira secura mas boa acidez, o branco atira-nos, numa primeira análise, para alguns vinhos alentejanos fermentados em talha. Depois, de cada vez que o copo é rodado, saem sempre aromas e sabores invulgares.
Este Kaputt feito maioritariamente com a uva Dona Branca - raio de nome - não será um vinho consensual (frutinha fresca e cheiro a aduelas de carvalho é coisa que não existe), mas é seguramente um vinho de culto para quem anda por aí a recusar fotocópias vínicas. Como é o meu caso.