Notícia
O fabuloso mundo dos moscatéis
A Bacalhôa Vinhos colocou moscatéis novos e velhos perante vários jornalistas. Saímos da prova com a eterna pergunta: por que razão os portugueses não bebem mais moscatel? Resposta: não temos.
10 de Dezembro de 2016 às 16:00
Quem escreve sobre vinhos há muito tempo acaba por criar um certo calo acerca do desprezo dos portugueses pelo vinho do Porto, pelo vinho Madeira e - para o que nos interessa hoje - pelo vinho Moscatel de Setúbal. É um caso frustrante, muito frustrante. Estamos perante vinhos fabulosos, inimitáveis, premiados e elogiados pelo mundo fora e, no entanto, atirados para o fundo da garrafeira. É claro que podemos avançar com algumas causas do problema, mas, meio a brincar meio a sério, quase valia a pena pôr uma amostra de consumidores num divã para percebermos onde está o problema.
Há dias, a Bacalhôa Vinhos convidou críticos da área para uma daquelas provas que terá direito a um capítulo na história dos moscatéis, não apenas pelos vinhos provados (novos, adultos e velhos), mas pela natureza da prova em si. Vasco Penha Garcia e Filipa Tomaz da Costa desenharam uma "masterclass" sobre moscatéis que deveria ter sido filmada, para servir de modelo a outros produtores (da região e não só). Falaram de história, de castas, de mutação de castas, de solos, de terroir e de técnicas de fermentação e estágio com tanto detalhe que - teremos de confessar - se soubéssemos ao que íamos teríamos gravado tudo do princípio ao fim. Sabe-se lá quando se repetirá a história.
Grosso modo, um vinho Moscatel faz-se como um Porto: há interrupção da fermentação com aguardente e, assim, o vinho fica doce e com capacidade de viver muitos anos. Na prática, moscatéis há muitos, resultantes da diferenciação da casta, do território (areias ou terrenos com água a meia dúzia de metros no subsolo ou argilosos, protegidos pela Serra da Arrábida) e depois da enologia e das técnicas históricas de cada casa.
No evento que decorreu no austero Palácio da Bacalhôa foram provados vinhos moscatéis de Setúbal e vinhos moscatéis Roxo. Uns feitos há dois meses, outros há 30 anos. O espaço é curto para falar de tanta riqueza, mas tentemos resumir a prova. Os moscatéis Roxo têm vindo a ganhar alguma notoriedade porque são vinhos invulgares e menos marcados pelas habituais notas de laranja confitada, alfazema e mel. De resto, só num moscatel Roxo se encontram notas de lichias e pétalas de rosas. É, se quisermos, um vinho menos doce e menos enjoativo.
Sucede que, quando estamos perante vinhos com alguma idade, o Moscatel de Setúbal (feito com a casta Moscatel de Alexandria) acaba por revelar-se com aquela nobreza e mistério que só o tempo dá. É certo que, pelo facto de ter estado em extinção e só agora existir uma área aproximada de 40 hectares em toda a região, o Moscatel Roxo ainda tem muito tempo pela frente para ser avaliado, mas, nos casos dos vinhos Bacalhôa, os moscatéis de Setúbal Superior causaram espanto pela riqueza, complexidade aromática e acidez, esta responsável pela frescura de vinhos com 10, 20 ou 30 anos. São doces, sim senhor, mas frescos e, claro, adaptáveis a uma infinidade de sobremesas ou entradas.
Novos ou velhos, todos os vinhos encantaram, mas se tivéssemos que escolher só um, esse seria o Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior 20 anos (1996). Na prova, havia um Moscatel com 30 anos (1985), que, como é fácil de imaginar, cativava por aquela família de notas difíceis de descrever, mas o vinho de 96 tem tudo o que se pede. A saber: aromas terciários variados misturados com frutas, madeiras exóticas e - muito importante - um vinagrinho elegante, sendo que a boca é uma explosão de sabores que teimam ficar por via da acidez do vinho. Há volume, há envolvência, há poder, há especiarias e muita frescura. Tudo isto conjugado num vinho doce, é obra.
Um tipo coloca um gole deste vinho na boca e fica com os sabores durante muito tempo. Cruza os braços a olhar para os tons dourados do vinho e pensa: mas porque raio não se fala mais destes vinhos? Vai mais um gole. E outro. Mas a pergunta continua sem resposta.
Há dias, a Bacalhôa Vinhos convidou críticos da área para uma daquelas provas que terá direito a um capítulo na história dos moscatéis, não apenas pelos vinhos provados (novos, adultos e velhos), mas pela natureza da prova em si. Vasco Penha Garcia e Filipa Tomaz da Costa desenharam uma "masterclass" sobre moscatéis que deveria ter sido filmada, para servir de modelo a outros produtores (da região e não só). Falaram de história, de castas, de mutação de castas, de solos, de terroir e de técnicas de fermentação e estágio com tanto detalhe que - teremos de confessar - se soubéssemos ao que íamos teríamos gravado tudo do princípio ao fim. Sabe-se lá quando se repetirá a história.
No evento que decorreu no austero Palácio da Bacalhôa foram provados vinhos moscatéis de Setúbal e vinhos moscatéis Roxo. Uns feitos há dois meses, outros há 30 anos. O espaço é curto para falar de tanta riqueza, mas tentemos resumir a prova. Os moscatéis Roxo têm vindo a ganhar alguma notoriedade porque são vinhos invulgares e menos marcados pelas habituais notas de laranja confitada, alfazema e mel. De resto, só num moscatel Roxo se encontram notas de lichias e pétalas de rosas. É, se quisermos, um vinho menos doce e menos enjoativo.
Sucede que, quando estamos perante vinhos com alguma idade, o Moscatel de Setúbal (feito com a casta Moscatel de Alexandria) acaba por revelar-se com aquela nobreza e mistério que só o tempo dá. É certo que, pelo facto de ter estado em extinção e só agora existir uma área aproximada de 40 hectares em toda a região, o Moscatel Roxo ainda tem muito tempo pela frente para ser avaliado, mas, nos casos dos vinhos Bacalhôa, os moscatéis de Setúbal Superior causaram espanto pela riqueza, complexidade aromática e acidez, esta responsável pela frescura de vinhos com 10, 20 ou 30 anos. São doces, sim senhor, mas frescos e, claro, adaptáveis a uma infinidade de sobremesas ou entradas.
Novos ou velhos, todos os vinhos encantaram, mas se tivéssemos que escolher só um, esse seria o Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior 20 anos (1996). Na prova, havia um Moscatel com 30 anos (1985), que, como é fácil de imaginar, cativava por aquela família de notas difíceis de descrever, mas o vinho de 96 tem tudo o que se pede. A saber: aromas terciários variados misturados com frutas, madeiras exóticas e - muito importante - um vinagrinho elegante, sendo que a boca é uma explosão de sabores que teimam ficar por via da acidez do vinho. Há volume, há envolvência, há poder, há especiarias e muita frescura. Tudo isto conjugado num vinho doce, é obra.
Um tipo coloca um gole deste vinho na boca e fica com os sabores durante muito tempo. Cruza os braços a olhar para os tons dourados do vinho e pensa: mas porque raio não se fala mais destes vinhos? Vai mais um gole. E outro. Mas a pergunta continua sem resposta.