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Atenção ao Fernão Pires

A casta branca mais plantada em Portugal nem sempre colhe a simpatia dos consumidores. É pena porque, quando bem trabalhada, dá vinhos de guarda fantásticos. O Fernão Pires deveria ser a imagem de marca da região do Tejo.

Gonçalo Villaverde
14 de Abril de 2018 às 17:00
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A história do vinho é um confronto entre tradições, ciência e modas. Nos anos oitenta, os consumidores nem conheciam o conceito de casta. O vinho identificava-se por algumas regiões e ponto final. Com a modernização do sector, os produtores apresentaram vinhos varietais. A coisa não durou muito porque - educação feita - os produtores regressaram à cultura do lote (várias castas numa só garrafa), porque isto faz parte da nossa história e porque é assim que se acrescenta mais complexidade aos vinhos.

E o que se passa hoje? Bom, a cultura dominante insiste nas virtudes do lote, mas, seja porque continua a fazer sentido discutir-se a importância da casta versus terroir, seja porque se exige imaginação para atrair a atenção da comunicação social, dos escanções e dos consumidores, o debate mais aprofundado sobre castas e seus territórios de eleição regressou à ordem do dia. E ainda bem.

Há cerca de dois anos, produtores de várias regiões e críticos de vinho juntaram-se na Quinta de Lemos para esmiuçar a casta tinta Alfrocheiro, mal amada mas, por vezes, responsável por vinhos fantásticos. No ano passado, na Casa das Gaeiras (Quinta do Gradil), passou-se um dia a discutir a quase extinta casta branca Vital. E, no outro dia, os suspeitos do costume foram a Santarém provar vinhos novos, vinhos velhos e vinhos doces, todos feitos a partir da casta branca Fernão Pires (Maria Gomes na Bairrada).

Apesar de ser a casta branca mais plantada em Portugal, poucos consumidores se sentarão num restaurante a pedir convictamente um Fernão Pires. E, todavia, estamos perante uma casta com grande plasticidade e capaz de evoluir muito bem em garrafa.

Ora, foi justamente para mostrar tudo isso que a Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVRT) convocou os jornalistas para, alínea a), mostrar que cada um dos três terroir da região (Charneca, Campo e Bairro) dá vinhos Fernão Pires diferenciados e, alínea b) apresentar vinhos de Fernão Pires feitos há 15, 18, 24 ou 35 anos. E é justamente aqui que está a notícia: há vinhos da casta Fernão Pires deslumbrantes com o passar dos anos em garrafa, revelando aromas e sabores que nos fazem pensar que, afinal de contas, temos riqueza diferenciadora numa região que não tem conseguido criar uma imagem identitária própria junto dos consumidores. Ora, os brancos de Fernão Pires deveriam ser o pontapé de saída.

João Silvestre, director-geral da CVR Tejo, Diogo Campilho, director de enologia da Quinta da Lagoalva e Martta Simões Reis, directora de enologia da Quinta da Alorna, falaram do comportamento da casta em função dos terroir da região e apresentaram, numa primeira fase, vinhos da colheita de 2017, alguns dos quais ainda na versão amostra de cuba. Com maior ou menor expressão aromática, com mais ou menos madeira, com ou sem leveduras de fermentação indígenas, os vinhos Quinta do Casal Monteiro, Adega de Almeirim, Quinta da Lagoalva, Ninfa, Casal Branco, Casa da Casal da Coelheira, Quinta da Alorna e Companhia das Lezírias revelavam notas ora expressivas ora subtis de flor de laranjeira e malmequer, com bons equilíbrios entre estrutura, acidez e álcool.

Mas, quando começaram a chegar à mesa os vinhos velhos, o caso mudou de figura, de tal forma que a minha memória recuperou conversas com Virgílio Loureiro ocorridas há mais de 20 anos, sempre em defesa das virtudes dos vinhos Fernão Pires com tempo de garrafa. Com aquele seu timbre baixo e meio rouco, lá dizia: "muita atenção ao Fernão Pires". E tinha razão.

Como se imagina, provar um Quinta de São João Baptista de 2003, um 5ª de Mahler de 2000, um Falcoaria de 1994 ou Caves Dom Teodósio, Garrafeira Particular de 1983, dá conversa que nunca mais acaba porque toda a gente está a tentar descrever aromas carregados de mistério, sendo que - note-se bem - os vinhos estavam de perfeita saúde. Só num caso o malfadado TCA (cheiro a rolha) fez das suas. Pessoalmente, destaco os dois últimos vinhos, em virtude dos seus aromas combinados entre especiarias e ervas aromáticas, com a boca a indicar opulência, estrutura, frescura, tudo isso com níveis de álcool que não ultrapassam os 12 %.

Por norma, quando os entendidos falam de vinhos brancos de guarda, salientam a Bairrada, o Dão, Bucelas e algum Alvarinho. E fazem bem. Mas há uma diferença interessante entre os vinhos destas regiões e os Fernão Pires do Tejo. É que estes custam muito, mas muito menos. Que o leitor pense sobre o assunto.


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