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Açorianos puros

Se há 20 anos alguém dissesse que Anselmo Mendes ou Diogo Lopes iriam fazer vinhos nos Açores mandaria uma sonora gargalhada. Mas cá estão eles. Genuínos e encantadores.

26 de Agosto de 2017 às 12:30
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Cresci feliz em São Miguel, numa família que tinha como sustento a viticultura. Nos anos 80, um jovem com 15 ou 16 anos trabalhava - no período de férias ou nos tempos livres durante o período escolar - em conformidade com o seu cabedal e o seu discernimento. No tempo imperava, digamos assim, as regras do costume e do bom senso.

Com aquela idade, nas férias grandes o maior desejo era a praia, ou, no linguajar local, 'o calhau'. Se em Julho e Agosto havia tolerância para umas banhocas e uns mergulhos que poderiam resultar na captura de vejas, bodiões e um ou outro enxaréu tresmalhado, a partir da segunda semana de Setembro os dias eram passados nas vinhas e na adega (as escolas abriam em finais de Setembro).

Em São Miguel produzia-se 'vinho de cheiro', que é coisa que não se recomenda a um inimigo. Mas, volta e meia, chegava à nossa adega umas garrafas de vinho branco do Pico, considerado com justiça o melhor que se poderia fazer nos Açores. Quando, com meu pai, abordava a ideia de plantar a casta Verdelho, Terrantez ou Arinto, ele cortava a conversa a meio. "Esquece, essas castas estão adaptadas ao Pico. Aqui, a humidade e o rocio (vento carregado de sal marinho) fazem a vindima em Julho ou Agosto". E eu lá me calava.

A partir de 1987 comecei a provar 'vinhos do Continente' e fiquei com a ideia de que os tais brancos do Pico, afinal de contas, não valiam nada. Sem fruta, oxidados e desequilibrados, eram caldos que só interessavam a quem nunca tinha bebido outra coisa na vida. E assim fiquei durante anos. Os Açores poderiam dar bons queijos, ananases, meloas, maracujá, alcatras e peixes do outro mundo, mas vinhos? o melhor seria esquecer.

Ora, no início do século, e como aluno de marketing de vinhos na Universidade Católica do Porto, tive a oportunidade de provar brancos feitos por um camarada de carteira que, sendo originário da Bairrada, era o responsável dos vinhos da Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico. Vinhos que, já com fruta e equilíbrio de boca, me faziam duvidar quanto à sua origem. Mais tarde, perante os vinhos Curral Atlantis e Insula Vinhos fiquei com a ideia de que se iniciava uma revolução.

Por volta de 2011/2012, a entrada de António Maçanita mudou tudo. Primeiro com o Terrantez do Pico (mas feito em São Miguel) e, mais tarde, com os Verdelhos, Arintos dos Açores e demais marcas inseridas na Azores Wine Company, que é, hoje, o maior projecto vitícola dos Açores.

Acontece que, mais ou menos na mesma altura, Diogo Lopes e Anselmo Mendes aterraram nos Biscoitos, na ilha Terceira, e isso pode ser considerado como outro capítulo do processo da revolução em curso. Não apenas pelo facto de Diogo Lopes e Anselmo Mendes serem quem são, mas, acima de tudo, pelo facto de terem salvo da extinção vinhas que fazem parte da história da humanidade e, de caminho, terem criado os vinhos que colocam em cada garrafa o genuíno terroir açoriano. Quando outros produtores açorianos estão preocupados em transformar as uvas de castas hoje autóctones em vinhos modernos e atrativos, Diogo Lopes e Anselmo Mendes querem apenas mostrar o que é a casta Verdelho plantada nos Biscoitos. Ponto. O Magma e Muros de Magna não terão muita fruta ou flores no nariz - e ainda bem. Muito menos aromas provenientes de leveduras - Deus e os enólogos sejam louvados. Estes são vinhos que revelam a salinidade e o carácter mineral de uvas originárias de plantas cujas raízes estão encaixadas no basalto e não em terra (faz diferença). Estes são vinhos açorianos genuínos, mas enologicamente bem cuidados.

Quem conheça os currais de pedra onde aventureiros terceirenses desafiam a lógica vitícola saberá que a última coisa que Diogo e Anselmo pretendem é enriquecer com a aventura. Eles aceitaram o desafio de fazer e comercializar o vinho que dantes era gerido pela Cooperativa Vitivinícola dos Biscoitos por uma boa dose de romantismo, em que, claro está, uma certa maneira de ser terceirense também conta. Reparem nesta. "Na última vindima, estando eu preocupado com tempo, insistia com um associado para apanhar as uvas. Mas ele, mais interessado na conversa e num bom petisco, dizia-me: Diogo, tenha calma, que as uvas não vão fugir agora das cepas". Como se diz nos Açores: "Há lá nada melhor!?" 



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