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A cada barrica o seu terroir

Um dia a cheirar aduelas da Tanoaria Berthomieu e três dias provar vinhos em Sancerre chegam para perceber que esta coisa da madeira em excesso poderá ter os dias contados. Aleluia

30 de Março de 2018 às 13:00
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No princípio, as pipas eram um suporte prático para fermentar, armazenar e transportar vinho. De caminho, a lenta oxigenação que as aduelas permitiam afinava o vinho. E assim as coisas continuaram até que os consumidores do Novo Mundo passaram a achar piada aos vinhos carregados de carvalho novo. Carvalho, enfim, é como quem diz, porque, na verdade, ele era baunilha, chocolate, menta, eucalipto, especiarias e outras coisas que não provêm das uvas.

E se ainda há produtores que têm de satisfazer quem gosta mais de cheirar carvalho do que vinho, parece que certos enólogos e produtores de bom gosto estão a corrigir o tiro. Não prescindem da madeira, mas fazem-no com rigor técnico. Ou seja, com mais informação científica regressam à ideia de que a madeira é fundamental, mas usada com conta, peso e medida.

Isto mesmo tive a oportunidade de confirmar numa viagem de três dias à região francesa de Sancerre, quer pela visita à tanoaria Berthomieu (grupo Charlois) quer pela prova de vinhos de diferentes produtores locais, ou, mais importante, pelo relato da experiência do enólogo Diogo Lopes, que, com Anselmo Mendes, anda há anos a testar diferentes perfis de barricas e diferentes volumes das mesmas em função das castas e das regiões. Um trabalho que merecia ser apresentado mais em detalhe no país.


Na Berthomieu uma barrica de carvalho tem terroir próprio, no caso o terroir da floresta de Bertranges.


Se os franceses não dão ponto sem nó, não deixa de impressionar ver como protegem e gerem uma área de floresta de carvalho que ronda os quatro milhões de hectares. Lá, o carvalho é riqueza económica e ambiental, de tal forma que o abate, compra de árvores entre os 160 e os 200 anos, só é possível com autorização do Estado.

Depois do leilão para compra dos troncos, cada tanoaria trata da sua vida. No grupo Charlois, que possui oito tanoarias, acredita-se que o conceito de terroir faz todo o sentido no que toca à qualidade da barrica e bem assim às características que transmitirá ao vinho, pelo que criaram o conceito de barrica de terroir. Como no vinho, existe diferenciação de espécies de carvalho e diferenciação de solos e climas onde as árvores crescem. As florestas de Nevers, Alier, Vosges, Bertranges e Tronçais dão madeiras diferentes.

No caso da Berthomieu, as aduelas da floresta Bertranges são submetidas a processos de fabrico exigentes, com destaque para o processo de secagem das aduelas durante dois anos ao ar livre e para pré-tostar a vapor.


Nesta fase, o leitor pensa que lhe estou a contar a história da carochinha com sotaque francês. Percebo. Mas a única forma que tenho de realçar as virtudes das barricas desta tanoaria (não conheço outras) é por duas vias. A primeira tem que ver com a prova dos vinhos de Anselmo Mendes e Diogo Lopes (Alvarinhos e região de Lisboa) e a segunda é a prova de vinhos em diferentes produtores de Sancerre. E isto para concluir que, como diz Diogo Lopes, "as barricas Berthomieu da floresta Bertranges oferecem, com tosta ligeira, um equilíbrio que é o sonho de qualquer enólogo. Não se impõem em aspecto algum, respeitam a identidade do vinho e só estão cá para dar alguma harmonia em matéria de aromas e sabores". De acordo com o enólogo que faz vinhos em diferentes regiões, "as barricas de carvalho de Bertrange dão mais elegância e 'finesse' aos vinhos".

Estes predicados foram confirmados em adegas visitadas na região de Sancerre, em particular nos produtores Henri Bourgeois e Vincent Pinard. Se no primeiro ainda provei vinhos com mais ou menos madeira e em exercícios interessantes quanto à dimensão das barricas, no segundo (caso sério no que respeita ao conceito de terroir), provei Sauvigon Blanc e Pinot Noir de 2017 saídos da barrica sem que notasse os aromas desta no vinho. Se me contassem, não acreditava.

É evidente que tais matérias técnicas passam despercebidas aos consumidores, mas são determinantes para a nossa educação vínica. O facto de um grupo de tanoarias querer debater estas questões e a circunstância de dois enólogos portugueses terem vontade de fazer investigação com os seus vinhos é algo que merece aplauso.

Agora, como a mim não custa nada mandar bitaites, diria que, para tudo isto ser perfeito, se calhar não seria má ideia um produtor lançar uma caixa de vinhos de um lote uniforme, mas com: hipótese a) três tostas diferentes, hipótese b) três volumes de barrica diferentes ou, hipótese c) uma barrica nova e restantes com tempos de vida diferente. Fica a ideia. 

O Jornal de Negócios visitou a tanoaria Berthomieu a convite do grupo Grupo Charlois


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