Notícia
Realismo mágico italiano
Um dos mais geniais criadores italianos do século XX, Dino Buzzati, regressa com um conjunto de contos que atravessam todas as fronteiras da imaginação.
Falecido em 1972, Buzzati tornou-se um autor obscuro. Algo incompreensível para quem foi um pintor, um poeta, um dramaturgo e um jornalista. Se ganhou estatuto com "O Deserto dos Tártaros", publicado em 1940, uma empolgante novela sobre um jovem soldado remetido para uma fronteira distante onde se espera o ataque dos bárbaros, o resto da sua obra é fascinante. Escreveu cinco novelas, muitos livros de banda desenhada, peças de teatro e, claro, colectâneas de contos.
Em "Os Sete Mensageiros", o filho de um senhor feudal pretende fixar as dimensões do reino do seu pai. As notícias da cidade são trazidas por sete mensageiros, que têm de jogar com a velocidade e o tempo. Buzzati cria então uma lógica surrealista. Atente-se: "Tu és a minha última ligação a eles, Domenico. O quinto mensageiro, Ettore, que se Deus quiser me alcançará daqui a um ano e oito meses, não poderá partir de novo porque já não teria tempo de regressar."
Em "Pânico no Scala" confronta-nos com o terror que temos pelo incerto e com a cobardia quando os seres humanos se deparam com o que para eles é incerto. E, esse medo, encontramo-lo novamente em "Os Ratos", sobre a suspeita de que numa casa de campo há ratos. Algo que começa a ser uma verdadeira paranóia.
Já em "As Muralhas de Anagoor", uma cidade enigmática e milenária onde um turista deseja chegar de qualquer maneira, há um imaginário que muitas vezes nos faz lembrar Jorge Luís Borges. Tudo isto mostra o imenso mundo alucinado de Buzzati, que às vezes vive entre a liberdade que a banda desenhada permite e o realismo mágico que convoca para a sua criatividade sem fronteiras. Este é um livro poderoso e muito rico, cheio de pistas para abrirmos novas fronteiras da imaginação.
Um triângulo amoroso e misterioso
Este livro da espanhola Eugenia Rico ganhou uma série de prémios e compreende-se porquê: é uma ficção bem urdida à volta de uma relação estranha entre três personagens, Antonio, Ofélie e Jean Charles. Todos eles têm segredos que acabam por ir sendo desvendados ao longo das páginas, como se fosse uma forma de se irem libertando de culpas ocultas. Fechados, vão, ao longo do tempo, inventando a sua própria solidão. Uma narrativa muito poderosa.
Eugenia Rico
Os Amantes Tristes
Parsifal, 109 páginas, 2018
A grande dramaturgia russa de Gógol
Nikolai Gógol é um dos símbolos maiores da literatura russa do século XIX e isso está demonstrado através da sua poderosa obra. Aqui juntam-se uma série de peças suas, a começar pela fundamental "O Casamento", um jogo sobre as vantagens e as desvantagens de tomar uma decisão, e que acaba por demonstrar as indecisões dos seres humanos. A personagem principal é um homem que começa por decidir uma coisa e que acaba por fazer outra. Notável.
Nikolai Gógol
O Casamento e outras peças
Assírio & Alvim, 254 páginas, 2018
Olhares atentos sobre o mundo comum
João Luís Barreto Guimarães tem, ao longo dos anos, construído um território muito próprio dentro da poesia portuguesa. São acontecimentos do dia-a-dia que espoletam o seu olhar acutilante sobre os labirintos das vidas comuns. Há aqui uma simplicidade complexa sobre o nosso mundo de dúvidas e de sonhos. "Porque/se uma chave em concreto consegue abrir/a memória/acaso consegue uma ideia (tac!) abrir uma porta em concreto?" Um mundo nómada a descobrir.
João Luís Barreto Guimarães
Nómada
Quetzal, 67 páginas, 2018