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Quem são os donos do poder em Portugal?

A pergunta surgiu há 13 anos na redação do Negócios e serviu de mote ao projeto editorial “Os Mais Poderosos”. Todos os anos é publicado um “ranking” que elenca as grandes figuras com capacidade de decisão no país. O jornalista José Vegar pegou nessa informação acumulada desde 2010 e estudou os padrões. Quem tem dinheiro exerce influência, mas quem decide são os políticos, concluiu. Neste “clube de elite”, as mulheres são uma minoria e os cientistas, os intelectuais e as figuras mediáticas ou desportivas não têm lugar. As conclusões estão no livro “Os mais poderosos de Portugal: 2010-2022”, que chegou esta quinta-feira às bancas.
Filipa Lino 22 de Setembro de 2023 às 11:00

"Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder." A frase emblemática de Abraham Lincoln, em jeito de conselho, é válida ainda hoje e continua a ser citada por muitos. O histórico Presidente dos EUA resumia desta forma uma ideia - quando um indivíduo chega às altas esferas da sociedade, revela o seu verdadeiro "eu". A História provou que nas mãos erradas o poder torna-se perigoso.

Em Portugal, um país que esteve debaixo de uma ditadura durante quase 50 anos, a palavra "poder" tem uma conotação negativa, admite José Vegar, autor do livro "Os mais poderosos de Portugal: 2010-2022", que chegou às bancas esta quinta-feira e que analisa uma base de dados construída a partir do "ranking" anual do Jornal de Negócios "Os Mais Poderosos".

Essa "desconfiança do poder" nota-se, por exemplo, "na relação com a polícia, com os tribunais, com a justiça... e degenera muitas vezes para o campo da conspiração", afirma o jornalista.

Assim sendo, para termos uma democracia robusta, feita por cidadãos informados, "é necessário haver um escrutínio, de forma a que se percebam quais são as linhas de força que transformam alguém em poderoso, tanto ao nível económico, como social e político". O "ranking" do Negócios é uma forma de o fazer.

A balança do poder em Portugal tem num prato políticos e no outro agentes económicos. E qual tem mais peso? Em termos quantitativos, "há muito mais empresários, chefes executivos e banqueiros do que políticos no ‘ranking’". No entanto, "nunca os agentes económicos atingem os primeiros lugares", isso só aconteceu logo nos primeiros anos desta iniciativa.

O pódio dos poderosos está reservado aos políticos com cargos executivos - membros do Governo -, ao Presidente da República e a detentores de altos cargos a nível internacional, como a ex-chanceler alemã Angela Merkel, que teve presença permanente nos lugares de topo da lista enquanto esteve em funções. Este é "um poder muito limitado no tempo. Corresponde ao tempo de poder por eleição", explica o investigador.



Mas não há dúvida de que o poder está muito relacionado com o dinheiro. "Quem está ligado a grupos económicos que geram muito capital ou que têm muito capital, como é o caso da banca, é quase diretamente poderoso".

Como se constrói o poder em Portugal? Além da "via óbvia" que é a política, existem outros caminhos, responde José Vegar. Os grandes escritórios de advogados são um deles, pela "triangulação que fazem entre justiça, negócios e política". E, depois, existe a via "dos juízes e procuradores, devido aos crimes económicos e à corrupção". Mas, diz o autor, "o que me parece mais interessante é como se constrói o poder a partir de uma via económica seja ela privada ou pública".

Em Portugal existem poderosos que são líderes "dos grupos que já vêm de antes do 25 de Abril, dos grupos formados entre 1975 e 1986, e também das grandes empresas públicas (o que mostra o peso do Estado na economia), e ainda líderes do capital global, nomeadamente chinês, europeu e americano". Estes protagonistas têm grande capacidade de influenciar decisões, mas não mandam mais que os políticos, considera José Vegar. "A decisão executiva, em democracia, cabe sempre aos políticos", conclui. É por isso que normalmente são eles que ocupam as primeiras posições no "ranking".

Mulheres ainda são minoria

Os casos mediáticos que correm na Justiça, e que envolvem algumas figuras que constam nesta lista, também contribuem para a tal desconfiança dos portugueses nos poderosos. É legítimo perguntar o que é que acontece no percurso destas pessoas que as leva a aceitar serem corruptoras ou corrompidas.

"O poder traz sempre vontade de ter mais poder. Essa foi uma das linhas de trabalho do filósofo Eduardo Lourenço. Por um lado, existe uma ambição desmesurada e, por outro, uma crença por parte de alguns agentes políticos e económicos de que as entidades reguladoras e o Estado de direito não os conseguem limitar".

De facto, o poder "pode inebriar" e, a partir de uma certa altura, "dá a alguns indivíduos a sensação de que são absolutamente intocáveis". É isso que está na origem destes casos de corrupção. Mas esta "é uma característica das sociedades ocidentais, não acontece só em Portugal".

O poder em Portugal é quase um monopólio dos homens. Dos 166 poderosos listados nas 13 edições do "ranking" do Negócios, apenas 25 são mulheres.

Há um outro padrão que salta à vista neste estudo: o poder em Portugal é quase um monopólio dos homens. Dos 166 poderosos listados nas 13 edições do "ranking" do Negócios, apenas 25 são mulheres.

"Temos muitas mulheres que são profissionais de elevada competência, tanto no setor público como no privado, e os dados indicam que elas nunca conseguem reunir poder suficiente para estarem presentes na lista. Isso merece uma reflexão", aponta.

Contudo, apesar de serem poucas, há um dado positivo: existe muita diversidade no poder feminino. "Temos perfis etários, socioculturais e profissionais totalmente distintos". Há nomes que se repetem ano após ano, como Cláudia Azevedo, CEO do grupo Sonae, ou Paula Amorim, presidente da Galp. Mas também está na lista dos poderosos Daniela Braga, que fundou uma companhia de Inteligência Artificial (IA) nos EUA - a Defined.ai -, que se transformou numa empresa global. A lista de nomes femininos inclui ainda juízas, procuradoras e políticas.

Onde temos um grande défice de poderosos é nos líderes da economia digital, nos cientistas e nos académicos, considera o autor. Isso deve-se aos critérios definidos pelo Jornal de Negócios para este "ranking", "que são bastante rigorosos e têm a cientificidade necessária", mas "excluem uma série de classes profissionais", nomeadamente as pessoas que geram ideias e as figuras mediáticas ou desportivas. Desde o início deste projeto editorial que são considerados para esta lista os que podem fazer e desfazer negócios, alterar o rumo da economia e das políticas que a moldam.

Aparecem no "ranking" "dois presidentes de clubes de futebol e um agente de jogadores, mas há todo um espetro que, aparentemente, tem poder em Portugal e que não tem qualquer presença" na lista. Por isso, José Vegar considera que é necessário fazer um ajuste dos critérios que são tidos em conta para este "ranking", para que possa abranger mais "poderosos". 


Desenhar a capa de um livro é uma coisa séria. Tão séria como escolher vestir uma t-shirt amarela ou uns calções azuis num dia de praia. A capa parece querer dizer-nos ao que vai o livro apropriando-a ao público a que se destina. Quer dizer que um livro pode ter várias boas capas, tudo depende da intenção que se coloca na acção.

# Os Mais Poderosos de Portugal tem um público distinto, é o público do Jornal de Negócios, um leitor informado que prescinde do acessório, seja textual ou visualmente. Essa foi desde cedo a minha intenção: mostrar o livro sem um desnecessário aparato gráfico.

Outro elemento importante ao desenhar uma capa são as referências. As referências do editor, do autor e mesmo do leitor. Neste caso, foi decisivo perceber qual a expectativa deste público.

Cromaticamente distinto e minimalista, foi o pedido do Jornal de Negócios, fazendo uso das cores já usadas anteriormente neste segmento: creme, vermelho e negro. As opções foram várias, mas resumo aqui nestas quatro, sendo a última a escolhida. Todos esperamos que o leitor também a escolha. Pois sem leitores os livros, embora uma coisa séria, servem para pouco.




"Espelho, espelho meu, há alguém mais poderoso do que eu?" Será assim que acordam António Costa, Marcelo, a senhora Merkel, noutro tempo Ricardo Salgado ou Sócrates?

E a verdade é que poucas coisas na vida são tão sedutoras como o poder. Talvez o sexo. A analogia nem sequer é forçada: também o poder tem sabor afrodisíaco, íman irresistível, multiorgástico, tão melindrosamente susceptível como o sexo quando a disfunção eréctil atinge a fonte de força dos poderosos.

Neste livro, assinado por José Vegar, de que tive muito gosto em ser, vá lá, produtor executivo, já que o verdadeiro e brilhante editor foi o Celso Filipe, o poder parece ser uma conjugação de meios políticos e de recursos económicos. Grandes patrões ou banqueiros, primeiros-ministros ou presidentes são vistos como os #mais poderosos. E são-no. Pela influência que têm no nosso quotidiano, no nosso bem-estar, na nossa liberdade.

Mas um poeta? Pode ser poderoso? Um adido cultural francês confessou-me um dia que as pernas lhe tremiam quando tinha de falar com João Bénard da Costa, o homem da Cinemateca, que tão bem escrevia e falava de cinema. Que poder emanava então desse homem sem poder, e que nos fazia calar, bebendo-lhe sofregamente o que dissesse? O poder está onde: na ponta de uma espingarda ou na beleza de um verso, de uma frase arrebatadora?


Desde 2010, entre agosto e setembro, os Mais Poderosos desaguam nas páginas e no site do Negócios. Como geralmente acontece, ao início, esta iniciativa foi recebida com estranheza. Agora, tornou-se uma referência e isso é também visível no facto de outros meios de comunicação social a terem tentado decalcar. Em cada ano, temos um retrato fulanizado do país que naturalmente se esgota na espuma dos dias.

Usando uma metáfora náutica, pode-se dizer que José Vegar saiu da zona de rebentação e se colocou num promontório de onde olhou para a imensidão do mar, neste caso são as listas dos Mais Poderosos publicadas entre 2010 e 2022. Procurou o que escapa à inevitabilidade da rebentação das ondas e a sua demanda desembocou na identificação de padrões dos poderosos. Este livro dá-nos um olhar panótico que contextualiza a história recente do país e os seus protagonistas.

Os Mais Poderosos do Negócios são uma referência por uma razão simples: trata-se de uma iniciativa que desde o início envolve toda a redação. E, como se sabe, o sucesso passa sempre pelo trabalho de equipa. Obrigado a todos (as).

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