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Quando o poder colonial começou a tremer

No Magrebe francês da década de 1920 havia uma elite que mandava. E que, um dia, vê o seu poder posto em causa pela chegada de uma equipa de filmagens de Hollywood.

15 de Outubro de 2016 às 12:30
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Hédi Kaddour, "Os Preponderantes" Porto Editora, 390 páginas, 2016



A França e Hollywood encontraram-se em "Casablanca". Mas, nesse tempo, vivia-se no auge da II Guerra Mundial e os sonhos e os pesadelos de todos eram outros. Em "Os Preponderantes", romance poderoso e tentador, Hédi Kaddour faz com que se cruzem o universo de Hollywood e o da África do Norte durante o período de domínio francês na década de 1920. Os jogos aqui são claramente outros. Até porque, como pano de fundo, encontramos o tempo colonial francês.

Estamos em 1922 e uma equipa de cinema que vem de Hollywood instala-se em Nahbès, uma pequena vila imaginária do Magrebe, que faz parte do império colonial francês. A "modernidade" (até tecnológica) trazida pelos americanos vem pôr em causa todos os equilíbrios existentes e acentuar as discrepâncias entre as tradições locais, os colonos franceses e parte de uma juventude local que quer a independência. O mote está dado: diferentes universos chocam entre si e confrontam-se. Esvai-se o mito da coabitação entre os colonos, a elite local e a população.

Os europeus são os "preponderantes" do livro, o nome do clube (o Círculo dos Preponderantes) onde se encontra a elite colonial. Madame Doly explica o que significava a palavra "preponderante": "É muito simples, somos muito mais civilizados do que todos estes indígenas, temos muito mais peso e, portanto, também o dever de os dirigir durante muito tempo, porque eles são lentos, e juntamo-nos para o fazer o melhor possível, somos a associação, a organização mais poderosa do país!" Os americanos acharam "fantastic" mas transferiram as suas festas para o Grand Hôtel, o mais luxuoso de Nahbès, onde passaram a ir muitos dos cavalheiros da vila.

A música, o álcool, a dança e a alegria contagiavam todos. As mulheres do outro lado do Atlântico tornaram-se verdadeiras estrelas. A liberdade parecia ter chegado ao mundo colonial. Entretanto, os franceses não esqueciam as palavras do presidente americano Wilson sobre o direito dos povos poderem dispor de si próprios. No meio de tudo isto, estão personagens fascinantes, como o jovem Raouf, filho da elite local, excelente aluno fruto das culturas árabe e francesa, que oscila entre a revolução e o nacionalismo. Apaixonado pela actriz Kathryn Bishop, nutre uma amizade conflituosa com Ganthier, antigo oficial do exército francês, com uma paixão enorme pela literatura. Ganthier sonha com o mito colonial de 100 milhões de franceses situados em todos os continentes, todos iguais.

Raina é a figura subversiva, jovem viúva que desafia as convicções da época. Tem um pé nas duas culturas e sabe dançar entre elas. Mas, sobretudo, "Os Preponderantes" levanta uma questão muito mais interessante: a forma como um pequeno grupo de personagens influentes conseguiu impedir as independências.

Em 1922, a França poderia ter criado ligações históricas profundas com todas estas colónias, sem as feridas criadas depois, que se revelariam profundas. A elite colonial ("os preponderantes") acabaria sempre por sabotar as hipóteses de reformas profundas. E isso, depois, muito mais tarde, viria a influenciar decisivamente todo o futuro desta região e também do Médio Oriente.


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