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O oceano guarda os seus mistérios

No meio do oceano Atlântico podem perder-se vidas e também muitos segredos. Uma viagem entre Lisboa e a Islândia é o palco de um dos melhores policiais deste ano.

06 de Agosto de 2016 às 12:30
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Yrsa Sigurdardóttir, "O Silêncio do Mar" Quetzal, 444 páginas, 2016


Uma viagem de um iate entre Lisboa e a Islândia pode tornar-se num mistério nebuloso. Onde faltam testemunhas e sobram dúvidas. E é isso que a islandesa Yrsa Sigurdardóttir consegue transmitir de uma forma eléctrica, criando um "suspense" constante através de uma dupla narrativa: a investigação levada a cabo pela nossa conhecida (de outros livros) advogada Thóra e o relato do que se vai passando no iate. O balanço entre estes dois palcos permite que avancemos até a um final tenebroso, bem típico do universo ficcional nórdico.

A história nasce da ressaca da crise financeira que, a partir de 2008, destroçou a economia islandesa. No meio de tudo isso, colapsou o império de um milionário, que tinha baptizado o iate como "Lady K", em homenagem à sua mulher, Karitas. Uma islandesa deslumbrada pelo dinheiro fácil e pela vida "glamorosa".

Arrestado, no meio da massa falida, o iate tem de voltar a Reiquejavique, para ser vendido. E é aí que entra o homem responsável pela tarefa, Ægir, que vai a Lisboa e que, num momento de aventura, decide fazer a viagem de regresso no iate com a mulher e duas das suas filhas, quando um acidente incapacita um dos membros da tripulação. Uma decisão que se revelaria trágica. Desde o início, porque a tripulação não aceita com bom grado a presença da família e o ambiente torna-se sombrio e agreste. Especialmente a partir do momento em que o corpo de uma mulher morta é encontrado na arca frigorífica do iate. Este acaba por chegar à Islândia, mas vem vazio, sem passageiros. Que se passou então? É isso que Thóra Gudmundsdóttir, contratada pelos pais de Ægir, investiga.

"O Silêncio do Mar" é claramente o melhor livro que Yrsa Sigurdardóttir escreveu até hoje. A vastidão do oceano confunde-se em muito com o isolamento de uma ilha e com o vazio moral dos seres humanos. Numa altura em que o policial nórdico vive os seus grandes momentos de sucesso, este traz-nos uma linha que mostra as características muito próprias de um país que parece diferente de todos os outros. Basta lembrarmo-nos da forma como resolveu parte da sua crise financeira e a forma de decisão popular que tornou a sua democracia quase directa.

Thóra, claro, representa muito do frio moral onde o policial nórdico ganhou raízes: sendo uma advogada, parece que não está a defender o bem ou o mal. Porque a fronteira entre ambos é muito ténue, como se vai vendo ao longo das páginas onde as personagens nos surgem cheias de sombrios passados. Yrsa Sigurdardóttir, apesar da Islândia ser um país com baixo nível criminal, transporta-nos para o universo das sociedades que, a sul, julgamos ser boas e perfeitas. Há um outro lado do espelho que livros como este retratam.

O frio do clima transporta-se para as pessoas, até porque se nota sempre que há aqui uma sociedade fechada à espera de explodir. Este policial mostra, mais uma vez, a qualidade da escrita da autora e a forma económica e certeira como nos transporta para um universo de mentes sombrias e de pessoas que, guiando-se por interesses puramente materiais, esquecem a bondade num qualquer sítio inóspito.
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