Notícia
O imenso poder da natureza
As narrativas de sobrevivência são contundentes e fascinantes. Acabam por ser tentadoras para a nossa imaginação. E é isso mesmo que sucede neste livro, “A Baía”, do galês Cynan Jones.
Cynan Jones
A Baía
Elsinore, 97 páginas, 2018
A natureza é uma fonte de incertezas. E uma força que muitas vezes negligenciamos. Mas é esse poder imenso que encontramos na melhor literatura mundial. E se pensarmos no que teria acontecido a "Os Lusíadas" se Camões não tivesse vencido as forças cruéis da natureza, temos uma noção do imenso fascínio que estas exercem sobre nós. As narrativas de sobrevivência são, por isso, contundentes e fascinantes. Acabam por ser tentadoras para a nossa imaginação. E é isso mesmo que sucede neste livro, "A Baía", do galês Cynan Jones.
No pequeno prólogo, descobrimos uma mulher que espera na costa, enquanto no mar um homem que perdeu o seu sentido de orientação, e está paralisado num braço, tenta sobreviver num pequeno barco. Descobrimos depois que o homem foi ali para depositar as cinzas do pai e para apanhar peixe para o almoço.
Cynan Jones consegue descrever tudo isso com uma sólida economia de meios, algo que nos faz entrar desde logo no espírito do que nos quer transmitir, rude e cru. Mas isso não o impede de ter um lirismo muito próprio, doseado com metáforas que entendemos e que nos fazem entender melhor o que se passa. Ele imagina a mulher que está à sua espera na costa, à espera que ele regresse. Os seus pensamentos acabam por lhe dar mais força para sobreviver. Como se, perdido, encontrasse ali forças únicas para renascer. Tudo está contra ele: as dores que sofre, a sensação de que o barco está à deriva, que ele próprio não tem meios para se salvar. Há, claro, momentos gentis e tentadores: como o da borboleta que surge no barco ou a luz que encandeia os seus olhos, ou mesmo os golfinhos que brincam ao lado do barco.
Isto dá-lhe mais força para sobreviver, apesar da sensação de fragilidade total em que se encontra. Porque aqui, não o esqueçamos, estamos perante um desafio total: os ritmos perigosos e desconhecidos no mar. E isso diz também tanto aos portugueses. A devastação física torna-se fulcral, mas ao mesmo tempo é salpicada por momentos doces que acabam por sentir que o homem e a natureza têm, no seu confronto, uma linguagem muito própria e desconcertante. É de fragilidade que se fala. E isso transporta-nos para este mundo em que, desafiados pelo aquecimento global, voltamos a sentirmo-nos impotentes perante as forças astrais.
O homem, só com um litro de água potável para beber, sabe que tem uma dura tarefa pela frente. A sobrevivência é o seu único fito a partir de certa altura. Algo que não é fácil. Jones vai criando sucessivos pontos de tensão nesta pequena novela que se lê de um fôlego. E que acaba por nos conquistar pela sua força interior, com um discurso despojado, mas muito poderoso. É um daqueles livros que acaba por nos reconfortar com a literatura e com as histórias que ainda estão por contar. Cada movimento do homem é-nos descrito de tal forma que, a partir de certa altura, parece que estamos a sentir o mesmo que ele. Que estamos também a passar pela mesma fragilidade.
A Baía
Elsinore, 97 páginas, 2018
A natureza é uma fonte de incertezas. E uma força que muitas vezes negligenciamos. Mas é esse poder imenso que encontramos na melhor literatura mundial. E se pensarmos no que teria acontecido a "Os Lusíadas" se Camões não tivesse vencido as forças cruéis da natureza, temos uma noção do imenso fascínio que estas exercem sobre nós. As narrativas de sobrevivência são, por isso, contundentes e fascinantes. Acabam por ser tentadoras para a nossa imaginação. E é isso mesmo que sucede neste livro, "A Baía", do galês Cynan Jones.
Cynan Jones consegue descrever tudo isso com uma sólida economia de meios, algo que nos faz entrar desde logo no espírito do que nos quer transmitir, rude e cru. Mas isso não o impede de ter um lirismo muito próprio, doseado com metáforas que entendemos e que nos fazem entender melhor o que se passa. Ele imagina a mulher que está à sua espera na costa, à espera que ele regresse. Os seus pensamentos acabam por lhe dar mais força para sobreviver. Como se, perdido, encontrasse ali forças únicas para renascer. Tudo está contra ele: as dores que sofre, a sensação de que o barco está à deriva, que ele próprio não tem meios para se salvar. Há, claro, momentos gentis e tentadores: como o da borboleta que surge no barco ou a luz que encandeia os seus olhos, ou mesmo os golfinhos que brincam ao lado do barco.
Isto dá-lhe mais força para sobreviver, apesar da sensação de fragilidade total em que se encontra. Porque aqui, não o esqueçamos, estamos perante um desafio total: os ritmos perigosos e desconhecidos no mar. E isso diz também tanto aos portugueses. A devastação física torna-se fulcral, mas ao mesmo tempo é salpicada por momentos doces que acabam por sentir que o homem e a natureza têm, no seu confronto, uma linguagem muito própria e desconcertante. É de fragilidade que se fala. E isso transporta-nos para este mundo em que, desafiados pelo aquecimento global, voltamos a sentirmo-nos impotentes perante as forças astrais.
O homem, só com um litro de água potável para beber, sabe que tem uma dura tarefa pela frente. A sobrevivência é o seu único fito a partir de certa altura. Algo que não é fácil. Jones vai criando sucessivos pontos de tensão nesta pequena novela que se lê de um fôlego. E que acaba por nos conquistar pela sua força interior, com um discurso despojado, mas muito poderoso. É um daqueles livros que acaba por nos reconfortar com a literatura e com as histórias que ainda estão por contar. Cada movimento do homem é-nos descrito de tal forma que, a partir de certa altura, parece que estamos a sentir o mesmo que ele. Que estamos também a passar pela mesma fragilidade.