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O imenso poder da natureza

As narrativas de sobrevivência são contundentes e fascinantes. Acabam por ser tentadoras para a nossa imaginação. E é isso mesmo que sucede neste livro, “A Baía”, do galês Cynan Jones.

20 de Janeiro de 2018 às 09:30
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Cynan Jones
A Baía
Elsinore, 97 páginas, 2018


A natureza é uma fonte de incertezas. E uma força que muitas vezes negligenciamos. Mas é esse poder imenso que encontramos na melhor literatura mundial. E se pensarmos no que teria acontecido a "Os Lusíadas" se Camões não tivesse vencido as forças cruéis da natureza, temos uma noção do imenso fascínio que estas exercem sobre nós. As narrativas de sobrevivência são, por isso, contundentes e fascinantes. Acabam por ser tentadoras para a nossa imaginação. E é isso mesmo que sucede neste livro, "A Baía", do galês Cynan Jones.

No pequeno prólogo, descobrimos uma mulher que espera na costa, enquanto no mar um homem que perdeu o seu sentido de orientação, e está paralisado num braço, tenta sobreviver num pequeno barco. Descobrimos depois que o homem foi ali para depositar as cinzas do pai e para apanhar peixe para o almoço.

Cynan Jones consegue descrever tudo isso com uma sólida economia de meios, algo que nos faz entrar desde logo no espírito do que nos quer transmitir, rude e cru. Mas isso não o impede de ter um lirismo muito próprio, doseado com metáforas que entendemos e que nos fazem entender melhor o que se passa. Ele imagina a mulher que está à sua espera na costa, à espera que ele regresse. Os seus pensamentos acabam por lhe dar mais força para sobreviver. Como se, perdido, encontrasse ali forças únicas para renascer. Tudo está contra ele: as dores que sofre, a sensação de que o barco está à deriva, que ele próprio não tem meios para se salvar. Há, claro, momentos gentis e tentadores: como o da borboleta que surge no barco ou a luz que encandeia os seus olhos, ou mesmo os golfinhos que brincam ao lado do barco.

Isto dá-lhe mais força para sobreviver, apesar da sensação de fragilidade total em que se encontra. Porque aqui, não o esqueçamos, estamos perante um desafio total: os ritmos perigosos e desconhecidos no mar. E isso diz também tanto aos portugueses. A devastação física torna-se fulcral, mas ao mesmo tempo é salpicada por momentos doces que acabam por sentir que o homem e a natureza têm, no seu confronto, uma linguagem muito própria e desconcertante. É de fragilidade que se fala. E isso transporta-nos para este mundo em que, desafiados pelo aquecimento global, voltamos a sentirmo-nos impotentes perante as forças astrais.

O homem, só com um litro de água potável para beber, sabe que tem uma dura tarefa pela frente. A sobrevivência é o seu único fito a partir de certa altura. Algo que não é fácil. Jones vai criando sucessivos pontos de tensão nesta pequena novela que se lê de um fôlego. E que acaba por nos conquistar pela sua força interior, com um discurso despojado, mas muito poderoso. É um daqueles livros que acaba por nos reconfortar com a literatura e com as histórias que ainda estão por contar. Cada movimento do homem é-nos descrito de tal forma que, a partir de certa altura, parece que estamos a sentir o mesmo que ele. Que estamos também a passar pela mesma fragilidade.




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