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Mikhaíl Bulgákov, Margarita e o mestre

A União Soviética da década de 1930 é o pano de fundo para esta excelente novela à volta das motivações de Bulgákov para escrever “Margarita e o Mestre”.

28 de Julho de 2018 às 09:00
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Mikhaíl Bulgákov criou várias gerações de fãs depois do sucesso da sua mais famosa novela, "Margarida e o Mestre". O livro era, afinal, um olhar atento e crítico à burocracia soviética da altura. O "mestre" de Bulgákov era um escritor que se vê censurado pela moral soviética. Aí, sobrava Margarita (ou Margarida), que tentava proteger as obras do "mestre". Numa era de purgas e de repressão estalinista, em plena década de 1930, Margarita tem de criar condições para isso, entre o Céu e o Inferno.

 

Este livro de Julie Lekstrom Himes imagina a paixão que terá motivado o livro de Bulgákov que, não o esqueçamos, era também um físico. Himes mistura aqui a história, a ficção e a paixão e, por isso, é difícil resistirmos ao seu perfume. Também nos transporta para o universo das ambiguidades morais russas e, sobretudo, para a difícil fronteira entre o Bem e o Mal.

 

Assim, o que terá acontecido no primeiro dia em que Bulgákov se sentou para escrever uma história sobre o "mestre" e o Diabo em Moscovo? Logo no início sente-se o desconforto: "Mikhail Afanásievitch Bulgákov estava sentado de costas para uma janela aberta no ricamente mobilado restaurante da União dos Escritores Soviéticos de Moscovo. Estávamos no final da Primavera de 1933. O seu amigo Osip Mandelstam debruçava-se sobre a pequena mesa para realçar uma ideia, mas Bulgákov não estava a ouvir. Pensava na jovem amante do amigo, imaginando como lha poderia roubar". Margarita, é claro. Jantam, mas à sua volta sente-se todos os desconfortos do mundo. Mandelstam diz: "Só neste país é que a poesia é respeitada. (…) Não há outro lugar onde sejam mortas tantas pessoas por causa dela".

 

Não é isso que nesse momento preocupa Bulgákov. Quer saber mais de Margarita, uma jovem cheia de segredos. Ela move-se num mundo de intelectuais como Stanislawski ou a poeta Anna Akhmátova. E Himes consegue que todos estes personagens tenham algo de muito real, numa altura em que Osip Mandelstam pressente que vai ser afastado pelas purgas estalinistas. Bulgákov tentará, sem conseguir, ajudar o seu amigo que acaba preso e começa a recear pelos seus escritos. No fundo, ele não é um dissidente: é um artista. Margarita, por seu lado, acha que dizer a verdade é fundamental. Bulgákov é motivado a fazer um esboço de uma carta a enviar ao Governo soviético a pedir a libertação de Mandelstam. Não quer emigrar e ama o seu país.

 

Este é, de resto, um tema muito habitual na escrita russa: a questão da identidade nacional face à artística. Tudo se complica quando um membro proeminente dos serviços secretos soviéticos, Ilya Ivanovich, também se apaixona por Margarita. E quando esta é enviada para um "campo de reeducação", ambos tentam salvá-la, provando que não há seres com uma única dimensão. Margarita tem nas mãos um dilema quase insolúvel: como negociar alguma liberdade, entre Bulgákov (o homem que ama e o escritor que quer proteger) e Ilya (aquele que tem o poder sobre o futuro de Bulgákov)? É neste contexto fascinante que se move esta obra muito estimulante.

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