Notícia
Estes seremos sempre nós
A digna editora Pierre Von Kleist edita agora "Lisboa, Cidade Triste e Alegre", um livro onde as imagens revelam com uma profundidade singular o que os portugueses são.
10 de Outubro de 2015 às 09:00
O poema gráfico, como lhe chamavam os seus autores, Victor Palla e Costa Martins, "Lisboa, Cidade Triste e Alegre", está de novo disponível, numa edição limitada da editora Pierre von Kleist. A classificação que Palla e Martins fazem da sua obra é extremamente exacta, e ajuizada, e poderemos até acrescentar, sem qualquer demagogia narrativa, que é um dos mais belos poemas criados por autores portugueses.
Não é, certamente, um poema lírico ou dominado pela beleza de um olhar breve, antes um longo "travelling" granulado, comovente e honesto sobre Lisboa e os seus habitantes. E tendo Lisboa acolhido desde sempre membros das mil tribos portuguesas, é um poema sobre pessoas que seremos sempre nós. O que primeiro fascina neste poema eterno é a capacidade que tem de revelar a alma dos fotografados. São os olhares, antes de tudo, mas também os rostos e os seus sulcos, as expressões e as suas duplicidades, os corpos e a sua pequenez, as poses vindas da vaidade e da vergonha, os cabelos e os penteados tão submissos, os vestidos e os fatos tão arrumados, tudo aquilo que transmite o que somos, mas que só é acessível aos apaixonados ou aos bons exploradores. O que Palla e Martins conseguem cantar, nesta primeira dimensão do seu trabalho, é aquilo que seremos sempre, quaisquer que sejam as máscaras que vamos escolhendo ou que a contemporaneidade inventa, medrosos, desconfiados, inseguros, apaixonados, sonhando em decepar todas as amarras, das familiares às da igreja, mas incapazes de o fazer, por dever, remorso ou cobardia.
Na segunda dimensão possível deste poema tão complexo, temos uma exploração etnográfica pelos vários corações de Lisboa. São a luz e a sombra dos autores que mostram a miséria total das ruas, das casas, dos actos, das brincadeiras infantis às esperas à esquina dos adultos, e dos homens e das mulheres, sempre envolvidos na necessidade de sobreviver.
Há nesta etnografia espaço para a alegria, como indica o título do livro, mas mesmo esta não nos ilude, é a possível, a precária, a que nasce do domínio da ilusão num momento tão curto. Uma terceira dimensão contida na fotografia feita pelos autores é a da visualização das memórias, ou seja a materialização iconográfica do nosso passado.
Nos vestidos de primeira comunhão das raparigas, como nos encontros entre jovens adultos na areia, possivelmente da praia de Algés, encontramos aquilo que os nossos pais e avós nos foram contando, e que sempre nos foi estranho. "Lisboa, Cidade Triste e Alegre" é um dos grandes trabalho históricos sobre os portugueses, e tem lugar cativo na estante de qualquer um de nós, devendo ser passado de geração para geração.
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Pormenores
A edição de "Lisboa, Cidade Triste e Alegre", de Victor Palla e Costa Martins, foi originalmente publicada em 1959, tem 175 páginas, e poemas de Rodrigues Migueis, Alexandre O´Neill, Armindo Rodrigues, David Mourão - Ferreira, Eugénio de Andrade, Jorge de Sena e José Gomes Ferreira. A edição da Pierre Von Kleist, www.pierrevonkleist.com, é fiel à original e custa 90 euros.
*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.
Não é, certamente, um poema lírico ou dominado pela beleza de um olhar breve, antes um longo "travelling" granulado, comovente e honesto sobre Lisboa e os seus habitantes. E tendo Lisboa acolhido desde sempre membros das mil tribos portuguesas, é um poema sobre pessoas que seremos sempre nós. O que primeiro fascina neste poema eterno é a capacidade que tem de revelar a alma dos fotografados. São os olhares, antes de tudo, mas também os rostos e os seus sulcos, as expressões e as suas duplicidades, os corpos e a sua pequenez, as poses vindas da vaidade e da vergonha, os cabelos e os penteados tão submissos, os vestidos e os fatos tão arrumados, tudo aquilo que transmite o que somos, mas que só é acessível aos apaixonados ou aos bons exploradores. O que Palla e Martins conseguem cantar, nesta primeira dimensão do seu trabalho, é aquilo que seremos sempre, quaisquer que sejam as máscaras que vamos escolhendo ou que a contemporaneidade inventa, medrosos, desconfiados, inseguros, apaixonados, sonhando em decepar todas as amarras, das familiares às da igreja, mas incapazes de o fazer, por dever, remorso ou cobardia.
Há nesta etnografia espaço para a alegria, como indica o título do livro, mas mesmo esta não nos ilude, é a possível, a precária, a que nasce do domínio da ilusão num momento tão curto. Uma terceira dimensão contida na fotografia feita pelos autores é a da visualização das memórias, ou seja a materialização iconográfica do nosso passado.
Nos vestidos de primeira comunhão das raparigas, como nos encontros entre jovens adultos na areia, possivelmente da praia de Algés, encontramos aquilo que os nossos pais e avós nos foram contando, e que sempre nos foi estranho. "Lisboa, Cidade Triste e Alegre" é um dos grandes trabalho históricos sobre os portugueses, e tem lugar cativo na estante de qualquer um de nós, devendo ser passado de geração para geração.
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Pormenores
A edição de "Lisboa, Cidade Triste e Alegre", de Victor Palla e Costa Martins, foi originalmente publicada em 1959, tem 175 páginas, e poemas de Rodrigues Migueis, Alexandre O´Neill, Armindo Rodrigues, David Mourão - Ferreira, Eugénio de Andrade, Jorge de Sena e José Gomes Ferreira. A edição da Pierre Von Kleist, www.pierrevonkleist.com, é fiel à original e custa 90 euros.
*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.