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A grande América de Italo Calvino

Em finais da década de 1950, o escritor Italo Calvino viajou intensamente pelos Estados Unidos e deixou escritas as suas impressões sobre o país e os americanos. Imagens muito actuais.

Italo Calvino, "Um Otimista na América", D. Quixote, 207 páginas, 2016
10 de Dezembro de 2016 às 12:30
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Italo Calvino é uma das vozes marcantes da literatura italiana e mundial do século XX. Se "As Cidades Invisíveis" ficam como marco fundamental de tudo o que escreveu, a sua obra está repleta de grandes livros. Ao longo dos anos, ele tentou sintetizar o choque entre os sonhos e a realidade. As cidades que ele descreveu e onde consegue absorver a sua grandeza ou o charme tornaram-se míticas.

Talvez isso tenha que ver com a origem de Calvino. Ele nasceu em Cuba e a sua habilidade para explorar continentes, cheios de sonhos contrários ou misteriosos, pode vir daí. Está sempre com um pé na terra e outro no mar. Longe de se querer colocar num lugar cimeiro de onde poderia observar o mundo, percorreu-o e viveu em muitas das cidades que surgem nas suas páginas. Como se fosse um marinheiro que chega a um porto e olha para quem lá está com atenção e ironia.

Em Novembro de 1959, com 36 anos, Calvino parte para a América. É isso que é descrito neste "Um Otimista na América". Espanta-se com Nova Iorque: "Primeiras definições de Nova Iorque: é uma cidade eléctrica, impregnada de electricidade, onde há carregadores de corrente a cada passo, onde se apanham choques eléctricos em toda a parte em que se pousar a mão." E com a América: "Que a América já não é o país da aventura, sabia-o eu; mas que os dias nova-iorquinos pareçam querer a este ponto afastar toda a possibilidade de imprevisto, não o esperava."

Calvino fica dois meses em Nova Iorque, o autor tenta o impossível: ver sem ser visto. Olha para a América como um observador paternal. Numa terra de contrastes, em constante evolução, Calvino começa a sentir-se em casa. E volta a ser paternalista ao sublinhar que talvez fosse bom ele (ou europeus) ensinarem aos americanos o que é a América. Escreve cartas aos amigos, em que mostra o fluxo de imaginação que vai absorvendo. Considera que as cidades americanas são o modelo das cidades invisíveis, cada uma com o seu ideal.

Insiste no papel da geografia na definição da América: "A solução geográfica foi a viagem para a América, realizada de uma vez por todas; não é concebível a ideia de tornar ao resto do mundo; que noutro sítio se esteja melhor do que nos Estados Unidos. Para fazer a guerra noutro sítio vai-se para defender a América, a sua geografia, o seu bem-estar ético-económico; mas depois volta-se. O expansionismo americano realiza-se com as mercadorias, os negócios, com a área do dólar, isso sim. É sempre a ilusão de que sejam as coisas, por si sós, a decidir. E afinal não decidem nada, só complicam as contradições do mundo, os problemas históricos acumulam-se. Agora, os problemas da América e os do mundo são um mesmo e único. E a América não sabe resolvê-los. E a Europa - mesmo que soubesse - não pode."

Pensemos numa coisa: Calvino escrevia isto em finais da década de 50, início da de 60. Agora voltamos a olhar para a América e para as suas contradições, sentindo que o seu destino se cruza sempre com o nosso. Mesmo que não façamos nada para tal. Por isso, este livro é uma pequena delícia.



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