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Selvagens: A última fronteira de Portugal

As Ilhas Selvagens são há muito disputadas por Portugal e Espanha por causa da sua localização estratégica. O Estado português comprou-as a um privado em 1971 e o negócio teve a mediação da família Espírito Santo.

03 de Março de 2017 às 12:00
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Fotos cedidas por: Espólio João Clímaco de Freitas (propriedade de Sara Freitas); Espólio Adolfo César de Noronha (propriedade de Cristina W. Abreu); Espólio Paul Alexander Zino (propriedade Francis John Zino); Arquivo da Família Espírito Santo. 

Julho de 2013. Cavaco Silva inicia uma visita oficial às Selvagens. Seria o terceiro Presidente da República a pisar a fronteira mais a sul de Portugal. Antes, já lá tinham estado Mário Soares e Jorge Sampaio. A visita naquele Verão não foi "inocente". Era preciso marcar território e dar um sinal a Espanha. Duas semanas antes, Madrid tinha contestado na ONU a proposta apresentada por Portugal de extensão da plataforma continental, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Mar. Oficialmente, a viagem é justificada pelo Palácio de Belém com o 50.º aniversário da primeira expedição científica àquelas ilhas e com o objectivo de "sublinhar a importância científica, ambiental e estratégica" do subarquipélago, situado a 165 quilómetros a norte das Canárias e a 250 quilómetros a sul do Funchal. A visita ficaria na memória dos portugueses. Muitos ficaram a saber naquela altura que havia uma ave marinha chamada cagarra.
Cavaco Silva visitou as Selvagens em Julho de 2013. Foi, até agora, o único Presidente da República a pernoitar no território mais a sul de Portugal.
Cavaco Silva visitou as Selvagens em Julho de 2013. Foi, até agora, o único Presidente da República a pernoitar no território mais a sul de Portugal. Luís Filipe Catarino/Presidência da República

Terra à vista

Diogo Gomes de Sintra foi o descobridor oficial das Selvagens em 1438. No relato do descobrimento, conta que a ilha era estéril e desabitada. Este santuário para aves marinhas é constituído por várias pequenas ilhas e, no total, ocupa uma área de quase 9.500 hectares. Há uma lenda em volta das Selvagens. Diz-se que, em 1701, o corsário escocês capitão Kidd escondeu ali à pressa um tesouro. Durante o século XIX, foram feitas várias expedições para encontrá-lo. E, em 1923, o explorador inglês Sir Ernest Shackleton pediu ao dono das Selvagens para fazer buscas nas ilhas, no regresso da sua viagem ao Pólo Sul. Dizia ter elementos fornecidos pela marinha britânica respeitantes à localização do tesouro. Shackleton acabaria por morrer na expedição, sem revelar o que sabia. O tesouro, se existiu, nunca foi encontrado.

Durante séculos, as ilhas pertenceram a particulares portugueses e foram feitas várias tentativas de colonização. Ainda existem alguns vestígios na Selvagem Grande, como muros de pedra e uma velha cisterna. Ao longo do tempo, foi havendo alguma actividade económica naquelas paragens. Era recolhida barrilha, uma planta de onde se extraía soda para produção de sabão, havia pesca e salga de peixe que depois era vendido na Madeira, assim como recolha de excrementos de cagarra, usados como fertilizante. Mas a actividade mais lucrativa foi mesmo a caça às cagarras.

O banqueiro Luíz da Rocha Machado comprou as Ilhas Selvagens em 1903. No livro "Salazar na crise da banca madeirense: uma teia de muitos nós", o economista João Abel de Freitas conta que o dono da Casa Bancária Rocha Machado & C.ª pagou "8 contos a um dos membros da família Cabral Noronha", proprietária das ilhas desde 1560, "que estava em situação económica difícil por dívidas de jogo". Após a morte do banqueiro, as ilhas foram herdadas pelo filho, que tinha o mesmo nome do pai.

Durante a década de 1910, houve vários incidentes com pescadores espanhóis que ali iam pescar e desembarcavam sem autorização. Havia grupos de mais de 40 pessoas, mulheres e crianças incluídas, que vinham de Lanzarote e ficavam vários dias na Selvagem Pequena. Uma prática que se manteve nas décadas seguintes e que levou as autoridades portuguesas a fazer vários contactos diplomáticos. A 15 de Fevereiro de 1938, Portugal ganha trunfos nesta guerra. Foi emitido um parecer pela então designada Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional onde é afirmada a soberania portuguesa nas Ilhas Selvagens. "Espanha, na altura mais preocupada com a guerra civil com que se debatia e com um governo pouco eficiente da defesa das suas posições diplomáticas externas, nada faz para impedir a posição portuguesa", escreve o investigador do ISCTE Pedro Quartin Graça, na sua tese de doutoramento "A importância das Ilhas do quadro das Políticas e do direito do mar - o caso das Selvagens".

Na prática, nada mudou. Como se prova numa carta enviada pelo chefe de gabinete do Ministério da Marinha ao secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, datada de 23 de Fevereiro de 1938. No documento refere-se que o chefe da Missão Hidrográfica das Ilhas Adjacentes, ao chegar às Selvagens, constatou que "durante a Primavera e Verão se encontram ali muitos espanhóis das Canárias que exploram a pesca e a caça, estabelecendo-se em terra com as próprias famílias, que os auxiliam no amanho e secagem do peixe". O chefe da missão pedia "instruções sobre qual a conduta a seguir: garantia dos direitos de Portugal dentro dos limites convencionais ou consentimento de pesca livre."

O "louco" protector das cagarras

Na década de 1940, Luís Rocha Machado (filho) alugava as ilhas para a caça à cagarra, uma ave marinha migratória que ali nidifica e vive em abundância entre Março e Setembro. Quando terminava a época de reprodução, eram organizadas expedições para capturar os juvenis. Eram-lhes extraídas as penas, que serviam para fabrico de colchões. A carne era salgada e seca ao sol. Depois era armazenada em barricas e seguia para a Madeira, onde era consumida. Esta actividade teve algum controlo até surgirem os barcos a motor. A partir daí a colónia sofreu uma razia. Na última campanha, em 15 de Setembro de 1967, foram caçadas 13 mil cagarras. Foi nesse ano que Paul Alexander Zino, um ornitólogo amador inglês, residente na Madeira, decidiu intervir. A história começa com um passeio de barco em 1957. Paul era amigo do alemão Günther Maul, o director do Museu de História Natural do Funchal, que o convidou para ir até à Selvagem Pequena. Paul alugava terrenos na Madeira e era um apaixonado pelo mar. A família, de origem britânica, chegou à Madeira em 1830. "Vieram de Gibraltar, onde tinham um negócio de venda de frutas e legumes para o mercado de Londres", conta o filho, Francis Zino, médico no Funchal. O contacto com cientistas criou nele uma nova paixão - as cagarras.

Günther Maul organizou uma expedição em 1963, juntamente com o major na reserva C.H.C. Pickering, um botânico amador britânico. "Esta expedição, que durou 10 dias, contou com a presença de cientistas de diversas especialidades, entre os quais os Drs. Christian Jouanin e Francis Roux, do Museu de História Natural de Paris, os quais se mantiveram intimamente ligados ao estudo da fauna ornitológica das Selvagens", escreve Pedro Quartin Graça, na sua tese. Para realizar a expedição, foi fretado o navio "Persistência", da Empresa Baleeira do Arquipélago da Madeira. Os cientistas tiveram o apoio financeiro das empresas ICI- Imperial Chemical Industries (Reino Unido) e Empresa de Cervejas da Madeira. Paul Alexander Zino e o filho, Francis Zino, foram convidados a participar como observadores. "Eu tinha 20 anos, era estudante de Medicina em Londres", recorda Francis. Corria o mês de Julho e por isso estava de férias na Madeira. "A minha missão era caçar coelhos e fazer pesca submarina para arranjar comida para aquela gente toda", diz a rir. Este contacto com os cientistas despertou em Paul Zino a paixão pelo estudo das aves.

Por esta altura, a colónia de cagarras nas Selvagens estava a ser dizimada pela caça, que durava há mais de um século. Os direitos de caça pertenciam a Rufino Menezes, José Rodrigues (conhecido como "José Batata") e Simplício Passos de Gouveia. Francis Zino conta que, em 1967, ele e o pai levaram Simplício Passos de Gouveia para um passeio no seu iate até às Selvagens. "Fomos dando voltas às ilhas", diz, e aperceberam-se de que "os espanhóis iam lá roubar ovos". As cagarras só põem um ovo por ano, o que dificulta a renovação da espécie.

Nessa altura, os três caçadores decidiram que não valia a pena renovar os direitos de caça. "O pai propôs comprar-lhes os direitos, mas para não caçar", conta o médico. Paul queria criar uma reserva e recuperar a colónia. Há 50 anos, ninguém estava preocupado com a ecologia e "o pai era considerado louco", afirma Francis, "pagar para não caçar cagarras?!" Paul falou com o dono das Selvagens, Luís da Rocha Machado, e propôs-lhe ser arrendatário por três anos, a contar a partir de 1968. Francis recorda que tudo foi preparado numa semana. "Ele queria construir uma casa, foi a minha mãe que a desenhou". A habitação, de 48 metros quadrados é, até hoje, a única particular que ali existe. Queria criar condições para receber cientistas. O que veio a acontecer. Até ao início dos anos 70, a pesca não era condicionada nas Selvagens e avistavam-se frequentemente embarcações madeirenses e canarinas.

Negócio interrompido

Em 1971, acabava o contrato de arrendamento de Paul Zino. "Fazer uma reserva privada sai caro", diz Francis. "Na expedição de 1963, estavam dois franceses que tiveram muita influência na nossa vida." Eram Christian Jouanin e Francis Roux, ornitólogos do Museu Nacional de História Natural de Paris. Os cientistas tinham contacto com o World Wildlife Fund (WWF). E, tendo conhecimento das dificuldades financeiras de Zino para manter a reserva, sugeriram que a organização ambientalista comprasse as Selvagens. "O pai foi a Genebra e aquilo começou a andar para a frente", conta. O proprietário Luís da Rocha Machado "queria que fosse o pai a comprar, porque eram amigos", recorda Francis. "Mas ele disse que não devia ser uma pessoa, ainda por cima estrangeiro. Devia ser uma organização mundialmente conhecida". Rocha Machado acabou por aceitar. Paul Zino tinha uma procuração do WWF e foi ele que assinou o contrato promessa de compra e venda, a 12 de Março de 1971. "Era um bom contrato. Eles [WWF] pagavam, mas entregavam a manutenção ao Estado português. O Estado não gastava um tostão", diz Francis. O valor de venda acordado foi 150 mil francos suíços.


Mas o negócio foi travado. A 21 de Abril desse mesmo ano, Paul foi informado, de forma não oficial, que o Governo não aprovava a venda das Selvagens ao WWF e que exerceria o direito de preferência. De imediato, transmite a Christian Jouanin o que está a acontecer. Duas semanas depois, o secretário-geral do WWF, Fritz Vollmar, informa Zino de que o príncipe Bernardo da Holanda, um dos fundadores e o primeiro presidente da organização ambientalista, enviara uma carta ao Presidente Américo Tomás solicitando o acordo de Portugal na venda das Ilhas Selvagens, para se tornarem uma reserva natural. A carta não surtiu efeito. A 14 de Junho de 1971, Paul Zino estava em Londres quando recebeu um telegrama do advogado do WWF, Frederico de Freitas, que dizia: "Informo-o de que o ministro das Finanças recusou a importação de capital e fará uma oferta de compra directa." Era necessária a autorização do Banco de Portugal e o regulador terá informado o Governo da transacção. O Governo da República exerceu o seu direito de preferência e o negócio morreu ali. Mas Francis Zino tem outra versão. "O Diário de Lisboa começou a dizer que o pai estava a fazer um negócio com os russos para fazer uma base de submarinos nas Selvagens", diz. O Executivo terá tido medo e decidiu agir, defende.

O príncipe Bernardo da Holanda era visita frequente na casa dos Espírito Santo. Vinha caçar em propriedades da família. Também neste negócio, os Espírito Santo tiveram um papel fundamental.

A diplomacia dos Espírito Santo

Manuel Espírito Santo era o presidente do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL). O historiador Carlos Damas revela, no livro "Manuel Espírito Santo Silva: Fotobiografia 1908-1973", que o banqueiro chegou a ser convidado duas vezes pelo presidente do conselho para embaixador de Portugal em Washington. O motivo era a sua excelente rede de contactos internacionais. O convite foi recusado. Manuel Espírito Santo considerava que era "mais útil à frente do banco", escreveu na carta que enviou a Marcello Caetano, em Fevereiro de 1970. Isso fica claro no processo das Selvagens.

"Consciente de que chefia uma família influente e bem relacionada com o poder político do país, e que está a participar também numa frente para esclarecimento da posição de Portugal no mundo, disponibiliza-se a receber personalidades estrangeiras. Quase poderá dizer-se que institucionaliza, às terças-feiras, um almoço para esses seus convidados, no terraço da mansão em Cascais [a Casa de Santa Maria]", escreve o historiador. Entre os convidados habituais, estão Richard Nixon, Giscard d'Estaing, o príncipe Juan Carlos, o rei Umberto II de Itália, Nelson e David Rockefeller, Walter Solomon e o príncipe Bernardo da Holanda, presidente e fundador do WWF.
O príncipe Bernardo da Holanda, presidente e um dos fundadores do World Wildlife Fund (WWF), com o banqueiro Manuel Espírito Santo, em Novembro de 1968, na Quinta do Peru.
O príncipe Bernardo da Holanda, presidente e um dos fundadores do World Wildlife Fund (WWF), com o banqueiro Manuel Espírito Santo, em Novembro de 1968, na Quinta do Peru.
Manuel Ricardo, filho mais velho do banqueiro, serviu de ligação entre o poder político, o WWF e o proprietário das ilhas. A troca de correspondência mostra que houve uma intervenção directa da família Espírito Santo no processo. "Em breve, tudo estará resolvido a contento de todos", garantia Manuel Ricardo numa carta enviada a Paul Zino em 14 de Julho de 1971. Na carta, dava conta de que ele e seu pai, Manuel Espírito Santo, tinham sido recebidos em audiência por Américo Tomás no dia 5 de Julho, "a quem relatámos todo o assunto acerca da actual situação das Ilhas Selvagens". E garantia que "Sua Excelência apercebeu-se da urgência da sua resolução". Na mesma carta é referido que o assunto já havia sido discutido noutras "conversas" com o Presidente. Dias depois, o Estado assinou a escritura de compra e venda. Não é claro se a função dos Espírito Santo no processo das Selvagens foi apenas "diplomática" ou se o banco financiou a operação. Certo é que estiveram sempre nos bastidores, fazendo a ligação entre as várias partes interessadas. Mas, na sua investigação, Pedro Quartin Graça defende que o BESCL foi mecenas do Estado nesta operação. A família nega.

A primeira Reserva Natural do país

A 17 de Julho de 1971, o Estado português comprou "um grupo de ilhas e ilhéus, denominadas 'Ilhas Selvagens', sitas no Oceano Atlântico" por um milhão de escudos, pode ler-se na autorização de pagamento da Direcção-geral da Fazenda Pública, datada de Setembro desse ano. Aos valores de hoje, as ilhas custaram o equivalente a cerca de 260 mil euros. O documento das Finanças refere que "esta despesa tem compensação na receita", mas não justifica como. O objectivo foi instituir uma "Reserva", o que veio a acontecer com a publicação do decreto-lei n.º 458/71 de 29 de Outubro, onde se lê que passa a ter este estatuto "toda a área das Ilhas Selvagens e também a orla marítima que as rodeia até à batimétrica dos 200 m". Mais tarde, será classificada como "Reserva Natural" definida pelo "território das ilhas e pelos fundos marinhos até à batimétrica dos 1.000 m", lê-se no artigo 1 do Decreto Regional n.º15/78/M, de 10 de Março. Seria a primeira reserva natural do país e uma das mais importantes áreas de nidificação de aves marinhas de todo o Atlântico Norte.

"Compraram e não fizeram nada", afirma Francis Zino. A família continuou sempre a ir para a sua casa na Selvagem Grande. Foi, aliás, Paul Zino que recebeu o secretário de Estado do Tesouro Costa André, a 8 de Outubro de 1971, quando visitou as ilhas. Seria a primeira visita oficial após a aquisição às Ilhas Selvagens. O 25 de Abril de 1974 também chegou ao ponto mais a sul de Portugal. Nos anos "quentes" que se seguiram, populares em embarcações de pesca foram para lá e "mataram tudo o que era vivo", diz Francis. Na casa da família "só ficaram as paredes de cimento." Os pescadores exigiam a liberdade da caça às cagarras e "só agora é que a colónia de cagarras está a recuperar", refere. Em 1976, foram realizadas várias expedições de caça, tendo sido mortas, de acordo com o conservador do Museu de História Natural do Funchal, Manuel Biscoito, 14 mil aves, incluindo adultos e juvenis de cagarra. A partir desse ano, passou a haver vigilância nas Selvagens, mas apenas entre Abril e Outubro. Só em 1982 a Reserva Natural construiu uma casa abrigo para os guardas na Selvagem Grande e passou a haver vigilância permanente. Actualmente, estão lá dois vigilantes, que pertencem ao Instituto das Florestas e Conservação da Natureza. Em 1991, a gestão destas ilhas passou a ser inteiramente da responsabilidade da Secretaria Regional do Ambiente, através do Parque Natural da Madeira. Francis Zino ainda hoje está ligado às Selvagens e passa lá temporadas. Herdou do pai a paixão pelas aves e tornou-se também ornitólogo. "Quando não sou médico, sou cientista nas ilhas", diz.
José de Freitas viveu alguns meses na Selvagem Grande sozinho, nos anos 1950.
José de Freitas viveu alguns meses na Selvagem Grande sozinho, nos anos 1950.
Todos os Presidentes da República após o 25 de Abril visitaram as Selvagens, excepto Ramalho Eanes. Mário Soares visitou-as em Setembro de 1991. Na altura, estava acesa a discussão sobre a Zona Económica Exclusiva portuguesa. O motivo da visita de Jorge Sampaio, em Abril de 2003, foi a candidatura das Ilhas Selvagens a Património Natural da Humanidade da UNESCO. Uma candidatura que acabou por ser retirada por "haver a percepção de que não iria passar", diz o conservador Manuel Biscoito. Neste momento, está a ser preparada uma nova candidatura. Só dez anos depois outro Chefe de Estado pisaria de novo aquele território. Cavaco Silva chegou em Julho 2013 e ficou a dormir na Selvagem Grande. Um acto simbólico. Isso provava que as ilhas eram habitáveis e reforçava a soberania de Portugal. Era um sinal para Espanha. Até agora, foi o único Presidente a pernoitar ali.
Pescadores na Selvagem Grande, início dos anos 50
Pescadores na Selvagem Grande, início dos anos 50
Marcelo Rebelo de Sousa fez uma visita-relâmpago a 30 Agosto de 2016. A justificação para a visita foi "curiosidade jurídico-política", mas garantiu: "Não há nenhuma preocupação quanto à soberania, não há nenhuma premência de natureza jurídica ou política." O Presidente da República quis ouvir os argumentos dos especialistas sobre o alargamento da plataforma continental nacional. Uma proposta apresentada por Portugal em 11 de Maio de 2009 nas Nações Unidas, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Mar. Espanha contestou em 2013, mas retirou a objecção em 2015, numa nota oficial publicada no site da ONU, onde não explicou o porquê do recuo. A proposta portuguesa prevê que Portugal ganhe mais de dois milhões de quilómetros quadrados. Se for aprovada, o território português passa a ser constituído em 97% por mar. A proposta portuguesa só deverá começar a ser avaliada no início de 2018 e espera-se que a decisão final seja tomada em 2020. Em todas as visitas presidenciais o objectivo foi "marcar" a soberania portuguesa no território mais a sul de Portugal. A Marinha Portuguesa reforçou a vigilância e o apoio às Selvagens. Desde Agosto de 2016 que as Selvagens são patrulhadas em permanência por dois agentes da Polícia Marítima e foi construído um posto do comando local. A eles juntou-se já este ano um elemento da Autoridade Marítima.

O braço-de-ferro com Espanha

É antiga a disputa deste subarquipélago entre Portugal e Espanha. O que interessa aos espanhóis não são as ilhas propriamente ditas. São as águas à volta. A localização das Selvagens permite o aumento significativo da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa, que é a terceira maior da União Europeia. E, por isso, alarga as possibilidades de exploração de recursos nessa área. No centro do diferendo entre os dois países está a classificação jurídico-geográfica das Selvagens. Os espanhóis dizem que são rochedos. Portugal defende que são ilhas. Não é apenas uma questão de terminologia. "Se forem considerados rochedos, automaticamente a ZEE de Espanha será muitíssimo superior", explica Pedro Quartin Graça. O que significa que "pode explorar todo este espaço que agora lhe está vedado". No caso de serem consideradas rochedos, as Selvagens deixam de fazer parte da ZEE de Portugal". E, tendo em conta que há estudos da Marinha espanhola e portuguesa, nem todos públicos, que apontam para a possibilidade de "haver no fundo do mar hidrocarbonetos e outras substâncias muito valiosas", é fácil de perceber que "há um conjunto muito significativo de riquezas que podem ser exploradas". Por isso, o investigador não tem dúvidas: "Esta é sobretudo uma questão económica e não política." 
Selvagem Grande em 1922
Selvagem Grande em 1922
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, chama-lhe "uma diferença de pontos de vista" que "em nada prejudica a relação entre os dois países". Reconhece que "há uma questão pendente", mas o tema não está em cima da mesa. De acordo com a Lei do Mar, para serem consideradas rochedos, terá de provar-se que não são habitadas e que não têm actividade económica. Mas a História mostra que "nas Selvagens sempre houve pessoas que lá ficaram meses seguidos", defende Pedro Quartin Graça e, sublinha, Cavaco quis provar isso mesmo quando lá dormiu. Para Francis Zino, não há dúvida, as Selvagens são ilhas povoadas. A prova, diz, é o facto de a sua casa na Selvagem Grande pagar IMI. Quanto à actividade económica, refere Pedro Quartin Graça, sempre houve "aquilo que era possível existir" e depois deixou de haver quando o Estado transformou as ilhas em reserva natural "numa decisão de política pública". Apesar da paz aparente que se vive neste momento, este "não é um dossiê fechado", defende. 



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