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Selva de açúcar

Jângal e Sugar são dois espectáculos jovens, críticos, onde ressaltam os contornos da tecnologia nos nossos quotidianos. Cada um deles, à sua maneira, deixa aberta a porta da vontade para descobrir qual será o próximo passo destes dois grupos: eis o Teatro Praga e Silly Season.

Estelle Valente
07 de Julho de 2018 às 14:00
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Jângal 
São Luiz Teatro Municipal, Lisboa

"É esquisito e ao mesmo tempo é lindo." A frase pode ser lida numa das pastas que constituem Jângal, o novo espectáculo do Teatro Praga. Querendo-se ou não, resume o que se experiencia do lado de cá da plateia.

Entrar em Jângal é entrar num novo mundo, para nunca mais sair: um mundo onde se coloca em evidência a força da linguagem para criar realidades. Criaturas como sereias ou dragões ganham existência através das palavras. E isso, no seu jeito, é também uma forma de existir.

O Teatro Praga coloca todas as espécies ao mesmo nível, em diálogos inesperados e, no bom sentido, desconfortáveis. Com essa simplicidade aparente da cena, Jângal apresenta-se como uma pesquisa teórica coerente, onde o lado plástico, textual e sonoro só nos deixa entrar levemente. Cada pasta é uma pasta dentro de uma pasta, diríamos. As referências do universo "pop" entram frequentemente em cena, sem autorização, como já é habitual.

Embrulhado num inglês robótico e mordaz, o espectáculo viaja por uma diversidade de temas sem cair no risco do aborrecimento. É um conjunto consistente de situações aleatórias que definem (sem fechar) novas formas de lidar com esta coisa a que chamamos presente e de despertar para o modo como a tecnologia se imiscui nos nossos quotidianos.

Jângal acerta na cor, na luz, no cenário, no ritmo electrónico, na voz de Gisela João, na mensagem. O espectáculo assume-se como uma das propostas teatrais mais sólidas desta temporada e eleva a fasquia para André E. Teodósio, José Maria Vieira Mendes e Pedro Penim. O que farão eles a seguir? É um desafio. "We're in trouble." Ainda bem. 

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Sugar 
Escolha de Mulheres Clube Estefânia, Lisboa

Um actor, 20 e poucos anos, sentado numa cadeira. À sua frente projecta-se a experiência de navegação online nos nossos dias. Janela atrás de janela, separador atrás de separador, sem uma lógica de cadeia entre eles, além da mera sucessão. Nem uma palavra humana. Tudo ali é digital, rápido.

É talvez o quadro mais maduro e crítico de Sugar, o mais recente espectáculo do grupo Silly Season. É uma visão acertada ao modo como vivemos tão ligados, com tanto acesso ao conhecimento e, ao mesmo tempo, não temos nada para dizer. São vários minutos de introspecção necessária, desconfortável quando se dá esse embate com as nossas realidades.

É esse desconforto que se alimenta do princípio ao fim da peça. O grupo começa, em ambiente de festa, por percorrer um conjunto de elementos frequentemente associados à identidade portuguesa. Das expressões populares aos símbolos, tudo é tirado do seu local habitual para dar conta de como este Portugal é capaz de (se) vender pelo "very typical".

Sugar é uma rapsódia de quadros em que uma nova geração, já com alguns anos destas andanças, se mostra descrente pelo modo como se organiza o mercado cultural em Portugal. É como se o sonho, maior do que eles próprios, não fosse tão cor-de-rosa como no início. Ricardo Teixeira e Ivo Saraiva e Silva protagonizam os momentos mais densos, seja pela carga dramática ou cómica.

Um espectáculo em que os brilhos, as purpurinas, os pêlos e as peles surgem em cargas iguais. É uma mistura de referências tão grande que se torna impossível, por mais que se ande desligado dos fenómenos virais, não reconhecer a origem de alguns desses momentos. Os Silly Season terminam o espectáculo com uma prova de resistência. Escolha arriscada e inteligente para fazer passar uma mensagem: enquanto existir alguém na plateia, eles vão continuar a correr. 


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