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"Panama Papers": O mundo paralelo do dinheiro

A viagem ao mundo do dinheiro que viaja à velocidade da luz, com a cumplicidade do mundo político, está no livro "Panama Papers", lançado pelos jornalistas alemães Bastian Obermayer e Frederik Obermaier.

23 de Setembro de 2016 às 11:00
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Há alguns meses, os "Panama Papers" foram uma espécie de abalo sísmico nas estruturas degradadas onde se vai movendo a finança mundial. O mundo político, aliado cúmplice desses paraísos por onde o dinheiro sem cheiro vai saltitando sem donos aparentes, foi também chamuscado. Na altura, jornalistas de 80 países começaram a divulgar dados de contas que, especialmente no Panamá, mostravam a riqueza de alguns personagens, uns mais mediáticos do que os outros. Foi uma riqueza escondida que veio ao de cima, como se fosse um "iceberg" que todos tinham a noção que existia, mas que ninguém desejava saber na realidade. A trama está agora compilada no livro "Panama Papers – A história de um escândalo mundial".

Na altura, políticos como Vladimir Putin ou David Cameron tiveram de dar (ou evitar dar) explicações. Na China, foi-se mais longe: a pura menção aos "Panama Papers" foi censurada. Os documentos revelados por uma fonte incógnita tinham um epicentro: o escritório de advogados Mossack Fonseca, com sede no Panamá, mais cuja teia abrangia todo o globo. E dois jornalistas alemães do Süddeutsche Zeitung, Bastian Obermayer e Frederik Obermaier, acabaram por, sendo os primeiros a receber as informações, abrir as comportas. Tudo começou com uma nada inocente frase num e-mail de um desconhecido John Doe: "Estão interessados em informação?" Estavam.

Foi assim que chegaram aos jornalistas 11,5 milhões de documentos com origem na Mossack Fonseca, que incluíam e-mails, relatórios bancários e cópias de passaportes que mostravam como a sociedade de advogados guiava os seus clientes e mantinha na escuridão a sua riqueza. O dilúvio era brutal: surgiam cerca de 214 mil sociedades "offshore". A acção da ICIJ (o consórcio internacional de jornalistas) levou a que o impacto fosse maior.

O livro que agora conta a história e o desenvolvimento da investigação acaba por ser uma viagem ao labirinto deste universo que poderia ser descrito pelos locais onde a Mossack Fonseca tinha escritórios: Anguilla, Bahamas, Belize, Ilhas Virgens Britânicas, Costa Rica, Chipre, Hong Kong, Malta, Holanda, Panamá, Samoa, Seychelles, Reino Unido e dois estados norte-americanos: Nevada e Wyoming.

Escrevem os autores: "Os dados têm uma vantagem: não são arrogantes ou tagarelas, não têm uma missão ou intenções manipuladoras. Estão apenas ali e podem ser verificados. Qualquer bom conjunto de dados pode ser confrontado com a realidade – e é exactamente isso que devemos fazer enquanto jornalistas, antes de escrevermos sobre a questão".

Os autores realçam um facto: a fonte não pedia dinheiro em troca do que enviava. Vladimir Putin e os seus amigos foram um alvo rápido e um dos primeiros. O então primeiro ministro islandês Sigmundur Gunnlaugsson, que teve de se demitir após a divulgação de dados referentes às suas contas escondidas, outro. Depois, apareceram bancos alemães, Bashar al-Assad, a FIFA e a UEFA (e os homens que as dirigiam ou dirigem), os empresários chineses. Tudo pessoas que se movem neste mundo global sem fronteiras que as mudanças tecnológicas conseguiram criar nas últimas décadas.

Como pano de fundo, está sempre a actividade pouco ética de alguns no meio destas transferências electrónicas de dinheiro e nas linhas pouco difusas de fuga aos impostos e da busca de locais onde as taxas fiscais sejam mais benéficas.



Claro que tudo o que aqui se desvenda tem um lado mais sombrio susceptível de interrogações morais: porque é que, com a globalização, o mundo se tornou mais desigual? Até porque, com o tempo, aquilo que era a grande batalha (a desigualdade Norte-Sul) passou a transformar-se numa desigualdade interna dentro dos próprios países desenvolvidos. Não foi um acaso o impacto político de tudo isto: o surgimento de movimentos populistas, a implantação de nomes como Donald Trump ou Marine Le Pen, o próprio Brexit.

A viagem dos autores ao mundo do dinheiro que viaja à velocidade da luz e que dribla todas as formas de controlo estatal é, por vezes, parecida com uma ficção. Às vezes, parecemos estar a seguir uma aventura alucinada onde se vão amontoando nomes das sete partidas do mundo. Confrontada com todos estes dados, a Mossack Fonseca (ou Mossfon, como a vão tratando os autores) vai driblando as perguntas. Os autores escrevem: "Em concreto, uma das mentiras daquela resposta da Mossfon é a de que a Mossack Fonseca nunca trabalha com clientes finais, só com intermediários, como advogados, administradores de bens ou bancos. Garzón escolhe o seguinte exemplo: a Mossfon seria uma espécie de grossista que fornece produtos aos pequenos comerciantes – com a diferença de esses produtos serem empresas. E, de facto, só por si, uma empresa não tem nada de proibido nem de mau. É da responsabilidade dos pequenos comerciantes decidir a quem vendem, depois, as empresas e determinar o que os clientes finais fazem com elas. (…).

Uma comparação interessante, mas que não está correcta. (…) Preferimos reter uma imagem que o ex-inspector de impostos norte-americano Keith Prager escolheu. Diz ele que, para uma grande variedade de bandidos astutos, as empresas-fantasma equivalem aos automóveis de fuga para os vulgares assaltantes: servem para fazer escapar os delinquentes". Ou seja, a arquitectura que a sociedade de advogados engendrou para clientes de todo o mundo acaba por ser uma forma elegante de escape a qualquer tentativa de controlo. Esse percurso é descrito aqui de uma forma clara e isso permite-nos também perceber melhor o mundo paralelo onde o dinheiro circula. Este livro acaba por ser importante para que as sociedades voltem a reflectir sobre o mundo em que vivemos e sobre os limites da evasão fiscal. Algo que a globalização exacerbou de forma muito criativa e radical.

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