Nascer numa família política não é um mero detalhe biográfico. Dos 73 elementos que passaram pelo Governo de António Costa desde o início da atual legislatura, pelo menos 17 já tiveram familiares na política. O que explica este fenómeno? Filipa Roseta, deputada do PSD, aponta para uma questão de "educação". Isabel Moreira, deputada do PS, fala em "privilégio" e num "fator dinástico". O ex-presidente do Tribunal de Contas Guilherme d’Oliveira Martins refere o envolvimento na política como algo que faz parte do "código genético". E Luís Marques Mendes, ex-presidente do PSD, admite que gostava de ter uma neta no Parlamento.
Há três séculos que o apelido de Guilherme d’Oliveira Martins faz parte da política nacional. O tetravô de Guilherme d’Oliveira Martins foi Ministro do Reino durante o reinado de D. João VI, entre 1823 e 1824; o seu tio-bisavô foi Ministro da Fazenda em 1892 ; e um dos seus filhos foi, até outubro do ano passado, secretário de Estado das Infraestruturas no Governo de António Costa.
Para o atual administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, entrar na vida política nunca foi uma dúvida, mas uma questão de quando. "Os meus pais e os meus avós sempre me ensinaram: se não estamos disponíveis para assumir funções de serviço público, isso significa que outros o farão e, se calhar, não serão os melhores", recorda.
Logo após o 25 de Abril, Guilherme d’Oliveira Martins esteve envolvido na fundação da Juventude Social Democrata; depois, em 1979, mudou de bancada. Foi "natural". Estava a seguir os passos dos seus antepassados, a servir o país. Ainda assim, o ex-ministro defende que a linhagem familiar não deve funcionar como chave-mestra para ter acesso ao poder político.
"Se é uma vantagem em termos de privilégio? Não, não deve ser. Eu sou republicano, portanto entendo que as escolhas não devem ser feitas por razão de hereditariedade. Mas alguém que tem um conhecimento e um envolvimento político maior não se deve excluir, não deve ser indiferente, e deve estar disponível", diz.
Ser descendente de um político não é garantia de ter carreira política, mas este fator também não é algo residual. Dos 73 elementos que passaram pelo Executivo de António Costa desde o início da atual legislatura, pelo menos 16 já tiveram familiares na política - desde as lideranças partidárias, às autarquias e ao Parlamento. No Portugal pós-revolução, em 16 primeiros-ministros empossados, cinco eram descendentes de políticos; e, em sete Presidentes da República eleitos, quatro caem no mesmo espetro.
O que é que estes números exprimem? Que em todas as democracias, há dinastias informais. Não há reis, rainhas, cetros ou coroas, mas há vocações e ideais que são herdados, privilégios que são legados. E é por isso que não é incomum encontrarem-se, ao longo de diferentes gerações, os mesmos apelidos no campo político.