Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Onde fica a nossa casa quando a saudade se equilibra no oceano

As histórias dos outros têm sempre algo de nós. Quando se diz adeus à pátria, é ela que acaba por marcar o nosso discurso sempre que nos questionam sobre o novo destino. O Brasil e a emigração portuguesa pelos ouvidos atentos de Tiago Cadete.

19 de Maio de 2018 às 14:00
  • ...
Entrevistas - O novo trabalho de Tiago Cadete está em cena na Rua das Gaivotas 6, em Lisboa, de 17 a 19 de Maio. Voará para o Brasil no final do ano, com apresentações no Rio de Janeiro.

Toda e qualquer memória é construída. Aquilo que guardamos dos lugares, das vozes, dos toques dos outros na nossa pele não é mais do que uma variação constante ao longo do tempo.

É com memórias que se joga em "Entrevistas", o novo trabalho de Tiago Cadete. A trabalhar entre Lisboa e o Rio de Janeiro, o artista foi conhecer as histórias de emigrantes portugueses no Brasil. De gerações diferentes mas, curiosamente, com as mesmas preocupações. As preocupações dele próprio.

Por isso, Tiago não hesita em chamar este trabalho de "biografia expandida", apropriando-se de uma noção vinda das artes visuais. A palavra e a imagem são indissociáveis, tal como se mostra numa das entrevistas, quando o artista reencontra um colega de infância no Algarve, mas agora do outro lado do Atlântico.

Em "Entrevistas" levantam-se questões importantes sem a necessidade de um tom grave. Prendem pela sua universalidade e, em simultâneo, pelo seu carácter íntimo. Tiago Cadete desfia as narrativas que ele próprio ouve através de um auricular. É fiel às variações de voz, aos silêncios, aos risos. Isso é sinónimo de saber escutar.

Dá-nos conta dos pré-conceitos que envolvem a imagem do Brasil, da insegurança à tropicalidade. Capítulo a capítulo, entrecortados pela inversão de canções que facilmente associamos à identidade portuguesa. Porque é de identidade lusa que aqui acaba por se falar. "As pessoas queriam muito falar de Portugal. Com a tua saída começas a vislumbrar o que é Portugal", conta.

Pelo caminho, nestas viagens, mostra-se como é difícil o processo de fazer o luto à distância ou de questionar qual é, afinal, a nossa verdadeira casa. As questões da colonização, parte integrante da pesquisa de Tiago Cadete ao longo dos anos, marcam também presença para mostrar como ainda existem feridas abertas entre os dois países.

"Eu já não sou o mesmo", ouve-se numa das entrevistas. Mudar de pátria implica também mudar de identidade, de sotaque, de ideais. Novos contextos trazem novos horizontes: o país natal passa a ser visto à distância, num misto entre a saudade e a sensação de que já ali não se pertence.

Tiago Cadete não se limita a ser o porta-voz destas histórias. Ao longo da peça, é um verdadeiro ilusionista - no bom sentido. Três dezenas de ovos vão passando entre os seus dedos e, surpreendentemente, equilibrando-se de pé na mesa onde se dão as entrevistas. O truque de Cristóvão Colombo é metáfora simples e eficaz.

Nestes ovos definem-se territórios, encaixes, adaptações. Até que o final ditará o seu destino. O som do embate do seu conteúdo com o chão, evocando lágrimas portuguesas num Brasil longínquo. Esse som é passado, presente e futuro: é o nosso conteúdo, a nossa essência, a embater no desconhecido. Basta que tenhamos tomado a decisão de dizer adeus a um sítio que, outrora, foi a nossa casa. 


Ver comentários
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio