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O destino por cumprir de Marcelo Rebelo de Sousa
A história de Marcelo Rebelo de Sousa, publicada numa biografia do jornalista Vítor Matos, é também um retrato do País desde o período em que se inicia o declínio do Estado Novo.
Marcelo Rebelo de Sousa sempre foi visto como um predestinado. Trabalhou para ser o melhor em tudo. Apoiado pela mãe. Nunca chegou a primeiro-ministro ou a Presidente da República. Algo que lhe falta realizar, diz Vítor Matos.
O miúdo era brilhante e foi talhado pela mãe para ser o melhor. Pela extrema inteligência, Eduardo Barroso confessava ao primo João Soares que o amigo Marcelo iria ser primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa tinha 11 anos. Antes, aos seis anos, acompanhando o pai, Baltazar Rebelo de Sousa, subsecretário de Estado da Educação, Marcelo já cumprimentava Francisco Craveiro Lopes, então Presidente da República. E mesmo antes, quem conduziu Maria das Neves ao hospital, para dar à luz o filho Marcelo, foi o então Presidente da Comissão executiva da União Nacional, Marcello Caetano, o sucessor de Salazar à frente dos destinos do País.
Ao longo de mais de 600 páginas, a vida de Marcelo Rebelo de Sousa tem como pano de fundo alguns dos momentos mais importantes da vida política nacional. Desde o período de governação de Marcello Caetano, que Rebelo de Sousa apoiou, até à sua passagem pela liderança do PSD e a aliança com o CDS-PP, de Paulo Portas. Uma parceria que não resultou. Hoje, nas palavras de Vítor Matos, Marcelo Rebelo de Sousa é uma entidade. Pelo que diz, pela influência que as suas palavras assumem junto dos jornalistas e da opinião pública. Quem talvez resumiu da melhor forma a predisposição de Marcelo Rebelo de Sousa para condicionar a agenda mediática portuguesa foi Eduardo Prado Coelho, citado por Vítor Matos: "O facto político, na inovadora acepção de Marcelo, é portador da sua própria intriga imediata, de onde resulta que um facto político só existe se as pessoas começarem imediatamente a falar nele. O facto político só existe se saltar imediatamente para as primeiras páginas dos jornais", escreveu Eduardo Prado Coelho.
E Marcelo não se cansa de alimentá-los. Um dos últimos, não concretizado, passaria por uma remodelação governamental, com a entrada de Marques Mendes para o Executivo. Não chegou a acontecer. Mas, na segunda-feira seguinte, todos os jornais falavam do assunto. "Há um acontecimento qualquer, então ouve-se a CGTP, a CIP, a CAP, o PS e o PC e, depois, o Marcelo. Na segunda-feira , os jornais dizem o que o que as pessoas que têm cargos nessas entidades disseram, depois o que disse o Marcelo, que não tem cargo nenhum, que não representa ninguém a não ser a ele próprio. Conseguiu ter esse estatuto só por si", observa Vítor Matos.
Os tempos de Marcello Caetano
O melhor aluno no Liceu Pedro Nunes e que acabou o curso de Direito com média de 19 era irrequieto, não se coibia nunca de impressionar, de exibir as qualidades de um virtuoso intelectual. Marcello Caetano, professor catedrático e amigo do pai de Marcelo Rebelo de Sousa, não deixava de cultivar uma distância intransponível quando o filho de Baltazar Rebelo de Sousa se sentou pela primeira vez nos bancos da faculdade. A frieza termina anos mais tarde após Marcelo Rebelo de Sousa brilhar numa prova oral de Direito Administrativo.
O jovem que convivia com os ministros do regime mergulhava numa faculdade dominada por estudantes marxistas. Afamado de aluno brilhante, é mal visto entre colegas de esquerda, que associam o seu nome ao regime. Em 1969, apoia Marcello Caetano, numa altura em que já era habitual jantar em casa do catedrático de Direito. Em ano de crise académica, Marcelo Rebelo de Sousa vai expondo, ainda que timidamente, as suas ideias acerca do então ministro da Educação, José Hermano Saraiva. Marcelo fala de falta de sensibilidade política por parte do ministro.
"Essa proximidade com o [Marcello] Caetano é algo extraordinário. É uma coisa única, porque ele era um miúdo genial que fez o segundo ano do curso de Direito. O Caetano já não é o professor dele, logo já podia recebê-lo em casa. Marcelo relaciona-se com o então chefe do Governo numa altura em que o poder está a milhas de distância de qualquer ser mortal", observa o jornalista.
Cria, com Cândido Igrejas Bastos, o Movimento da Acção Académica (MAI), que defendia a demissão de Hermano Saraiva, posicionando-se à direita. Mas uma direita democratizadora. E que atacava também os associativistas, ligados à esquerda. "A história do MAI é uma coisa enquadrada no regime, que é suposto ser anti-associativa. A opinião do Pacheco Pereira é de que se tratava de algo patrocinado pelo regime. A verdade é o que parceiro [Cândido Igrejas Bastos ]dele nestas aventuras trabalhava no Secretariado Nacional da Informação", comenta Vítor Matos.
As próprias ideias de Marcelo Rebelo de Sousa não eram propriamente usuais na época. "Ele era desenquadrado do movimento estudantil. E era desenquadrado da direita. Aquilo não colava a nada. Era só ele, aquilo que ele pensava. Mas não sei se ele defendia aquilo tão convictamente, porque as eleições de 69 estavam próximas. E ele ainda estava com a União Nacional", explica Vítor Matos.
O idílio com Marcello Caetano termina quando Marcelo Rebelo de Sousa ganha uma coluna de opinião no jornal "A Capital". É o momento em que perde a esperança na renovação do regime, depois de a Lei da Imprensa e a Revisão Constitucional, propostas pelos liberais (Francisco Sá Carneiro e Pinto Balsemão), terem sido inviabilizadas. As relações esfriam. O motivo estava nas críticas lançadas ao regime por Marcelo Rebelo de Sousa na publicação "A Capital", conta a biografia. O choque dá-se quando Rebelo de Sousa assina um texto no "Tempo" a criticar a reforma do ensino universitário. A trabalhar na altura, a convite do ministro da Educação Veiga Simão, no Gabinete de Estudos e Planeamento e Acção Educativa, é pouco tempo depois afastado. O próprio Marcello Caetano endereçou uma carta a Veiga Simão a pedir que este afastasse Rebelo de Sousa das suas funções. "O Caetano envia uma carta a pedir para demitir o senhor M. Rebelo Sousa. Nem diz o nome porque, segundo a minha interpretação, nem seria digno de se chamar Marcelo. O chefe do Governo da ditadura pede ao ministro para despedir um simples tarefeiro. Ele não está a despedir um simples tarefeiro. Ele está a afastar o afilhado, o suposto afilhado. Ele está a deserdá-lo", frisa Vítor Matos.
Um destino por cumprir
As expectativas de Eduardo Barroso não viriam a concretizar-se. Marcelo Rebelo de Sousa ainda não chegou a primeiro-ministro. Foi líder do PSD durante o governo de António Guterres. Na altura, diz Vítor Matos, conseguiu vitórias importantes. "Ele nunca descolou nas sondagens. Teve sempre uns resultados miseráveis. Aposta na revisão constitucional e dali faz depender tudo. Faz a revisão constitucional depender do referendo à regionalização. E disso tudo depende a aprovação dos orçamentos. Se não há orçamento aprovado, não há euro, e o Guterres não queria que não houvesse euro", diz Vítor Matos.
O grande erro político, acrescenta o jornalista, foi a aliança pré-eleitoral com o CDS, não se sabendo ainda que Paulo Portas sairia vencedor do congresso centrista. "Qualquer pessoa percebia que aquilo não iria dar certo. A relação entre Portas e Barroso no governo correu bem. A relação entre ele e o Portas foi um desastre total. Nenhum confiava no outro", diz o jornalista.
Mas ainda faltam alguns dados para a biografia de Marcelo ficar fechada. "É qualquer coisa de não realizado na vida. Ele acha que não. Mas acho que para fechar a biografia tinha de ser primeiro-ministro ou Presidente da República", conclui o jornalista.