Notícia
O Pinhal do Rei foi deposto pelo Estado
A maior mata nacional, uma das mais antigas do mundo, ardeu quase na totalidade no passado dia 15 de Outubro. O calor e o vento foram extraordinários, mas não explicam tudo. A última grande intervenção na mata teve lugar em 2014 e cingiu-se à limpeza dos caminhos florestais. Desde 2013 que o ICNF não limpava o mato nem os arbustos como estava previsto – os 10 funcionários da mata só intervinham numa fracção do que estava planeado. O Pinhal ardeu e, nas suas cinzas, fica bem evidente a demissão do Estado na preservação do seu vasto património florestal.
Um desses incêndios deflagrou às 14:30 no lugar da Burinhosa, freguesia de Pataias e Martingança (Alcobaça), a poucos quilómetros da Mata Nacional de Leiria, no concelho da Marinha Grande. As chamas lavraram com violência e atingiram rapidamente proporções gigantescas. Os bombeiros chegaram em menos de nada: o primeiro alerta foi dado por populares através do 112 e, segundos depois, uma equipa de soldados da paz que se deslocava para o incêndio na praia da Légua (que havia deflagrado meia hora antes, a 10 quilómetros de distância) vislumbrou a coluna de fumo, comunicou este novo foco, partiu para o local e começou o combate.
A Mata Nacional de Leiria, habitualmente designada por Pinhal de Leiria, é provavelmente a mancha verde que os portugueses mais conhecem. Apesar de já existir antes do reinado de D. Dinis (1279-1325), foi durante o seu governo que foram feitas "as grandes sementeiras com pinheiro-bravo", a espécie que ocupa 98,1% dos 11 mil hectares da mata. Esta área resulta da "mais antiga acção de reflorestação em larga escala realizada pelo Homem, a partir do século XIII", de acordo com um relatório da antiga Autoridade Florestal Nacional (AFN).
Desse património com quase 800 anos, arderam cerca de nove mil hectares. Uma área que representa quase 20% do total das matas sob gestão do Estado que arderam. Como foi possível?
Pode olhar-se para as temperaturas, que colocaram metade do país em alerta vermelho no dia fatídico, e para os ventos especialmente fortes do furacão Ophelia. Mas a resposta não fica completa se não se olhar para décadas de desinteresse e desinvestimento na floresta, com sucessivas concentrações orgânicas que votaram ao quase abandono os 550 mil hectares de matas públicas.
Esse abandono foi particularmente visível na Mata Nacional de Leiria, que não é uma área protegida e que serve, no essencial, para produção de madeira e (de forma mais residual) de resina. Estas actividades geraram, no período 2003-2016, uma receita média anual de cerca de 1,5 milhões de euros (20,6 milhões no total dos 14 anos analisados). Mas o montante investido na mata não chega sequer a 10% desse encaixe. Olhando para o mesmo período, foram investidos 1,8 milhões de euros na mata, ou seja, 127 mil euros por ano.
Último investimento foi em 2014 e apenas nas faixas corta-fogo
E o investimento não só é reduzido como, em 2015 e 2016, nem sequer existiu, de acordo com os dados do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas). Com apenas 10 funcionários a trabalhar na Mata de Leiria - um técnico superior e nove assistentes operacionais, que ainda têm a responsabilidade de gerir outras quatro zonas florestais -, ninguém espera que sejam estas mesmas pessoas a garantir a limpeza anual da mata. Um trabalho que, este ano, deveria ter assegurado o corte de matos em 950 hectares, a limpeza de 73 hectares de povoamentos e a desramação de 150 hectares.
O ICNF concorda que os 10 elementos em causa "são efectivamente escassos" e acrescenta que, para a maioria das "acções de limpeza de matos e intervenção em aceiros, são contratados serviços externos". Olhando para o portal de contratação pública Base, a última vez que se contratou um serviço de limpeza específico para a Mata de Leiria foi em 2012 - num procedimento ainda gerido pela ex-AFN, extinta em 2012 e fundida com o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) no ICNF.
O serviço, no valor de 304 mil euros, foi adjudicado à espanhola Fitonovo (em Portugal, adoptou a designação Perene). Esta empresa surge na investigação aos vistos "gold" uma vez que, segundo o Observador, se mostrou interessada em participar nos concursos de aquisição de meios aéreos para combater os fogos florestais. Em Espanha, o grupo está a ser investigado no âmbito de um esquema nacional de corrupção.
Os dados oficiais do ICNF referem um outro investimento nos anos de 2012/2013, de 115 mil euros, ao abrigo de fundos comunitários (PIDDAC), que resultaram numa intervenção (que se presume ser sinónimo de limpeza) em 458 hectares. Depois disso só há registo de mais uma acção, em 2014, avaliada em 90 mil euros, mas que apenas serviu para limpar caminhos florestais - em concreto, a intervenção serviu para melhorar 60 quilómetros de aceiros e arrifes ("faixas corta-fogo, em linguagem não técnica", diz o ICNF) e foi feita em colaboração com o Exército, ao abrigo do plano Faunos.
De lá para cá, não terá havido mais nenhum investimento - apenas foi aprovado, para este e para o próximo ano, um montante de 1,6 milhões de euros para intervir numa área de 1.631 hectares, que ainda não teve tradução no terreno.
Tal significa que, desde 2013, não existiram grandes intervenções de limpeza de matos e outro material combustível e, desde 2014, não há nenhuma intervenção nos caminhos florestais. Poderá, então, concluir-se que não se fez absolutamente nada nos últimos três a quatro anos? Não exactamente: nesse período, foram sendo feitas algumas operações de limpeza com a "prata da casa", isto é, com os referidos 10 funcionários, mas que apenas se materializavam na limpeza de 20 a 30 hectares por ano, segundo fonte do ICNF.
O Negócios questionou o instituto se a limpeza da mata em 2015, 2016 e 2017 foi feita respeitando integralmente o que havia sido planeado - e que rondava os 1.200 hectares por ano. A resposta do ICNF foi um "não", mas sem especificar o quanto foi limpo ou que ficou por limpar. "Uma parte dos investimentos preconizados no Plano de Gestão Florestal para serem realizados em 2015, 2016 e 2017 não foi concretizada, constando de projecto aprovado, que cuja execução estava prevista para 2017 e 2018", respondeu o instituto. Por isso, havia zonas em que "o material combustível estava acima do que tinha sido idealizado por nós", aponta a mesma fonte do instituto.
Também desde 2010 que não se fazia a "inventariação de árvores para corte por escassez de recursos humanos disponíveis para assegurar a realização dos clássicos inventários florestais". Essa inventariação permitiria acompanhar a evolução dos pinheiros e seleccionar os próximos a serem sujeitos a cortes culturais quando atingissem os 70 anos. Esse trabalho deveria ter lugar em, pelo menos, 650 hectares por ano. Os cortes culturais garantiriam "a descontinuidade de combustível que minimiza o impacto de eventuais incêndios", traça o Plano de Gestão Florestal (PGF) da MNL.
Em 1986 havia 181 funcionários na Mata, agora existem 10
Em suma, a mata estava ao abandono, refere o investigador Gabriel Roldão, autor do livro "Elucidário do Pinhal do Rei". E estava ao abandono especialmente depois do grande incêndio de 2003, que consumiu 2.500 hectares ("apenas" um quarto da área ardida em Outubro deste ano). "Ardeu uma vasta zona, altamente frágil, de protecção aos movimentos eólicos e dunares que vêm da costa do Atlântico. O ICNF não fez rigorosamente nada para recuperar esse património. Esses hectares não foram recuperados, nem limpos, não foi feito trabalho algum. As árvores nasciam, uma ou outra, dispersas. Um pinhal desordenado, sem sequência. Ficou ali praticamente um deserto, ocupado por matos e plantas invasoras", denuncia.
O desinvestimento do Governo e do Estado na floresta não é de agora. É um processo que leva décadas, atravessou Executivos de todas as cores e acabou na actualidade, com pouco mais de meia dúzia de pessoas a trabalhar para a principal mata do país. O Plano de Gestão Florestal da Mata de Leiria ajuda a perceber a descapitalização que foi ocorrendo.
"Na década de 1980, aquela que é a mata nacional mais emblemática, a MN de Leiria (a maior propriedade florestal portuguesa, com mais de 11.000 hectares), possuía duas administrações florestais distintas (Engenho e Vieira de Leiria), sendo a sua gestão apoiada tecnicamente também pelos serviços da circunscrição florestal sediada na Marinha Grande." Nessa altura, "estavam directamente afectos à gestão dessa mata quatro técnicos, quatro mestres florestais, 29 guardas florestais e 144 trabalhadores rurais". No total, 181 pessoas, o que contrasta com a actual dezena de funcionários.
Recuando ainda mais a fita: no século XIX, o Pinhal de Leiria "chegou a ter 700 trabalhadores", conta Gabriel Roldão.
Dados da AFN mostram que, entre 1986 e 2008, o pessoal a trabalhar nos serviços florestais passou de perto de 4.000 para menos de 1.000. Actualmente, o cenário será mais negro, depois dos programas de emagrecimento de funcionários públicos, PRACE (2005) e PREMAC (2012), altura em que se fundiu a AFN e o ICNB no ICNF.
Outras decisões ajudaram a chegar ao ponto em que estamos - não existe praticamente ninguém a trabalhar nas florestas. Na Estratégia para a Gestão das Matas Nacionais, elaborada pela ex-AFN em 2012, recorda-se que, em 1981, a "competência do combate a incêndios florestais foi transferida para as corporações de bombeiros, muito menos qualificadas tecnicamente para o fazer nas áreas de influência dos Serviços Florestais", o que teve "reflexos na qualidade técnica do combate e na diluição de responsabilidades quanto aos resultados obtidos".
Depois, em 1996, "a estrutura do Instituto Florestal (IF) foi desmantelada e regionalizada, com o pressuposto de criação de uma empresa pública para a gestão das áreas a cargo do Estado", que nunca sucedeu. Consequências: "Encerramento das administrações florestais e grande diminuição das acções normais de gestão e manutenção" e "desligamento das tarefas de gestão florestal do corpo de guardas e mestres florestais afectos à gestão e vigilância directa das matas nacionais e perímetros florestais".
Em 2006, o Corpo Nacional da Guarda Florestal foi transferido para a GNR, "o que veio definitivamente desligar os guardas e mestres florestais da fiscalização e vigilância das matas nacionais e perímetros florestais". Nesse ano, também passou para a GNR a "gestão da Rede Nacional de Postos de Vigia, mesmo aqueles que se situam no interior das matas nacionais e perímetros florestais". Nesse documento, notava-se que "não existe investimento no reforço e rejuvenescimento do corpo técnico de gestão florestal desde 1994/1995".
A Guarda Nacional Republicana integrou, em 2006, 491 guardas florestais, dos quais restam 302, essencialmente devido à passagem à reforma de 189 destes elementos, informou esta força militar. Os guardas florestais foram integrados no Serviço da Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), que hoje tem 913 elementos. A GNR assegura que, actualmente, "se encontram afectos à zona da Mata Nacional de Leiria dez guardas florestais".
Falta de limpeza pode ter ajudado a propagar incêndio
A GNR também garante que, no dia 15 de Outubro, quando deflagrou o incêndio na mata, estavam "activos" dois postos de vigia, de "Crasta Alta e Ponto Novo", estando os dois "inseridos no interior da mancha florestal, os quais se encontravam em plena actividade durante as 24 horas diárias". Nada disso foi suficiente para travar o avanço das chamas.
As autoridades estão ainda a investigar as causas do incêndio. O Jornal de Leiria de 26 de Outubro citava uma fonte da Polícia dizendo que o incêndio tinha tido origem num reacendimento de um fogo que havia lavrado na madrugada anterior.
Para o ICNF, foi a extraordinária conjugação de calor e vento a provocar o trágico fogo. "As características do incêndio que veio de fora da Mata de Leiria, bem como o estado de todos os combustíveis, em particular o arvoredo, proporcionado por um grande período de seca e baixíssimos teores de humidade, e ainda pelas condições de severidade do incêndio, com fortes ventos de orientação sul-norte, foram os factores determinantes para as proporções e características do fogo que atingiu fortemente as Matas de Leiria, Pedrógão e Urso."
O comandante dos Bombeiros da Marinha Grande, Vítor Graça, não diz preto no branco que a mata estava mal limpa. Mas dá a entender que estava: "Basta apenas verificar o estado de limpeza de grande parte dos talhões [que não arderam], podendo daí concluir-se sobre o investimento na sua limpeza." Recorda que em 2007 fez a primeira queixa sobre o estado de conservação da mata. E assegura que, nas reuniões que teve com elementos do ICNF, lhes transmitiu que seria importante que "alguns talhões, considerados preocupantes, fossem limpos, se possível". Acresce que, apesar de a intervenção de 2014 ter melhorado 60 quilómetros de caminhos da mata, "as estradas estavam extremamente degradadas, causando constrangimentos à circulação de viaturas de combate a incêndios. Todos os anos, tínhamos de fazer um reconhecimento aos aceiros e arrifes para perceber se estavam transitáveis."
No ICNF, admite-se que tal possa acontecer devido à pressão colocada por veículos motorizados como Moto 4, que aparecem por lá para efeitos recreativos.
Os agentes e vigilantes da natureza - um total de 118 para todo o país - iam à mata "esporadicamente". "Só passavam por lá se tivessem alguma missão específica, como algum corte de árvores para avaliação", informa Francisco Correia, presidente da Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza. E, com a expressiva redução de pessoal, "de certeza que a mata não estava limpa como noutros anos".
Ainda a mata não deixou de deitar fumo e o Governo já tomou medidas. A tragédia de 15 de Outubro soma-se à de Junho, e os grandes incêndios deste Verão - o pior de sempre em termos de área ardida - provocaram mais de 100 mortos.
Os primeiros sinais que chegam do Executivo mostram que já há o reconhecimento de que o número de pessoas nas florestas não é suficiente. Resta esperar para perceber se a entrada de novas pessoas conseguirá inverter este cenário ou se apenas se aprovarão medidas simbólicas que não mudam o estado de coisas.
É importante recordar que, para o corpo de vigilantes da natureza, "vão agora entrar 20 pessoas e abriu concurso para outras 30", enumera Francisco Correia. Quando o processo estiver concluído, o número destes profissionais chegará aos 170. E chega? Nem pensar: "Já pedimos que houvesse 600, mas talvez 900 fosse o número ideal. A Andaluzia tem 900, Espanha tem 7.500, Itália 12.000." Os números são esclarecedores: ainda há muito caminho a percorrer nas matas nacionais.
Parece um contra-senso. Um concelho essencialmente litoral, bem juntinho à água, viu mais de metade do seu território desaparecer no incêndio de 15 de Outubro. A Mata Nacional de Leiria ardeu quase na totalidade, poupando apenas a faixa mais próxima do mar.
O incêndio que destruiu quase na totalidade o Pinhal de Leiria teve origem no lugar da Burinhosa, na freguesia de Pataias e Martingança, poucos quilómetros a sul da mata. As chamas deflagraram por volta das 14:30 de dia 15 e não mais pararam. Pelo caminho, o fogo queimou ainda mais de metade das matas nacionais do Urso e do Pedrógão, tendo galgado o rio Lis. Mais de metade do concelho da Marinha Grande (54%) ardeu em consequência deste incêndio.
Factos sobre a Mata Nacional de Leiria
A Mata de Leiria é uma das mais antigas do mundo e, ao longo dos séculos, o pinheiro-bravo que ocupa a maioria da sua área foi-se aprimorando. Tanto que é considerado "de qualidade e crescimento superiores" e serviu de base a programas de arborização na Austrália ou África do Sul. Conheça alguns detalhes sobre a maior mata nacional.
A mais antiga acção de reflorestação do mundo
A Mata Nacional de Leiria resulta, "pelo menos em parte, da mais antiga acção de reflorestação em larga escala realizada pelo Homem, a partir do século XIII", lê-se na Estratégia para a Gestão das Matas Nacionais da ex-AFN.
O pinheiro desta mata é "considerado de qualidade e crescimento superiores" e os programas de arborização na Austrália, África do Sul ou Nova Zelândia "tiveram como base o pinheiro de Leiria".
O programa nacional de melhoramento genético desta espécie também se baseou nestes pinheiros.
Pinhal antecede D. Dinis, mas cresce com ele
A origem da Mata Nacional de Leiria "remonta a datas anteriores ao reinado de D. Dinis, mas foi com este rei que foram feitas as grandes sementeiras com pinheiro-bravo". Foi por ele "considerada como Mata da Coroa, tendo estabelecido as primeiras regras com vista à sua administração, dando-lhe para este efeito um primeiro regimento". Nas antigas Cartas de Lei, a mata chamava-se Pinhal do Rei; a partir do primeiro regimento, em 1524, passou a designar-se Pinhal de Leiria. O primeiro ordenamento da mata foi feito em 1892.
Investimento com apoio do PDR2020 foi chumbado
Os investimentos na Mata de Leiria nos últimos anos são escassos, mas há pelo menos um que foi chumbado. Segundo foi possível apurar, o ICNF candidatou-se a um apoio financeiro do Programa de Desenvolvimento Rural 2020, para limpar uma área a rondar os 1.500 hectares.
A candidatura foi apresentada em 2016 e foi chumbada por não cumprir os requisitos do concurso aberto por este fundo. Posteriormente, foi aprovado um investimento de 1,6 milhões de euros para 2017 e 2018, ao abrigo do POSEUR, que ainda não chegou ao terreno.
Estradas e postes com faixas corta-fogo
A rede viária que atravessa a mata tem 152 quilómetros. Há quatro estradas alcatroadas a cruzar esta área florestal, uma municipal e três nacionais.
A Infraestruturas de Portugal garante que os "trabalhos de ceifa e corte selectivo de vegetação nestas vias foram efectuados no início do mês de Julho" deste ano. É limpa uma área de 10 metros em cada berma das vias, num total de 279 hectares. Debaixo das linhas eléctricas de média tensão que atravessam a mata também existe uma faixa corta-fogo de 10 metros de largura.
Dezenas de casas dentro da mata estão ao abandono
Dentro dos mais de 11 mil hectares da mata existe um vasto património: "50 casas de guarda florestal e casas florestais (distribuídas ao longo da mata, estando na sua maioria circunscritas à sua periferia)", algumas delas "muito degradadas", um "parque cinegético, vários parques de merendas, diversos fontanários, (...) infra-estruturas de rádio transmissões, uma ETAR e diversas infra-estruturas de apoio à gestão florestal (oficinas, etc.) e de primeira transformação dos produtos florestais", incluindo uma antiga serração.
Um dos vigias teve de fugir da torre do Ponto Novo
O comandante dos Bombeiros da Marinha Grande, Vítor Graça, disse ao Negócios que o vigilante da torre de vigia do Ponto Novo (uma das duas torres que se localiza no interior da mata) teve de ser "retirado urgentemente, pois o incêndio tinha essa torre de vigia no seu caminho". A GNR garante que, a 15 de Outubro, dia em que deflagrou o incêndio, as torres de vigia do Ponto Novo e Castrinha estavam em "em plena actividade durante as 24 horas". A Guarda Nacional Republicana tem 924 pessoas a prestar serviço nos postos de vigia em todo o país.
A maior mata nacional portuguesa
Os 11.080 hectares da Mata Nacional de Leiria fazem dela a maior do país. A segunda maior, com 6.053 hectares, está logo ao lado: é a Mata Nacional do Urso. Só existe uma área florestal de propriedade pública com uma área superior à da Mata de Leiria: é a Companhia das Lezírias, com 11.217 hectares. Contudo, esta última não é considerada mata nacional. A Mata Nacional de Leiria não é uma área protegida nem classificada, tendo como função principal a produção de madeira para venda.
Portugal é o terceiro país com menos floresta pública no mundo
De acordo com dados de 2010 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 82% das florestas mundiais são detidas por entidades públicas. Em Portugal, é o contrário. Aliás, "Portugal (2%), Uruguai (1%) e as Ilhas Salomão (0,5%) são os países do mundo com menor percentagem de floresta pública", concluiu a antiga Autoridade Florestal Nacional em 2012.
Funcionários estão na mata em "part-time"
Os 10 funcionários que estão afectos à Mata Nacional de Leiria - nove assistentes operacionais e um técnico superior - não estão em permanência no pinhal. Têm ainda de "assegurar a missão de gestão da Mata Nacional do Pedrógão, da Mata Nacional do Urso, da Mata Nacional do Casal da Lebre e do Perímetro Florestal da Charneca do Nicho", diz o Ministério da Agricultura. Não sobra muito tempo para cada uma.
Exército ajudou a fazer manutenção dos aceiros
Os aceiros (com 10 metros de largura, sentido norte-sul) e arrifes (com cinco metros de largura, orientação este-oeste) são as faixas que dividem os 342 talhões do Pinhal de Leiria. Em 2014, o Exército, ao abrigo do Plano Faunos, ajudou a reparar 60 quilómetros destes caminhos florestais. Ainda assim, os bombeiros queixam-se de que a maior parte destes caminhos estava intransitável, dificultando o combate ao fogo.
Último grande incêndio consumiu 25% do pinhal
O incêndio de Outubro foi o maior de sempre no Pinhal de Leiria (pelo menos desde que há dados), mas, naturalmente, não foi o primeiro. Há 14 anos, um grande incêndio consumiu 2.516 hectares da mata. Antes desse, o pior incêndio de que havia registos ocorrera em 1834, tendo ardido cerca de cinco mil hectares. Nos anos seguintes a incêndios destas dimensões, a receita com a venda de madeira cresce substancialmente.
Governo promete investimento e admite nova gestão
As árvores que arderam no incêndio de 2017 vão demorar vários anos até serem removidas. Até Fevereiro do próximo ano, o ICNF vai elaborar um relatório no qual apresentará as medidas para intervir nas matas que arderam.
Depois de um Verão e Outono catastróficos em termos de incêndios, o Governo não perdeu tempo e promoveu diversas mudanças na estrutura de combate às chamas, tendo prometido o reforço de pessoal e também de verbas para as florestas. O secretário de Estado das Florestas, Miguel Freitas, pediu ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) para apresentar, até ao final de Fevereiro, um relatório sobre os incêndios que afectaram as matas nacionais, e diz que é preciso investir nessas mesmas matas as receitas geradas em cada uma delas.
"É fundamental que o ICNF nos apresente um plano de financiamento, sendo que o princípio daquilo que pretendemos é que as verbas que saiam da venda da madeira dessas matas sejam investidas em cada uma dessas matas. A ideia é que essa receita seja para investir nas matas públicas que foram afectadas pelos incêndios, para lá das candidaturas" a fundos comunitários, declarou à Lusa a 19 de Outubro.
Actualmente, a receita gerada na Mata Nacional de Leiria não é automaticamente reinvestida nessa mesma mata. Aliás, em 2015, um responsável do ICNF terá dito ao especialista Gabriel Roldão que "das verbas arrecadadas com a receita comercial do Pinhal, 6% eram aplicadas no Pinhal de Leiria". O restante seria "aplicado na manutenção das obras matas nacionais que não tinham receita", e uma parte "era aplicada no projecto de recuperação do lince-ibérico".
As árvores ardidas na Mata Nacional de Leiria vão demorar vários anos a ser removidas, e o instituto que gere esta zona florestal afirma que irá proceder à plantação ou sementeira de novos pinheiros nos "povoamentos florestais de pinheiro-bravo com idades inferiores e com nula a baixa capacidade de produção de semente viável para garantir regeneração natural suficiente para o repovoamento desses espaços". Nos restantes, espera-se que as sementes "depositadas no solo no pós-incêndio" sejam suficientes para que nasçam novas árvores.
Mudanças na gestão da Mata?
Foram colocados em cima da mesa diversos modelos para a gestão da Mata Nacional de Leiria, inclusive com a participação de privados. Essa discussão poderá ocorrer quando o relatório pedido ao ICNF estiver concluído. "Temos intenção de, depois de termos este trabalho feito, fazer uma discussão pública sobre o trabalho nos territórios afectados", afirmou Miguel Freitas.
Pouco depois dos incêndios, o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, mostrou-se aberto a "novas formas de gestão que sejam mais eficazes, mais próximas e que permitam uma gestão mais profissional", citou o Jornal de Leiria. Dentro de três meses, saberemos.