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O mundo está cheio de mulheres fantásticas e nós não as vemos

Cláudia de Castro Caldeirinha conviveu com mulheres como Maria de Lourdes Pintasilgo, Emma Bonino e Mary Robinson. São as suas mulheres, as suas “role models”. E as “role models”, todas elas, precisam de vir à estampa. As suas histórias devem ser conhecidas. Assim nasceu o livro “Women Leading the Way in Brussels”, que recolhe testemunhos de mulheres como Margot Wallström e Danuta Hübner. O livro é lançado dia 27 de Setembro em Bruxelas. Seguir-se-ão outras cidades tais como Lisboa, Roma, Berlim e Nova Iorque.

Bruno Simão
08 de Setembro de 2017 às 11:00
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Um dia, Cláudia de Castro Caldeirinha voltou ao sítio onde tinha enterrado o seu umbigo. Voltou a Lahane, em Díli, onde nasceu e de onde tinha saído com quase três anos, numa viagem que durou várias semanas. Entre as suas primeiras memórias, está a tumultuosa passagem no Rio das Pérolas a bordo de um "hovercraft" que ligava Macau e Hong Kong, no Sul da China. Chegada a Portugal, por altura do 25 de Abril, a então menina começou a ir ao Vale do Jamor visitar os refugiados vindos de Timor. Escutou histórias de mulheres violadas, violentadas, massacradas. Cresceu e sentiu que não podia ficar em silêncio, estudou Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), promoveu abaixo-assinados pela causa timorense, empenhou-se na luta pelos direitos humanos e igualdade de género. Conviveu com Maria de Lourdes Pintasilgo, Emma Bonino e Mary Robinson. São as suas mulheres, as suas "role models". E as "role models", todas elas, precisam de vir à estampa. Assim nasceu o livro "Women Leading the Way in Brussels", que será lançado a 27 de Setembro na Vlerick Business School, em Bruxelas.

Com o mote "Women Helping Women", Cláudia de Castro Caldeirinha, fundadora da empresa Redscope Consulting, desafiou a amiga Corinna Horst, vice-presidente do escritório de Bruxelas do German Marshall Fund of the United States (GMF), para avançar com este livro a quatro mãos, que recolhe histórias de mulheres que ocupam cargos de topo em diversos sectores. Entre as entrevistadas estão nomes como Margot Wallström, ministra dos Negócios Estrangeiros sueca, Oana Lungescu, porta-voz da NATO, Danuta Hübner, deputada no Parlamento Europeu e ex-comissária europeia, e Louise Harvey, presidente de comunicações estratégicas na FTI Consulting. "Women Leading the Way in Brussels" resulta de um trabalho de dois anos que partilha experiências e desafios de 14 mulheres. "Podiam ser muitas mais."

Cláudia parece andar a descobri-las. A retirá-las da invisibilidade. A colocar as suas histórias ao serviço de outras mulheres. "Um dos principais motivos da presença ridícula de mulheres em cargos de decisão tem que ver, precisamente, com a falta de visibilidade das 'role models'", diz a activista, com base nos dados do Índice de Desigualdade de Género do European Institute for Gender Equality (EIGE). E, por isso, onde quer que vá, e ela vai a muitos sítios, Cláudia tenta criar elos com outras mulheres interessadas por esta temática ou com mulheres que, por aquilo que são ou pelo que representam, são um exemplo, mesmo aquelas que não são conscientemente feministas, diz. "Uma Merkel não é feminista por nada e não falem de 'gender issues' a uma Federica Mogherini porque ela não se compromete. Mas, só por serem quem são e por fazerem aquilo que fazem, são um exemplo para outras mulheres."

Don't marry a dinosaur

Entre as entrevistadas para o livro, muitas referem a importância do "supportive partner". "A pessoa que está ao nosso lado é fundamental. Louise Harvey diz mesmo: 'Don't marry a dinosaur', e Salomé Cisnal de Ugarte, sócia da Crowell & Moring, acrescenta que essa é, talvez, a decisão estratégica mais importante. E eu concordo totalmente", afirma Cláudia de Castro Caldeirinha. "O meu ex-marido andou com o meu filho por meio mundo para eu poder amamentar. Conciliar a maternidade com a carreira continua a ser a grande questão."

As protagonistas do livro concordam com a existência de quotas de género para mulheres em cargos de decisão. "Sempre fui contra as quotas porque tinha a ilusão de que vivíamos numa meritocracia, mas não vivemos. E, se não vivemos, precisamos, como diz Viviane Reding, de um martelo para 'smash the glass ceiling'." É isso que a Comissão Europeia está a fazer. A instituição tem como meta chegar a 2019 com 40% das suas mulheres em cargos de topo. "A fotografia de família da UE ainda é masculina e branca. A Europa é um projecto de homens brancos, ricos, privilegiados e esse é um dos seus grandes 'gaps'. Olhamos para o Parlamento Europeu, vemos as fotos dos presidentes e, entre vários homens, estão duas mulheres (Simone Veil e Nicole Fontaine). Esta é supostamente a casa da democracia europeia, por isso deveria reflectir uma UE composta por mais de 50% de mulheres."

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Os direitos das mulheres são retórica há muito tempo

Se a falta de "role models" é o segundo factor da escassa presença de mulheres em cargos de decisão, de acordo com o Índice de Desigualdade de Género, o primeiro motivo relaciona-se com estereótipos de género, que todos teremos, mesmo que de forma inconsciente. "Esse é, de facto, o maior 'iceberg'. São milénios de formatação", sublinha a consultora. "Até podemos ter líderes com boa vontade que defendem a igualdade de género, mas os direitos das mulheres já são retórica há muito tempo, fazem parte das leis, dos princípios e dos valores europeus. Somos todos feministas, 'right'...? E depois vemos 5,7% de mulheres CEO das principais multinacionais europeias. E muitas daquelas que ocupam cargos de topo tentam adaptar-se a modelos masculinos", salienta.

"Podemos utilizar a metáfora de uma casa - há séculos que as nossas sociedades, empresas e organizações foram feitas para um animalzinho, imaginemos que é a girafa. Pouco a pouco, as mulheres, um outro tipo de animal, o elefante por exemplo, começaram a entrar na casa da girafa, mas a casa não está feita para o elefante nem vai aumentar ou adaptar-se a ele. Os elefantes que conseguem entrar nesta casa feita para os homens e por homens são aqueles que se esticam e passam a funcionar como girafas. E é exactamente o que tem acontecido com as Margaret Thatcher, as Angela Merkel, as Hillary Clinton e as Theresa May…"

As "founding mothers" da UE

Neste seu caminho de tirar as mulheres da invisibilidade, Cláudia de Castro Caldeirinha tem um projecto sobre as "founding mothers" da União Europeia. "Falo de esposas, de professoras e de outras mulheres que tiveram um papel determinante na história europeia e que estão por trás dos homens que aparecem nas fotografias. Gostaria de contar as histórias delas, de torná-las visíveis." A activista já encontrou outras mulheres a trabalhar em temas idênticos, como Agnés Hubert, do Gabinete de Conselheiros de Política Europeia (BEPA), que está a realizar documentários sobre mulheres determinantes para a Europa nos últimos vinte anos.

A rede está lançada por Cláudia de Castro Caldeirinha, que despertou para a temática da igualdade de género com as histórias de mulheres timorenses, como conta, em detalhe, no artigo "Os maiores massacres ocorrem quando não existem testemunhas". "No meio de um conflito, as mulheres são sempre as maiores vítimas. Elas são violadas e massacradas. Em Timor, havia a questão da esterilização forçada e da violação com o objectivo de criar uma nova geração de timorenses indonésios. Ou seja, o corpo das mulheres fazia parte da estratégia política."

Pelo seu percurso, a activista encontrou "mulheres-inspiração", como Maria de Lourdes Pintasilgo, Emma Bonino e Mary Robinson. "Elas permitiram-me perceber que temos de ter a coragem de não ficar em silêncio, e não é nada fácil falar." Cláudia sentiu-o, por exemplo, quando trabalhou na fundação de George Soros, como directora regional para a UE. "Nas mesas de reuniões, só via homens, brancos, mais velhos e, normalmente, ricos. Eu era a única mulher e muito mais nova. Nestas circunstâncias, ou recebemos uma palmadinha nas costas ou somos ignoradas ou, então, apropriam-se daquilo que dizemos, mas de uma maneira muito máscula."

A consultora percebeu, então, que não basta querer mudar o mundo a partir de baixo, é preciso fazê-lo também a partir das lideranças. "E, apesar de defender que as mudanças relativamente a questões de género têm de ser feitas com os homens ao lado, não tenho a certeza de que todos os homens estejam realmente interessados nessas mesmas mudanças." E é por isso que transporta consigo o mote "Women Helping Women", que se materializará, também, no 1.º fórum transatlântico de liderança feminina, organizado pela International Leadership Association, dia 11 de Outubro, em Bruxelas. Cláudia de Castro Caldeirinha aproveitará para lançar o seu "tam-tam" de chamamento de outras mulheres. "Sou o que sou porque encontrei pessoas absolutamente fascinantes pelo caminho." 

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