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Miguel Poiares Maduro: António Costa tentará antecipar uma crise política

No seu apartamento em Carnaxide, rodeado de livros, o especialista em Direito Europeu e ex-ministro de Passos Coelho, falou sobre Europa, sobre Trump e os populismos, sempre ziguezagueando entre a política internacional e a nacional. É que o bichinho da política continua vivo.

Miguel Baltazar
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Miguel Poiares Maduro mostra-se pessimista em relação ao projecto europeu. Adivinha uma erosão progressiva do processo de integração europeia. No seu apartamento em Carnaxide, rodeado de livros em português, inglês e italiano, o especialista em Direito Europeu, professor no Instituto Universitário Europeu em Florença, falou sobre conjuntura mundial, de Trump à emergência do populismo, mas sempre ziguezagueando entre a política internacional e a nacional. É que o bichinho da política continua vivo dentro do ex-ministro Adjunto de Passos Coelho. O regresso à vida política activa não é para já, mas parece certo. 


A União Europeia (UE) vai sobreviver à actual crise de identidade?

Sobreviver, vai. De que forma é que o vai fazer? Essa é a questão. Talvez eu nunca tenha estado tão pessimista sobre o futuro da integração europeia. A UE deixou de oferecer um espaço político que permita reconciliar as preferências, muito diferentes, dos seus Estados-membros e respectivas populações. Isso acontece relativamente à questão dos refugiados, entre o Leste e o Oeste da Europa, e em relação ao euro, entre o Norte e o Sul. O problema não é a União não saber o que os cidadãos pretendem. O problema é que aquilo que os cidadãos pretendem nos diversos Estados da UE é substancialmente diferente e, muitas vezes, irreconciliável. Isso cria um círculo vicioso muito negativo que gera uma percepção de incapacidade da UE, algo que é manipulado politicamente ao nível interno. Uma manipulação que torna, por sua vez, ainda mais difícil reconciliar essas preferências ao nível europeu. É muito difícil sair daqui.

 

Existe o risco de implosão?

Não creio que o resultado final seja a implosão. Vejo uma erosão progressiva do processo de integração europeia. Se não houver capacidade de inverter este processo, estamos condenados à erosão. Progressivamente, a UE vai-se desintegrando. Não significa que desapareça de um momento para o outro. Mas irá perdendo relevância.

 

Será que faz sentido a UE existir se ficar ainda mais enfraquecida?

É sempre melhor alguma integração do que nenhuma. Isto para alguém que, como eu, entende que a resposta aos problemas actuais não passa por menos, mas sim por mais integração. Uma integração diferente, mas também reforçada. Os problemas têm essencialmente que ver com a dificuldade das democracias nacionais se adaptarem a um mundo interdependente. A resposta a esses problemas não passa pelo regresso às fronteiras nacionais e ao proteccionismo.

 

A chegada de Donald Trump à Casa Branca é a opção por essa via. Isso não implicará uma ainda maior perda de relevância da Europa?

Pode não significar porque, neste contexto, poderá ser necessário ter uma Europa ainda mais forte. Só não sei é se é isso que vai acontecer… Os riscos da presidência Trump podem ter um efeito positivo para a Europa, obrigando-a a assumir colectivamente as suas responsabilidades. Deixando de confiar tanto nos Estados Unidos. Temos como primeiro exemplo a resposta ao nível da discussão de uma política de defesa comum.

 

O aumento da despesa militar já foi aprovado em Bruxelas.

É um primeiro sinal. Globalmente, o efeito da presidência Trump é muito negativo. Não por uma questão ideológica, porque ele não tem uma ideologia. Ele é uma conjugação muito perigosa de profunda ignorância com enorme impulsividade. Para alguém que tem a responsabilidade que ele tem, é muito perigoso. Mas Trump tem mantido alguma constância em relação à política internacional. Uma apreciação positiva de figuras autoritárias como Vladimir Putin. A defesa de um forte proteccionismo comercial. E a defesa de uns EUA unilaterais e não-intervencionistas.

 

Um acordo entre PS e PSD, e também o CDS, talvez fosse mesmo a única forma de termos um Governo que governe. 

 

As ordens executivas assinadas indiciam o início de guerras comerciais. Angela Merkel e Donald Tusk já fizeram declarações incisivas contra o novo posicionamento de Washington. Estamos perante uma revolução em curso da ordem internacional?

É algo que continua em aberto. Há duas vias, uma má e uma muito má. A má é que Trump está a tomar medidas que, em muitos casos, não têm ainda efeitos concretos e podem nem sequer ter. Às vezes, anuncia medidas e acaba por dizer que, afinal, não irá tomá­-las. Já recuou na taxa de 20% sobre as importações. Não sabemos até que ponto uma parte daquilo que está a fazer não é mera comunicação política para o seu eleitorado mais duro. Para satisfazer e manter mobilizado o eleitorado que o elegeu. Como se a presidência fosse algo semelhante aos negócios, numa lógica negocial quase pura. Anunciar algo muito mau para os seus parceiros comerciais, tentando colocá-los numa posição negocial que depois lhe traga vantagens. Isto, já de si, é mau. Mas ser Presidente dos EUA e vender tapetes não é a mesma coisa. Já a pior opção é ele ser totalmente consequente numa política isolacionista, proteccionista, xenófoba. A confirmar-se, é realmente preocupante. Ao mesmo tempo, a política isolacionista americana, que pode levar a América a desinvestir na sua participação na NATO e a ser menos o garante da segurança europeia, pode levar os Estados europeus a perceber a mais-valia que têm na UE.

 

Dar passos em frente na integração, não só na Defesa, mas também na união monetária e bancária, como referido na recente cimeira dos países do Sul?

Trump pode trazer imensos riscos para a Europa, mas até pode ser bom para a UE. As duas coisas não são contraditórias. Pode ser o incentivo para que a União reforce a coesão e a eficácia das suas políticas em resposta ao proteccionismo e isolacionismo americano.

 

Como?

Tem havido um erro na abordagem à mensagem populista, contrária ao processo de integração europeia e até à própria globalização. Uma resposta ao medo com o medo. A campanha do Governo britânico relativamente ao Brexit assentou em falsidades e receios induzidos pelos adeptos da saída da UE. Respondeu-se a isso com o medo. A UE tem de voltar a oferecer uma mensagem política positiva aos cidadãos europeus e tem de estar focada na resposta ao grande desafio, que é aquilo que defino como o novo período da Revolução Industrial: a revolução digital reforça os efeitos da globalização e beneficia daquilo que esta traz. O que tem acentuado o crescimento das desigualdades.

 

Subscreve a ideia de que na base da afirmação do populismo está a ausência de crescimento económico?

A resposta simples é não. Não é só isso. A resposta mais complicada é que contribui. Há condições estruturais no funcionamento das nossas democracias que promovem o populismo. Que estão a produzir o aparecimento destes fenómenos populistas e a criar situações políticas extremamente tensas, alimentadas pelo contexto de crise económica e social. Uma crise que acentua os problemas estruturais das democracias nacionais, que têm dificuldade em funcionar num contexto de interdependência. O discurso político e a acção política operam ainda como se vivêssemos em comunidades políticas isoladas, como se dependêssemos somente de nós próprios para decidirmos o que fazemos.

 

Isso é a percepção de que a soberania já só reside no poder executivo?

O facto de vivermos num mundo interdependente e de as Relações Internacionais serem do domínio executivo, e não do domínio parlamentar, levou a um reforço do poder executivo em certas matérias. Hoje, muitas políticas executivas dependem do contexto internacional, em que é muito difícil conciliar as diferentes posições dos Estados, o que leva a uma grande ineficácia dos executivos.

 

Olhando para esse contexto e para o descontentamento das pessoas em relação à Europa, qual o grau de apreensão com que devemos encarar as eleições deste ano na Holanda e em França?

Na Holanda, preocupa-me muito o partido de extrema-direita [de Geert Wilders] poder ganhar as eleições.

 

Existe essa possibilidade concreta?

Sim. Já em França acho pouco provável que Marine Le Pen venha a ganhar as eleições. Penso que não vamos assistir a muitos casos na Europa e, mesmo em Itália, não acredito que o Movimento 5 Estrelas chegue ao poder.

 

António Costa tentará antecipar uma crise política antes de a mesma ser mais clara aos olhos dos portugueses. (...) Olho para este Governo e parece-me que está em campanha eleitoral permanente.

 

Também não acreditava que Matteo Renzi perdesse o referendo.

Já me enganei noutras ocasiões. Diria que a minha preocupação fundamental na Europa não é tanto que os partidos mais populistas atinjam o poder, mas o facto de poderem crescer e influenciar políticas mesmo não estando no Governo.

 

As primárias em França já mostraram candidatos do centro-esquerda e do centro-direita a radicalizarem posições para conter o crescimento das forças mais radicais.

Preocupa-me substancialmente que partidos moderados do centro respondam ao populismo incorporando teses dos populistas. Acontece à direita e à esquerda, como é exemplo o Syriza na Grécia.

 

O atentado terrorista em Berlim pode condicionar a política alemã de portas abertas em relação aos refugiados e obrigar Merkel a restringir essa abertura para conter o crescimento da extrema-direita?

Provavelmente, mas mais por via da pressão interna da CSU (partido-irmão bávaro da CDU de Merkel) dentro do seu partido do que por via do crescimento da AfD (força de extrema-direita).

 

Logo no dia seguinte ao atentando, o líder da CSU criticava as políticas de Merkel sobre refugiados.

Aí, Merkel deverá ter de fazer algumas cedências, essencialmente simbólicas. Culturalmente, a sociedade alemã tem uma relação forte com os refugiados, de grande abertura e responsabilidade moral. Penso que Merkel sabe isso e é um risco político calculado. Ela vai manter-se fiel a essa política.

 

O Brexit começará mesmo a ser negociado até ao final de Março, como pretende a primeira-ministra Theresa May?

É suposto. Se será ou não, vamos ver. É possível que o artigo 50.º do Tratado de Lisboa seja invocado e que depois até seja retirado. A minha leitura jurídica é que é possível a um Estado fazer essa modificação e depois eventualmente retirá-la. Embora não se trate de uma questão juridicamente incontroversa.

 

A UE dispõe das ferramentas necessárias para enquadrar este processo ou o dos refugiados?

Ferramentas jurídicas, sim. Políticas, não. A UE perdeu a capacidade, enquanto espaço político, de reconciliar posições políticas muito divergentes. Esse é o grande problema. E, como não é fácil de resolver, tenho algum pessimismo. O acordo para sair é diferente do acordo alternativo da relação futura do Reino Unido com a União. Nesta altura, não excluo sequer a hipótese de o Reino Unido não chegar a sair da UE. 

 

Na senda da adivinhação, Itália poderá ter eleições já este ano. Com ou sem Matteo Renzi?

Estou convencido de que ele se recandidatará. É o que indicia a escolha de Paolo Gentiloni para primeiro-ministro, uma figura cinzenta.

 

É um dos ideólogos políticos de Renzi.

Escolha que me parece feita para Renzi reaparecer. Um político italiano ter mais de 40% como Renzi teve no referendo é significativo. Poucos políticos italianos tiveram popularidade semelhante nos últimos anos.

 

Itália vive melhor com a instabilidade política do que Portugal?

Em Itália, valoriza-se muito a conflitualidade política. A democracia tem de ter conflito e compromisso. Em Portugal, valorizamos imenso o conflito político e não o compromisso, que é visto como uma cedência. Acho que foi essa a razão de, com António Costa, o PS ter deixado de estar disponível para qualquer tipo de compromisso, porque isso era visto, sobretudo no ano anterior às eleições, como uma derrota e não como algo positivo.

 

Não excluo, a médio e longo prazo, voltar a ter uma participação desse tipo (política).

 

O PSD também recusou fazer propostas para o Orçamento do Estado de 2016.

O PSD também fez isso para passar a mensagem clara de que o Orçamento era da responsabilidade total daquela maioria. Mas este ano já fez propostas, mostrando disponibilidade, designadamente na área da descentralização. Mas é raro, na nossa política, essa disponibilidade para o compromisso, porque se um político faz afirmações violentas contra outro político, tem grande cobertura mediática. Mas, se chega a acordo, isso é pouco valorizado politicamente. No Governo a que pertenci, principalmente no período inicial do programa de ajustamento, houve uma decisão do primeiro-ministro e do ministro das Finanças de colocar acima de tudo a necessidade de conquistar credibilidade e confiança ao nível internacional. Porque isso era o que nos permitiria fechar o programa de ajustamento o mais rapidamente possível.

 

A estratégia "do bom aluno" resultou?

Assumir propriedade sobre o programa de ajustamento. O que, num mundo interdependente, significa que o que se diz internamente é ouvido lá fora. Levou a um discurso político interno que muitos viram como uma intenção de ir mais longe do que a troika na austeridade. Internamente, teve um custo político enorme que continua a ser pago por Passos Coelho. Do ponto de vista internacional, funcionou porque o país reconquistou credibilidade e confiança e acabou por sair do programa de assistência. Uma abordagem totalmente diferente da de Alexis Tsipras, de combate às instituições europeias e à troika.

 

O actual Governo português comprometeu-se com o cumprimento das regras europeias. É dada como certa a saída do procedimento por défices excessivos. E o ministro alemão das Finanças continua a desconfiar.

O problema é que este Governo não tem um discurso consistente nessa matéria. Internamente, passa a mensagem contrária. E o que se diz cá dentro passa lá fora. Achar que se pode dizer o pior dos parceiros europeus, que vão ser adoptadas políticas contrárias àquelas que pretendem e depois pensar em resolver tudo dizendo "não senhor, estamos comprometidos, vamos cumprir com as novas obrigações". As coisas não são assim. É também por isso que as taxas de juro da nossa dívida e o diferencial em relação aos outros países têm vindo a aumentar.

 

E devido à subida da inflação na Alemanha e ao refreio da política monetária do Banco Central Europeu, ou não?

Sabemos que o contexto era esse e que devíamos ter desenvolvido políticas para não colocar em causa a credibilidade e a confiança que estávamos a reconquistar. O grande erro do Governo, mais do que a devolução de rendimentos, até porque é muito mais pequena do que é dado a parecer, é a retórica assumida. O Governo está mais interessado em regressar ao passado do que em assegurar o futuro. E isso é percebido lá fora.

 

Na mensagem de Natal, o Presidente da República validou esta estratégia devido à necessidade de descrispação e normalização do ambiente político. Havia essa necessidade?

O país já tinha iniciado essa fase de descrispação. No último ano do Governo PSD-CDS, havia um optimismo crescente dos portugueses. O país tinha saído de uma crise profunda, voltava a crescer. As condições estavam reunidas para tudo correr bem.

 

Mas vê nessas afirmações de Marcelo Rebelo de Sousa uma crítica ao anterior Governo?

Não. Vejo o reconhecimento de que, para o país continuar o caminho de recuperação económica que tinha iniciado, era muito importante que as pessoas tivessem confiança e optimismo. E, aí, a descrispação do ambiente político era importante e todos deviam contribuir para isso. Durante o Governo anterior, o actual primeiro-ministro foi das pessoas que menos contribuiu para essa descrispação. Notei nas minhas áreas, fundos europeus e autarquias, uma mudança enorme de comportamento do PS com a chegada de António Costa. Com António José Seguro, correu sempre muito bem. Depois deixou de haver disponibilidade para procurar consensos, compromissos, posições comuns. Houve, por exemplo, obstáculos colocados à própria participação das autarquias socialistas em processos negociais com o Governo. Quer a descrispação, quer a estabilidade política que António Costa conseguiu com esta solução de Governo assentam na mera oportunidade política. São oportunísticas e não são baseadas em posições de princípio quanto ao que o país necessita. São precisos compromissos importantes relativamente a um conjunto de matérias fundamentais. E não compromissos oportunísticos feitos com base no interesse político-partidário imediato de um conjunto de agentes políticos.

 

O voto do PSD contra a descida da TSU foi a decisão certa, ou decorreu de tacticismo?

Não acho que as razões que estão por trás do voto do PSD na TSU possam ser apresentadas como tácticas. As principais razões são de princípio. Têm que ver com o funcionamento da democracia, que exige alternativas claras em termos de modelos e propostas para o país.

 

Esta era uma medida idêntica àquela proposta pelo PSD.

Não nas mesmas circunstâncias. Não se pode retirar de um determinado contexto. O PSD entendeu, no passado, que se poderia justificar transitoriamente a descida da TSU para apoiar uma subida do salário mínimo. Mas o PSD também tem defendido que a subida do salário mínimo deve estar relacionada com a evolução da produtividade e da economia. Pedir ao PSD que continue a apoiar uma medida que, na realidade, é apresentada pelo Governo para suportar outra que, na sua base, não é apoiada pelo PSD, é ilegítimo. E se o PS pretendia que esta medida, que era estrutural para o seu acordo de concertação social, beneficiasse do apoio do PSD, então tinha de ter conversado com o PSD.

 

Preocupa-me que partidos moderados do centro respondam ao populismo incorporando teses dos populistas. 

 

No início desta legislatura, Passos Coelho avisou o Governo para não contar com o PSD.

Acho que o PSD deve estar sempre disponível para conversar com o PS, sobretudo na medida em que o PS também conseguir trazer os seus parceiros de coligação para discutir questões estruturantes para o país. Mas o PSD não pode estar disponível para substituir a base de apoio do Governo. O que pode levar a uma deturpação da democracia. O PS não pode querer uma determinada maioria para umas matérias e outra para outras matérias. Tem de haver uma maioria clara de Governo para o país ser conduzido com uma estratégia clara. Se a determinada altura, o PS verificar que, afinal, ao contrário do que pensava, as reformas importantes para o país não podem ser feitas com os actuais parceiros de coligação, então deve assumir isso e o PSD deve estar disponível para fazer um acordo com o PS. Isso significa que uma eventual crise na actual maioria parlamentar que apoia o Governo não levará necessariamente a eleições antecipadas.

 

E o Presidente da República deve dirigir a sua actuação no sentido de facilitar uma solução desse género?

Se se verificar essa circunstância, o Presidente deve procurar uma alternativa no actual quadro parlamentar. Até porque, provavelmente, tendo eleições antecipadas não iríamos ter uma distribuição parlamentar muito diferente da actual.

 

Há sondagens que colocam o PS próximo da maioria.

Mas nunca com maioria absoluta. Verificando-se que uma maioria com o PCP e BE não funciona, a maioria alternativa é PS-PSD (ou PS e PSD).

 

Com Passos Coelho como primeiro-ministro?

Naturalmente, essa alternativa teria de reflectir o equilíbrio entre as diferentes forças políticas que existem no Parlamento. Tudo aponta para que António Costa tenha delineado as suas políticas para um ciclo político com eleições antecipadas. Defendo que há uma alternativa à instabilidade decorrente de eleições antecipadas. Um acordo entre PS e PSD, e também o CDS, talvez fosse mesmo a única forma de termos um Governo que governe.

 

Atribui essa possibilidade de mudança à alteração de posicionamento do PS. Mas não teria de haver também alguma mudança do PSD?

António Costa atingiu o cume das benesses e das medidas de curto prazo que pode atingir e também da popularidade a que pode aspirar. Ele governou para o curto prazo, assente num conjunto de medidas a beneficiar grupos particulares. Isso indica estar consciente de que as reformas profundas que o país precisa, para ter uma trajectória de crescimento mais sustentável, não se podem fazer com os actuais parceiros de coligação. Portanto, acredito que a expectativa de António Costa é ter a possibilidade de antecipar eleições para beneficiar do impulso destas medidas. Mas o país dispensa mais instabilidade. A instabilidade em si mesma tem um custo reputacional, sobretudo no contexto em que vivemos. Também por isso penso existir margem para se constituir um Governo com apoio parlamentar de natureza diferente. Considero que isso seria o ideal para Portugal enfrentar os tempos conturbados que vivemos e afrontar o contexto de populismo.

 

Como é que vê as críticas, inclusivamente internas, ao líder do PSD?

Em Portugal, temos um discurso político que parece bipolar. Escrevem-se inúmeros artigos a dizer que precisamos de uma forma diferente de fazer política. Porém, continua­-se a avaliar os agentes políticos por essa forma antiga de fazer política, que todos criticam em abstracto. Reconheço que o António Costa tem mais habilidade para essa forma de fazer política do que o Passos Coelho. Mas o Passos tem mais seriedade política e eu prefiro isso.

 

Passos Coelho vai superar as autárquicas e aguentar a liderança do partido até às próximas legislativas, seja quando for que se realizem?

O presidente do PSD já demonstrou no passado que se há qualidade política que tem é a resiliência. Ignora o comentário político quotidiano, focando-se nas questões de médio e longo prazo. Acho que vai sobreviver até às próximas legislativas, não sei é quando é que serão as eleições. Porque olho para este Governo e parece-me que está em campanha eleitoral permanente. Limita-se a gerir o imediato, à espera de eleições.

 

Tem alguma previsão?

Diria que o António Costa tentará antecipar uma crise política antes de a mesma ser ainda mais clara aos olhos dos portugueses. Na perspectiva dos interesses de gestão política, António Costa é a pessoa menos interessada na estabilidade imediata e a que mais pode ter a ganhar com uma crise política.

 

Em Portugal, não houve a fragmentação do quadro político tradicional visível Europa fora. Ao incluir forças de extrema-esquerda, a geringonça serve de antídoto à chegada do populismo a Portugal?

O populismo não chegou a Portugal porque está integrado nalgumas dimensões da própria coligação que governa o país. O discurso do Bloco de Esquerda é, mais do que o do PCP – ideologicamente muito rígido e permanente ao longo dos anos –, caracterizado pelo populismo de esquerda. Nós contra eles. O que define o populismo é o nós "versus" eles, o nacionalismo "versus" a abertura a um mundo interdependente. E um acentuar da clivagem na sociedade – vemos isso com o Trump e com muitos partidos de esquerda. Aspectos comuns a todo o discurso populista na Europa. E ainda um terceiro elemento: a ideia de que há uma maioria que tem de se revoltar contra uma minoria que tem dominado o poder.

 

Trump é uma conjugação muito perigosa de profunda ignorância com enorme impulsividade. (...) Pode ser necessária uma Europa ainda mais forte. Só não sei é se é isso que vai acontecer...

 

Vê esses elementos em Portugal?

Temos um caso de populismo híbrido, com alguns elementos do populismo que estão presentes no discurso desta maioria de Governo, mas não temos outros, como a oposição à democracia liberal. Mesmo durante o período de ajustamento tivemos, tudo somado, uma paz social e alguma estabilidade social que não se verificou noutros países. Diria que parte disso se deveu também à circunstância de as políticas do Governo de então, tendo exigido enormes sacrifícios aos portugueses, terem no geral sido equilibradas relativamente à forma como esses sacrifícios foram distribuídos.

 

Houve alguma regressão, mesmo que imposta pela troika, do papel do Estado na economia e no Estado Social?

Há coisas diferentes. Primeiro, há uma situação de emergência económica e financeira, o que significa que o Estado deixa de ter dinheiro nalguns domínios.

 

Sá Carneiro dizia ser indispensável conciliar o liberalismo político com o intervencionismo social e económico do Estado. Esta premissa foi seguida pelo Governo de que fez parte?

Acho que sim, mesmo durante o período da crise. Houve políticas de liberalização, privatizações, mas essas políticas não foram feitas à custa do Estado Social. Serviram para protegê-lo. Hoje, um partido social-democrata tem de prosseguir objectivos de justiça social que envolvem, desde logo, a manutenção e a preservação de certos serviços públicos e sociais tradicionais do Estado Social. E, aí, a questão da social-democracia não se mede por gastar, ou não, dinheiro que já não se tem. Mede-se pela forma como gastamos o menos dinheiro que passamos a ter.

 

A morte de Mário Soares remete para a pergunta cliché sobre a ausência de estadistas.

O exemplo e o que podemos retirar de Mário Soares, tal como de Sá Carneiro – que são, para mim, as figuras mais marcantes da história democrática nestes 40 anos –, é que, naquilo que eram os aspectos fundamentais e nos momentos fulcrais para salvaguardar a nossa democracia, ele esteve sempre do lado certo. É isso que faz um líder político, a capacidade de, ainda que sujeito à impopularidade, tomar a decisão certa, mesmo nos momentos difíceis.

 

Em 2015, disse que "agora" não era compatível continuar na política. Esse agora prenuncia disponibilidade para regressar à política activa. Quando?

Não por agora. A política também implica alguns sacrifícios a nível pessoal e, nesta fase da minha vida, há certos sacrifícios que não estaria em condições de fazer para ter uma participação política activa no sentido do desempenho de cargos públicos. Mas não excluo, a médio e longo prazo, voltar a ter uma participação desse tipo. Sendo que continuarei seguramente a ter uma participação política deste género. Contribuir para o país propondo ideias. 


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