Notícia
Maria Callas: A Diva calou-se há 40 anos
Revolucionou o espectáculo da ópera ao aliar o canto lírico à representação. Maria Callas esteve debaixo dos holofotes tanto pelos seus dotes vocais como pela sua conturbada vida pessoal. Morreu vítima de ataque cardíaco, em Paris, com 54 anos, a 16 de Setembro de 1977.
Magra, com uma figura frágil, de nariz grande e sorriso largo. Maria Callas era a antítese da tradicional figura da cantora lírica, mas impunha-se em palco assim que surgia em cena. Encheu teatros e arrebatou plateias. A sua fama correu mundo e ainda hoje é uma das grandes figuras da ópera.
Para a cantora lírica portuguesa Elisabete Matos, Callas é ainda hoje a sua grande referência. Chama-lhe "revolucionária", no sentido em que usou "todas as armas" na ópera concretizando a verdadeira função deste espectáculo que é aliar a música ao teatro. Ela foi uma cantora que interpretava, diz. "É fantástico ver certas fotografias ou vídeos dela. Há expressões absolutamente incríveis. Entra na personagem e quase tem dificuldade em sair dela."
Uma visão partilhada por António Victorino de Almeida. "Sempre se pensou na ópera como o espectáculo completo. Mas isso nunca se cumpriu, em termos qualitativos, como a partir da Maria Callas." E, refere o maestro, "ao representar muito bem obrigou os encenadores a repensar a forma de encenar a ópera, que era totalmente diferente". Por outro lado, sublinha, rompeu com o estigma das cantoras de ópera "volumosas". "Ela foi emagrecendo porque achava que não era plausível estar a representar uma donzela com 120 quilos. E provou que não era preciso ter esse peso todo para cantar bem", diz.
António Victorino de Almeida teve oportunidade de ver Maria Callas ao vivo, em Março de 1958, quando a Diva veio a Portugal interpretar "La Traviata", de Giuseppe Verdi, no Teatro São Carlos. Um espectáculo memorável, diz. Recorda, em particular, a cena da morte da personagem, em que a Traviata canta uma última nota bastante aguda. A maioria das intérpretes representava "a senhora a dar o seu último suspiro em pé, com forças para se equilibrar (o que não seria clinicamente possível), e depois caía no chão, ou nos braços de qualquer pessoa", diz.
Mas "a Callas cantou essa ária deitada numa 'chaise longue' e com a cabeça deitada para trás, o que, obviamente, impedia uma saída de voz perfeita". Para o maestro isso foi algo "fantástico" pois "quando chegou aquela nota, ela saiu um pouco estrangulada, porque Callas assim o quis, o que deu realismo à cena". Mas o facto de essa nota não ter sido "limpa" não foi bem visto na altura. "Lembro-me de que houve uma crítica estupidíssima cá em Portugal, que lamentava que essa última nota não tivesse sido tão perfeita como todas as outras. Quando foi precisamente nessa imperfeição que esteve um dos aspectos da genialidade dela", diz. Ainda assim, os jornais da época relatam que a cantora recebeu intermináveis ovações em todos os actos.
Quando chegou a Lisboa, Callas era já uma celebridade conhecida como "La Divina". Para a receber, o Teatro São Carlos teve de remodelar um camarim e pagou-lhe um cachê de 2.500 dólares para actuar duas noites. Os jornais falavam não só do seu talento, mas também dos caprichos da cantora. Dois meses antes, na Ópera de Roma, Callas abandonou uma récita de "Norma", de Vincenzo Bellini, no primeiro acto, e anunciou que não podia cantar mais porque perdera a voz. Um episódio que deixou José de Figueiredo, o então director do Teatro São Carlos, preocupado com a possibilidade de a actuação de Callas em Lisboa ser cancelada.
Tinha fama de ser temperamental. Era, na verdadeira acepção da palavra, uma "prima donna" que exigia a perfeição a si própria e a quem a rodeava. No meio, era conhecida como "The Tigress" (a Tigresa) por entrar frequentemente em conflito com quem trabalhava e com os próprios directores dos teatros por onde passou. "Quem dá muito tem o direito de exigir muito", afirma o maestro Victorino de Almeida. E Callas buscava a perfeição.
Elisabete Matos recorda o testemunho da professora de canto lírico italiana Enza Ferrari, que trabalhou com Callas na sua última fase de concertos. "Numa conversa que tivemos sobre como abordar uma obra, ela contou-me que estiveram as duas uma tarde inteira com uma página de recitativo do 'Elixir do Amor', de Gaetano Donizetti, e a Maria Callas nunca se cansava, nunca estava satisfeita, procurava sempre mais e mais." A história mostra que "era muito perfeccionista, queria que tudo funcionasse da maneira mais conveniente e ideal", diz a soprano portuguesa.
"La Divina" nos bastidores
O sucesso que teve enquanto artista não a seguiu na vida privada. De facto, a história da Diva da ópera mais parece uma espécie de tragédia grega em vários actos. Nasceu em Nova Iorque a 2 de Dezembro de 1923. Os pais eram emigrantes gregos que tinham chegado à Big Apple um ano antes. Em 1937, a mãe separou-se do pai e voltou para a Grécia com as duas filhas. Maria tinha 13 anos e a relação com a mãe foi sempre muito difícil.
No Conservatório de Atenas começou a estudar canto lírico de forma séria. Mas foi em Itália que ganhou projecção internacional ao tornar-se a grande estrela do La Scala de Milão. A sua carreira levou-a às grandes salas de ópera do mundo, onde esgotou plateias. A década de 1950 foi a era dourada da sua carreira. Depois, aos poucos, entrou em declínio. Essa mudança coincidiu com a paixão pelo magnata grego Aristóteles Onassis. O romance inicialmente foi mantido em segredo, uma vez que ambos eram casados. Mas não demorou muito a ser descoberto pela imprensa. Maria Callas ficou arrasada quando o milionário a deixou para casar com Jacqueline Kennedy, viúva do Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy.
Os seus últimos anos de vida foram passados em Paris e ficaram marcados pela tristeza. Com o declínio da sua voz, dedicou-se ao ensino. Foi professora na Juilliard School, em Nova Iorque. Morreu só, aos 54 anos, vítima de um ataque cardíaco, no seu luxuoso apartamento, na Avenida Georges Mandel, perto do Arco do Triunfo, em Paris. Elisabete Matos resume a vida de "La Divina": "Uma mulher que teve o mundo aos pés, quis amar e ser amada e não conseguiu."
Para a cantora lírica portuguesa Elisabete Matos, Callas é ainda hoje a sua grande referência. Chama-lhe "revolucionária", no sentido em que usou "todas as armas" na ópera concretizando a verdadeira função deste espectáculo que é aliar a música ao teatro. Ela foi uma cantora que interpretava, diz. "É fantástico ver certas fotografias ou vídeos dela. Há expressões absolutamente incríveis. Entra na personagem e quase tem dificuldade em sair dela."
António Victorino de Almeida teve oportunidade de ver Maria Callas ao vivo, em Março de 1958, quando a Diva veio a Portugal interpretar "La Traviata", de Giuseppe Verdi, no Teatro São Carlos. Um espectáculo memorável, diz. Recorda, em particular, a cena da morte da personagem, em que a Traviata canta uma última nota bastante aguda. A maioria das intérpretes representava "a senhora a dar o seu último suspiro em pé, com forças para se equilibrar (o que não seria clinicamente possível), e depois caía no chão, ou nos braços de qualquer pessoa", diz.
Mas "a Callas cantou essa ária deitada numa 'chaise longue' e com a cabeça deitada para trás, o que, obviamente, impedia uma saída de voz perfeita". Para o maestro isso foi algo "fantástico" pois "quando chegou aquela nota, ela saiu um pouco estrangulada, porque Callas assim o quis, o que deu realismo à cena". Mas o facto de essa nota não ter sido "limpa" não foi bem visto na altura. "Lembro-me de que houve uma crítica estupidíssima cá em Portugal, que lamentava que essa última nota não tivesse sido tão perfeita como todas as outras. Quando foi precisamente nessa imperfeição que esteve um dos aspectos da genialidade dela", diz. Ainda assim, os jornais da época relatam que a cantora recebeu intermináveis ovações em todos os actos.
Quando chegou a Lisboa, Callas era já uma celebridade conhecida como "La Divina". Para a receber, o Teatro São Carlos teve de remodelar um camarim e pagou-lhe um cachê de 2.500 dólares para actuar duas noites. Os jornais falavam não só do seu talento, mas também dos caprichos da cantora. Dois meses antes, na Ópera de Roma, Callas abandonou uma récita de "Norma", de Vincenzo Bellini, no primeiro acto, e anunciou que não podia cantar mais porque perdera a voz. Um episódio que deixou José de Figueiredo, o então director do Teatro São Carlos, preocupado com a possibilidade de a actuação de Callas em Lisboa ser cancelada.
Tinha fama de ser temperamental. Era, na verdadeira acepção da palavra, uma "prima donna" que exigia a perfeição a si própria e a quem a rodeava. No meio, era conhecida como "The Tigress" (a Tigresa) por entrar frequentemente em conflito com quem trabalhava e com os próprios directores dos teatros por onde passou. "Quem dá muito tem o direito de exigir muito", afirma o maestro Victorino de Almeida. E Callas buscava a perfeição.
Elisabete Matos recorda o testemunho da professora de canto lírico italiana Enza Ferrari, que trabalhou com Callas na sua última fase de concertos. "Numa conversa que tivemos sobre como abordar uma obra, ela contou-me que estiveram as duas uma tarde inteira com uma página de recitativo do 'Elixir do Amor', de Gaetano Donizetti, e a Maria Callas nunca se cansava, nunca estava satisfeita, procurava sempre mais e mais." A história mostra que "era muito perfeccionista, queria que tudo funcionasse da maneira mais conveniente e ideal", diz a soprano portuguesa.
"La Divina" nos bastidores
O sucesso que teve enquanto artista não a seguiu na vida privada. De facto, a história da Diva da ópera mais parece uma espécie de tragédia grega em vários actos. Nasceu em Nova Iorque a 2 de Dezembro de 1923. Os pais eram emigrantes gregos que tinham chegado à Big Apple um ano antes. Em 1937, a mãe separou-se do pai e voltou para a Grécia com as duas filhas. Maria tinha 13 anos e a relação com a mãe foi sempre muito difícil.
No Conservatório de Atenas começou a estudar canto lírico de forma séria. Mas foi em Itália que ganhou projecção internacional ao tornar-se a grande estrela do La Scala de Milão. A sua carreira levou-a às grandes salas de ópera do mundo, onde esgotou plateias. A década de 1950 foi a era dourada da sua carreira. Depois, aos poucos, entrou em declínio. Essa mudança coincidiu com a paixão pelo magnata grego Aristóteles Onassis. O romance inicialmente foi mantido em segredo, uma vez que ambos eram casados. Mas não demorou muito a ser descoberto pela imprensa. Maria Callas ficou arrasada quando o milionário a deixou para casar com Jacqueline Kennedy, viúva do Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy.
Os seus últimos anos de vida foram passados em Paris e ficaram marcados pela tristeza. Com o declínio da sua voz, dedicou-se ao ensino. Foi professora na Juilliard School, em Nova Iorque. Morreu só, aos 54 anos, vítima de um ataque cardíaco, no seu luxuoso apartamento, na Avenida Georges Mandel, perto do Arco do Triunfo, em Paris. Elisabete Matos resume a vida de "La Divina": "Uma mulher que teve o mundo aos pés, quis amar e ser amada e não conseguiu."