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José Paulo Fafe: António Costa é um fenómeno de comunicação

Antigo jornalista, actual marqueteiro, José Paulo Fafe acaba de lançar o livro “Marketing político - Noções e outras histórias”, onde também conta as suas experiências pelo Brasil e África.

Miguel Baltazar
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António Costa é um fenómeno de comunicação. José Paulo Fafe, antigo jornalista, actual marqueteiro, acaba de lançar o livro "Marketing político - Noções e outras histórias", onde também conta as suas experiências pelo Brasil e África.

O candidato que rezou um pai-nosso no final de um debate ou um outro que era candidato em nome de outrem. Olha com pessimismo para o Brasil e diz que o país se está a extremar. Aos 13 anos conheceu Fidel Castro em Cuba, onde o pai tinha sido colocado como embaixador. Conheceu o antigo líder cubano, ficou "fascinado pela figura" e considera-o um percursor do marketing político.


Um marqueteiro político é um vendedor de banha da cobra?

Não. No fundo, o trabalho do marketing político consiste em potenciar os pontos fortes de um candidato e atenuar os pontos fracos. Tão simples quanto isso.

 

Vender a sua imagem.

Sim, vender a sua imagem positiva e atenuar os pontos mais débeis da sua imagem.

 

Era nesse sentido que me estava a referir a vendedor de banha da cobra. No sentido de vender uma ideia do candidato que não corresponde ao que é.

Hoje em dia isso é muito difícil. No mundo actual, é muito difícil vender aquilo que o candidato não é. Com a informação que há, é muito complicado.

 

O candidato tem de ter substância.

Tem de ser genuíno. Quando não o é, rapidamente a opinião pública, o eleitorado, percebe que aquilo não corresponde à realidade.

 

Já lhe aconteceram casos desses.

Já, mas no passado. Já tive experiências em que percebi que aquilo era completamente artificial. Mas são candidatos que hoje em dia não existem, mesmo em Portugal. Nos últimos anos, o mundo evoluiu muito como as redes sociais, não sei se é muito por isso ou só por isso, mas as pessoas têm outra percepção das coisas. Como dizem os espanhóis, as pessoas são muito mais "listas" [inteligentes, astutas], mais argutas e mais espertas no sentido de perceberem o que é genuíno.

 

São mais difíceis de serem enganadas.

Basicamente é isso.

 

Como se interessou pelo marketing político?

Sempre gostei dos bastidores da política. Sempre tive um pé na política, embora tivesse estado no jornalismo, sou daquelas pessoas que acha que o jornalismo não é incompatível com termos um lado, nunca escondi as minhas preferências políticas. Nos meus anos como jornalista, empenhei-me politicamente algumas vezes, quando achei que o devia fazer, interrompendo a carreira de jornalista e sempre gostei dos bastidores da política e das campanhas eleitorais.

 

Mas gosta do quê, em concreto?

Desde miúdo que sempre gostei daquilo, do ambiente. Nos anos 90, comecei a interessar-me mais, a ler, a estudar. Em meados da década, comecei a ir muito ao Brasil e, por mero acaso, através de um amigo comum, conheci o Duda Mendonça. Falámos muito e comecei de alguma forma a colaborar com ele no Brasil. Ele pediu-me para fazer algumas prospecções de mercado no México, na Europa, em África. Comecei a envolver-me, a trabalhar, deixei o jornalismo e dediquei-me muito a isso. Comecei a trabalhar por minha conta em Portugal e em África, mas muito tutelado, entre aspas, e inspirado pelas coisas do Duda, que foi uma escola. Reconheço. Foi um tempo que passei e já passou, mas tive o meu tempo e aprendi muito lá. Dei-me bem com ele, fui seu sócio em Portugal numa empresa de publicidade e depois segui o meu caminho.

 

O que aprendeu com ele?

Aprendi que não podemos trabalhar única e exclusivamente pelo que nós achamos. Temos de trabalhar com alguma base científica. Ou seja, não podemos preparar uma campanha em cima do joelho.

 

Na Sábado, inventámos um ministro do Equipamento Social e andámos pelo país durante cinco ou seis dias. Nunca ninguém desconfiou de nada. 

 

É difícil convencer os candidatos a seguirem as sugestões de um marqueteiro?

Nós sugerimos, não convencemos. Um candidato contrata-nos para ajudarmos.

 

No seu livro, conta a história de um candidato no Brasil com quem tinha combinado uma intervenção final na televisão. Ele não fez nada do sugerido, pediu às pessoas para rezarem com ele e ganhou as eleições.

Isso foi um fenómeno, mas não ganhou por isso. Era um tipo extraordinário. Na altura, tinha 83 anos, hoje deve ter 88, e fazia gala de dizer que nós lhe dizíamos as coisas e ele fazia o contrário. Também não era tanto assim, era mais fazer género do que outra coisa. Mas essa história é fantástica, porque combinámos tudo com ele, tínhamos partido atrás uns 12 pontos. Depois por causa de um escândalo complicado que envolvia o governador que estava no poder começamos a subir e o debate era decisivo. E aquilo tinha um sorteio. Quem fosse o último a fazer as considerações finais, se o debate tivesse corrido bem, teria vantagem. De manhã, preparámos tudo ao milímetro, ele ouviu e não disse nada, depois deixámos o senhor descansar toda a tarde e à noite foi o sorteio, as considerações finais eram dele e nós felizes da vida. E quando entra o senhor a falar, ele resolve rezar um pai-nosso. E nós ficámos… A verdade é que o homem ganhou por cinco ou seis mil votos.

 

Por falar em situações inesperadas, conta-se uma que o envolve a si, em que se terá feito passar pelo general Ramalho Eanes e convocou um Conselho de Ministros extraordinário.

Isso não é verdade. Isso é uma partida muito antiga feita no Expresso, por mim, pelo José António Saraiva, pela Clara Ferreira Alves, pelo Benjamim Formigo, pelo José Júdice, em que resolvemos fazer uns telefonemas nos quais eu, de facto, imito a voz do Eanes. O Eanes era eu, os outros eram o motorista, a telefonista, etc., etc., em que convocámos três ou quatro pessoas para o Palácio de Belém na brincadeira. Aliás, um outro dia, o José Júdice lembrava-me com muita graça quem tinha ido connosco a Belém. Porque nós depois fomos assistir à chegada a Belém das personagens que eram o Galvão de Melo, o André Gonçalves Pereira, o Carneiro Jacinto e o Costa Gomes. Com o Costa Gomes tivemos alguma deferência porque só ligámos na manhã seguinte e não à meia-noite. O Júdice lembrou-me de que quem tinha ido connosco a Belém tinha sido o António Costa. Não participou na partida, mas tinha ido ter comigo ao Expresso – porque nós conhecemo-nos de miúdos –, apanhou o meio da partida mas, honra lhe seja feita, não participou nela, mas foi assistir certamente deliciado às incautas personagens a serem falsamente chamadas ao Palácio de Belém.

 

Há outras histórias que dizem que no Tal & Qual se fez passar por agente de segurança.

Não senhor.

 

E de se ter feito passar por um investidor que queria comprar o iate do Vale Azevedo.

Não. Nada disso. São tudo lendas.

 

E porque acha que elas existem?

Não faço a mínima ideia. O que é verdade é que nós, na Sábado, inventámos um ministro. Foi uma reportagem extraordinária, em Agosto de 1989. O Jorge Peixoto era o ministro. Fizemos uma reportagem, aliás inspirada no "Actuel", que tinha feito isso com um bispo inventado. Nós inventámos um ministro, que era o ministro do Equipamento Social, e andámos pelo país durante cinco ou seis dias. Nunca ninguém desconfiou rigorosamente de nada. O que interessava era a liturgia do poder, os carros, as sirenes, o chegar, o senhor ministro para a esquerda, o senhor ministro para a direita, visitámos o Hospital de São José, inaugurámos um troço da auto-estrada em Penafiel, o ministro, entre aspas, teve um banho de multidão no mercado do Bolhão. Fizemos uma capa na Sábado que era: "Inventámos um ministro e toda a gente acreditou." Isto foi no tempo do Cavaco e a gente dizia: toda a gente conhece a Branca de Neve e ninguém conhece os sete anões. O ministro do Equipamento Social era uma coisa que não existia e mais tarde até veio a existir. E o ministro só dizia: "Bem hajam", "Portugal conta convosco" e "não interessam as cores políticas, o que interessa é Portugal". Só estas três frases e as pessoas diziam: ainda ontem o vi na televisão, senhor ministro. Era uma coisa extraordinária. Quem participou na partida foi o José Manuel Delgado, que agora é da direcção de A Bola, um outro é treinador de hóquei em patins do Benfica, o Pedro Nunes, outra foi a Patrícia Reis, que hoje é uma laureada escritora. O Tiago Gomes Pedro, que está no arquivo da SIC, o José Carlos Pratas e o Augusto Baptista eram os fotógrafos e outros de que já não me lembro. Foi uma coisa divertida, mas foi uma reportagem, um trabalho jornalístico.

 

Marqueteiro ou jornalista?
Marqueteiro.
 

Porquê?

Deixei de ser jornalista em 1999.

 

Gostou de ser jornalista?

Gostei, mas deixei em 31 de Agosto de 1999. Achei que era um ciclo da minha vida que tinha acabado. Fui jornalista durante 21 anos e chegou um momento da minha vida em que achei que tinha feito praticamente tudo. Na altura, tinha uma participação na Prodiário, a Prodiário foi vendida à Lusomundo e achei que era a altura de sair do jornalismo e assim foi. Se me perguntar se tenho saudades, respondo que não tenho.

 

Mas guarda boas recordações?

Excelentes. Mas não gostava de voltar a ser jornalista. Agora, é um vício. Mas acho que as redes sociais nos ajudam muito a combater o vício de escrever.

 

Como assim?

Eu gosto muito de escrever, escrevo no Facebook, escrevo num blogue e isso atenua as coisas.

 

Como é que olha para o jornalismo de hoje?

Quer que eu lhe seja sincero?

Claro.

Com tristeza. Eu sei que os tempos são difíceis, que há falta de meios, sei que os leitores baixaram, sei que a publicidade é um desastre, mas também sei uma coisa, falta muita imaginação. Mas eu não quero entrar por aí, porque senão parece uma coisa pretensiosa, mas às vezes vejo coisas que se podiam fazer e não se fazem.

 

O doutor Passos, que é um homem sério, não percebeu uma coisa, que o país não tem saudades dele. Poderá vir a ter, mas neste momento não. 

 

O jornalismo está pouco interventivo.

Está. E tem pouca imaginação. E às vezes é tão fácil. Diz-se que a internet matou o jornalismo, ok, se calhar não ajudou, mas por um lado pode ajudar. A investigação passou a ser muito mais fácil porque a internet ajuda e embarateceu-a. Ainda tenho muita gente amiga nos jornais e às vezes não resisto, pego no telefone e digo, eh pá, façam isto, peguem nisto.

 

Afinal ainda tem o bichinho.

O bichinho nesse sentido, de dar sugestões, mas não trabalharia num jornal.

 

O jornalismo no Brasil é muito diferente do que se faz em Portugal?

Conheço mal o jornalismo no Brasil. Gosto muito de alguns jornais brasileiros, por exemplo, acho a Folha de São Paulo um jornal extraordinário e, ao contrário de muita gente, acho a Veja uma revista horrível. Sou muito mais leitor superficial de jornais do que outra coisa qualquer.

 

Numa entrevista à TVI afirmou que Marcelo Rebelo de Sousa é o melhor marqueteiro português. Porquê?

Foi um bocado em sentido figurado. Uma "blague". Ele não precisa de um marqueteiro, o Marcelo, em si, é um. Ele é um "one-man show". Duvido de que alguém consiga trabalhar com ele. Ou, se conseguir, será só por umas horas e depois deve lançar-se ao Tejo.

 

E António Costa?

É um fenómeno de comunicação. E sou insuspeito porque não sou eleitor do doutor António Costa, mas acho que ele provou, ao longo deste ano e meio, que é um fenómeno de comunicação. Você vai para a rua, olha para as pessoas, não as sente diferentes? Eu sinto. As pessoas ganham mais? Há um optimismo. O Marcelo ajudou, mas ele conseguiu criar optimismo nas pessoas. E as pessoas não estavam optimistas.  Nestes últimos anos, estive muito entre Portugal e o Brasil, estive mais lá, e quando chegava aqui metia-me impressão porque tudo isto era deprimente. Era aquela história do tudo bem, vai-se andando. E isso passou. Se calhar volta, não estou a dizer que não aconteça, mas não percebo o discurso da oposição, porque as pessoas não se revêem nele. As pessoas sentem que isto pode ir lá.

 

É uma questão de mensagem.

O doutor Passos, que é um homem que, acho eu, acredita naquilo que defende, é sério, não percebeu uma coisa, que o país não tem saudades dele. Poderá vir a ter, mas neste momento não tem.

 

Como marqueteiro, quais os conselhos que poderia dar a Passos Coelho?

Não sou pretensioso a esse ponto. O doutor Passos saberá certamente o que deve fazer e estará a ser muito bem aconselhado.

 

Como olha para a situação política no Brasil?

O Brasil tem um grande problema. Tem das direitas mais imbecis e das esquerdas mais arrogantes e deslumbradas que conheci na vida. E isso é terrível. Ainda ontem [segunda-feira] ouvi uma senhora que tem responsabilidades no PT, chamada Benedita da Silva, dizer publicamente num seminário, "isto só vai lá com um derramamento de sangue", perante os aplausos da plateia. É a mesma coisa que o senhor Bolsonaro dizer aquelas barbaridades à direita. O Brasil deixou de ter centro e gradualmente está a extremar­-se, rompeu. Eu não quero ser pretensioso, mas há quatro ou cinco anos que digo isto no Brasil, ou vocês encontram um centrão, ou há uma reformulação partidária no Brasil, ou isto acaba mal. Palavra de honra que digo isto há quatro ou cinco anos. Porquê? Porque não há um grande partido à direita no Brasil. Tinha o DEM, mas sempre foi um partido residual, depois há uma série de partidos evangélicos que se formaram porque convinha para ir buscar uns fundos e se venderem às maiorias que se vão fazendo. E depois tem o PSDB, que é um partido social-democrata, mas que encostou à direita e é o partido da direita e da extrema-direita. E depois tem o PT, que é um saco de gatos e que, se não me engano, tem pelo menos 12 tendências institucionalizadas, é uma espécie de Bloco de Esquerda mas para muito pior, porque tem desde sociais-democratas a correntes que há uns anos defendiam teses do Baader Meinhof. Ou aquilo rapidamente implode, ou seja, o PSDB estoira, o PT estoira, o PMDB que é um partido fisiológico e está com um e com outro estoira, e se cria um partido forte ao centro com outra à esquerda e outro à direita e esse partido do centro vai governando, ora com o apoio da esquerda, ora com o apoio da direita, ou não sei como é que aquilo vai acabar. Porque as novas gerações não são melhores. Não há uma nova geração no Brasil diferente desta que está no poder. Foi formada neste esquema do jeitinho e da corrupção brasileira que está institucionalizada e não se resume à política. Está também no judiciário.

 

O modelo de democracia para África ainda tem de ser inventado. Não é a nossa democracia burguesa.

 

Como se faz marketing político num país minado pela corrupção, por esse jeitinho de que falou?

Tem toda a razão. Houve uma campanha em que dei por mim numa reunião, no escritório do candidato com o "staff" dele, e a certa altura começaram a discutir à minha frente como é que mandavam dinheiro para a compra de votos. E eu disse, desculpem lá, à minha frente não, quanto mais não seja porque é uma falta de respeito a quem vocês contrataram para fazer a campanha. Aquilo chegou a um ponto onde não há vergonha. Eu não vou dizer que é tudo assim, acredito que existam pessoas com um mínimo de princípios, muitas não há, mas que existem, existem. Mas aquilo chegou a um ponto em que não havia limites, valia tudo. E era tudo normal.

 

Há alguma forma de desmontar este sistema?

O que digo, um bocado a brincar, é o seguinte. Em Portugal, logo a seguir ao 25 de Abril, havia um "slogan" escrito no aeroporto: "O último a sair que apague a luz." Eu acho que no Brasil a questão é esta, quem é que vai ficar com a chave da cadeia, porque vai acabar tudo preso. E a delação premiada é um perigo.

 

Porquê?

É assim. A é preso, delata B, B é preso, delata C, entretanto o A e B já saíram da prisão. C é preso, delata D. O C saiu da prisão. Portanto, isto é um círculo vicioso. No fim, está tudo cá fora, toda a gente delatou toda a gente. Depois o F já delatou o A outra vez. E andamos nisto. Quem é que está lá dentro? Quem não falou. Se você for ver quem é que está preso, de facto, no Brasil, são três ou quatro que não aderiram à delação premiada. O José Dirceu nunca aderiu. O próprio Palocci [ministro das Finanças de Lula da Silva] vai aderir. Um dia destes até o Lula há-de ir à delação premiada, já nada me espanta. Ou o Temer.

 

Michel Temer vai conseguir manter-se como Presidente do Brasil?

Se ele for até ao final do mandato, então é porque está tudo doido. Mas eu já não digo nada. Com as perguntas que lhe mandaram e a dificuldade que ele tem em responder, ao mesmo tempo com o julgamento da chapa Dilma/Temer por financiamento ilegal. Ele pode cair, não pela história da gravação, mas pelo financiamento ilegal da campanha de 2010. Cai a Dilma e cai ele.

 

Há quem defenda eleições directas no Brasil. Seria uma solução?

Acho um perigo as directas, porque vão potenciar conflitos. O PT, neste momento, está com uma estratégia de rua. O Lula meteu na cabeça uma coisa extraordinária.

 

Voltou a ser o Lula que perdeu três eleições antes de ser Presidente.

Exactamente. E quer recuperar o poder na rua. Que é uma loucura. O PT está a acirrar ânimos. Se isto fosse para directas, eles iam mexer-se de maneira a tornar o Lula inelegível e isso criaria uma onda de protestos, de "quebra-quebra", como eles dizem, terrível. Começo a acreditar que o Lula podia ganhar as eleições. Há um ano, o Lula tinha 65% de rejeição e com este nível ninguém ganha eleições, seja em que lugar for do mundo. E ele, num ano, acusado de tudo e mais alguma coisa, desceu a taxa de rejeição em 14%, para 51%.

 

Portanto, não está optimista.

Não, estou muito pessimista. E a dona Dilma teve muitas responsabilidades nisto. Se ela tivesse governado e não tivesse sido uma marioneta nas mãos do PT, podia ter feito o governo dela no dia em foi reeleita em 2014, porque já não precisava do PT. Mas não. Mas atenção, ninguém acusa a Dilma de nada. É outra coisa curiosa. Até agora está impoluta.

 

Também fez campanhas em África.

Em São Tomé e na Guiné-Bissau. Na Guiné, fiz a campanha do Hélder Vaz, ele diz que sou irmão dele e eu fico muito honrado com isso.

 

No Brasil, a questão é esta, quem é que vai ficar com a chave da cadeia, porque vai acabar tudo preso. 

 

O que aprendeu?

Foram grandes escolas. A de São Tomé foi a primeira campanha que fiz à séria, sozinho. Cometi alguns erros, aprendi que não podemos exportar modelos preconcebidos, aprendi que às vezes há candidatos que não são candidatos ou são candidatos de outrem. Isto foi em São Tomé, concretamente. Aprendi, na Guiné, que de facto África não tem nada que ver com o resto. A lógica é completamente diferente. E quando nós, na Europa, queremos exportar o nosso modelo de democracia para África só estamos a contribuir para que África não se desenvolva. O modelo de democracia para África ainda tem de ser inventado. Não é a nossa democracia burguesa que pode ser implantada em África. Mas aprendi que uma campanha eleitoral em África é um motivo de festa. Enquanto no Brasil é um motivo de emprego, porque uma campanha no Brasil numa terra pequena é um gerador de empregador, numa terra de 60 mil habitantes está garantido, se forem três candidatos, que há 20 mil tipos com emprego para quatro meses, em África é uma festa, porque há música, há camisolas, há grupos a cantarem… 

 

E em Portugal?

É uma coisa chata. Eu gosto muito de eleições autárquicas.

 

Vai participar em alguma?

Não. Tenho amigos que posso ajudar pontualmente, mas não.

 

Porquê?

Para mim é muito difícil trabalhar em Portugal por uma razão básica, eu gosto de ter opinião. Eu, no Brasil, não tenho opinião. Eu, no Brasil, não escrevo coisas no Facebook ou no meu blogue estando no Brasil. Mas em Portugal escrevo sobre o que me apetecer e não me condiciono. E uma pessoa estar a expressar as suas opiniões e depois ir fazer campanhas, acho complicado. Agora, não estou condicionado a ajudar um amigo ou outro. Gosto de eleições locais porque são mais próximas.

 

Sente-se mais a intervenção do marqueteiro.

Sim. E acho que para um presidente de Câmara, para um perfeito, fazer política é mais gratificante. Nunca mais me esqueço do que o doutor Fernando Nogueira, de quem eu gosto muito, me disse uma vez. Sabe uma coisa, Paulo Fafe – ele trata-me por Paulo Fafe –, eu fui 11 anos ministro e não deixo nada. Fiz umas leis… Se tivesse sido presidente de Câmara, tinha feito a ponte, o hospital, ou seja, tinha deixado obra física. Eu acho que é muito mais gratificante para um político ter um cargo executivo local do que um cargo executivo nacional, excepto o cargo de primeiro-ministro. E numa campanha local a resposta que temos de dar é muito mais imediata, concreta, embora lhe diga que fazer uma campanha no Brasil é aliciante e estimulante intelectualmente.

 

Em Portugal, participou na campanha presidencial de Ferreira do Amaral.

Não fiz a parte estratégica. Aí estava na parte de comunicação.

 

Que correu bastante mal.

Pessimamente. São erros que cometemos na vida. Fui convidado e aceitei dirigir, eu e o Jorge Peixoto, a parte de comunicação do Joaquim Ferreira do Amaral. Depois havia um senhor brasileiro que andava aí, que se intitulava mágico ou mago, que era o marqueteiro que eles tinham trazido para cá. A campanha foi um desastre, não pelo candidato, que é um bom homem, não seria certamente o melhor candidato que o PSD podia arranjar, mas ele teve essa disponibilidade. Essa campanha foi das coisas mais hilariantes que vi na minha vida. Desde uma telefonista brasileira numa campanha à presidência da República que atendia o telefone com um "oi", até ao director de campanha que era íntimo do adversário, o Jorge para a esquerda, o Jorge para a direita, aquilo era surrealista.

 

No seu livro, a propósito de uma outra campanha presidencial em que Basílio Horta atacou, de forma muita acintosa, Mário Soares, defende que os candidatos não devem hostilizar os seus adversários. 

Há limites, porque as pessoas não gostam. Hoje em dia as pessoas não gostam do ataque, acham que os políticos não têm de se atacar. O Duda repete isso à exaustão, quem bate perde. Não sei se é sempre assim, mas na generalidade não vale a pena atacar por atacar. Acho que o Basílio Horta exagerou a nota. É como nas campanhas negras. Não vale tudo. Obviamente que temos de nos documentar e saber o mais que pudermos sobre o adversário, mas não tenho de utilizar tudo. Se sei que o adversário tem um caso de corrupção, obviamente devo utilizar isso, porque ele está a concorrer a um cargo que mexe com dinheiros públicos. Se o senhor tem uma opção sexual que não é tradicional, não tenho o direito de usar isso contra ele. Mais, acho que não vale a pena e que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E quando entramos nesse tipo de campanha negra não sabemos o que vem de lá. Mesmo que seja mentira. 

 

Fidel Castro era um tipo fascinante, um sedutor, com um carisma como eu nunca vi ninguém na vida. 

 

Viveu uma parte da sua infância em Cuba, com o seu pai que era embaixador, e conheceu pessoalmente Fidel Castro. Já voltou a Cuba depois disso?

Muitas vezes.

 

Como é que olha para esta abertura de Cuba?

Eu tenho uma posição em relação a Cuba muito estranha. Politicamente, não tenho nada que ver com o regime cubano, mas sou um fervoroso castrista. Não sou guevarista, nunca fui na vida, mas talvez por ter conhecido Fidel fiquei fascinado pela figura. Era inevitável que Cuba abrisse, acho que a política americana em relação a Cuba falhou rotundamente a todos os níveis, acho que a apreciação que geralmente fazemos sobre Cuba é errada porque Cuba já mudou há 15 anos. A revolução em Cuba foi em 1959, até hoje já passaram 58 anos, quem é que se lembra de Cuba antes da revolução? Quem tem 75 anos. Ou seja, a essas pessoas a revolução diz alguma coisa, quem nasceu depois já não tem termo de comparação. Portanto, os princípios e os valores da revolução pouco lhes dizem. Já não há apego aos ideais revolucionários, aquela pureza que existia quando eu vivi lá e que eu respeito. Hoje em dia, a mentalidade mudou completamente em Cuba. Porque as pessoas que tinham 15 ou 18 anos na altura da revolução hoje representam 3% da população. Ou seja, a mentalidade dos cubanos já mudou. E quando dizem, há uma ânsia de liberdade em Cuba, é falso. Não há ânsia de liberdade nenhuma. As pessoas estão-se a marimbar para a existência de quatro, três, dois ou um partido. As pessoas estão-se a marimbar se as eleições são por voto de braço no ar nas assembleias de poder popular ou se são por voto secreto e universal, como nós nas democracias ocidentais. A única coisa que as pessoas querem em Cuba é viver melhor, querem mudanças económicas.

 

É castrista porquê?

Por uma razão pessoal. Pelo carisma que ele tinha.

 

Que idade tinha quando o conheceu?

A primeira vez que o vi discursar tinha 13 anos. Depois conheci-o com 14. Um tipo fascinante, um sedutor, com um carisma como eu nunca vi ninguém na vida, um tipo que falava sobre qualquer coisa, sabia tudo. Assistir a um discurso do Fidel era uma coisa do outro mundo. Lá estava o marketing político. No dia 8 de Dezembro de 1959, quando ele faz o primeiro discurso em Havana, uma multidão num hangar enorme e há uma pomba branca que vem, pousa no ombro do senhor e fica lá enquanto ele discursa. Obviamente foi um truque, mas é uma coisa extraordinária, porque a pomba branca para aquelas religiões afro-cubanas, além da paz, tem um significado especial. E aquilo era uma obviamente uma mensagem. Dizem que o marketing político deu nas vistas com aquele debate entre o Kennedy e o Nixon, mas acho que uns anos antes deu nas vistas naquele discurso do Fidel.  Eu digo que sou castrista na brincadeira, politicamente não sou, embora tenha muito respeito por quem fez a revolução cubana, porque a fez convictamente, por idealismo. Depois aquilo foi empurrado para um lado. O Fidel nunca foi comunista na vida, empurraram-no para ali. 

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