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GNR: Homens temporariamente pop

A história do grupo é descrita na biografia “GNR – Onde Nem a Beladona Cresce”. Os fãs vão, por certo, percorrer as memórias desse grupo que sobreviveu ao tempo, às rugas e às mudanças de paradigmas musicais.

Octávio Paiva
02 de Dezembro de 2016 às 16:00
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No início da década de 1980, a música rock nacional parecia uma noite de relâmpagos. Propostas tentadoras nasciam regularmente, iluminando um país que descobria o mundo e, também, outras influências culturais. O chamado "rock português" foi sobretudo o destapar de uma tampa de uma panela a ferver: a juventude portuguesa subia para o palco e começava a cantar na sua língua. Mas, no fundo, estava a acontecer uma alteração cultural substancial: cortava-se com a hegemonia cultural francesa de gerações passadas e impunha-se o universo anglo-saxónico, que tinha como ponta-de-lança o rock. A música foi o ponto de partida de uma mutação enorme que, nas grandes cidades, estava ligada à moda, aos costumes e às artes plásticas.

No meio da revolução sonora, que correspondia à abertura de janelas para a Europa (e também ao fim do período revolucionário e do império colonial), surgiram grupos sem fim e, também, uma divulgação militante do que se produzia. As propostas foram-se sucedendo, dos Corpo Diplomático a Rui Veloso, dos Heróis do Mar à Sétima Legião, de António Variações aos Xutos & Pontapés, dos Street Kids e Rádio Macau aos Jafumega. E, houve, claro, os GNR. Ou melhor, Grupo Novo Rock, assim definido para escapar às confusões porque, nessa altura, era tudo ainda demasiado sensível aos desafios e à ironia.

A história do grupo com a alma e o coração no Porto é descrita numa longa e muito ilustrada biografia chamada "GNR - Onde Nem a Beladona Cresce" feita por Hugo Torres. Os fãs vão, por certo, percorrer as memórias desse grupo que sobreviveu ao tempo, às rugas e às mudanças de paradigmas musicais. Hoje centrado em Rui Reininho, Tóli César Machado e Jorge Romão, teve outras vidas e outros intérpretes. O que correspondeu, no início, à ebulição de tempos onde todas as certezas desapareciam rápidas na vertigem da descoberta.

O autor vai limpando o pó destes tempos de grandes alterações, desde a mudança das letras (de inglês para português) à presença de Alexandre Soares ou de Vítor Rua (ambos com ideias um pouco diferentes para a linha do grupo) até à chegada de Rui Reininho. Se Alexandre Soares e Vítor Rua davam aos GNR uma dimensão musical mais radical, Reininho trouxe-lhe uma figura ímpar de palco e um criador de letras contaminadas de ironia (era interessante, um dia, alargar a análise das letras aos textos que Reininho escreveu, na segunda metade da década de 1980, para o Semanário).


Os GNR merecem um capítulo muito grande da história do pop/rock português das últimas décadas. Porque a sua influência foi um expoente das mudanças culturais profundas a que assistimos neste país.


Se "Sê um GNR" ou "Portugal na CEE" ligam os holofotes para o grupo, a partir daí o novo vocalista vai modificar os contornos do som da banda e também da sua pose. Escreve Hugo Torres: "O novo vocalista enceta uma mudança fundamental no som da banda. Reininho encaixa perfeitamente no 'ensemble' de rebelião e ironia que se encontra nos GNR, e acrescenta-lhes a pose de adulto e intelectual que torna a marginalidade da banda num motivo de admiração - mais do que êxtase juvenil. As letras sinuosas que escreve polvilhadas por humor, sarcasmo e formulações mirabolantes, começam de imediato a servir de imagem de marca à banda - ouça-se 'Agente Único', a abrir "Independança"." A partir daí, a história iria ser diferente.

A história dos GNR diz-nos também muito sobre as mudanças de Portugal desde o início dos anos 80. E é inteligente, no livro, fazer-se quadros com o enquadramento do que de mais importante aconteceu aqui, para se entender melhor certas alterações de forma e conteúdo na pop e no rock português. O que sobra de toda esta história é o conjunto notável da canções que se encontram na discografia dos GNR, algumas delas históricas, de "Dunas" a "Homens Temporariamente Sós", de "Pós Modernos" a "Efectivamente", de "Sangue Oculto" ao penetrante "Pronúncia do Norte", entre tantas outras.

Os GNR merecem um capítulo muito grande da história do pop/rock português das últimas décadas. Porque a sua influência ultrapassou a de um puro grupo excitante em cima de um palco a cativar fãs. Foi um expoente das mudanças culturais profundas a que assistimos neste país. E não só na música. Mas, em parte, por culpa dela.


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