Notícia
Explosão em Wall Street
Setembro é um mês negro para Nova Iorque. A história da cidade tem registados dois atentados neste mês, que deixaram um rasto de destruição e morte. Muito antes do 11 de Setembro de 2001, que derrubou as torres gémeas, o alvo foi o centro financeiro. A 16 de Setembro de 1920 uma bomba colocada em Wall Street matou 38 pessoas e provocou centenas de feridos. O caso nunca foi resolvido.
Os sinos de Trinity Church, em Nova Iorque, anunciaram o meio-dia. Já cheirava a Outono naquela terça-feira de 16 de Setembro de 1920. Ali perto, em Wall Street, o centro financeiro da "Big Apple", havia uma multidão na rua para a habitual pausa de almoço. Corretores, administrativos, bancários e moços de recados saiam dos edifícios e cruzavam-se nas ruas por onde circulavam também automóveis.
Uma carruagem puxada por um cavalo parou na esquina onde se cruza Wall Street com Broad Street, em frente à sede do banco JP Morgan and Co., a mais importante instituição financeira dos Estados Unidos naquela altura. O condutor da carroça, que carregava uma poderosíssima bomba constituída por uma enorme quantidade de dinamite e 500 quilos de pequenos pesos de ferro fundido, saiu sem dar nas vistas e desapareceu rapidamente por entre a multidão.
Precisamente às 12h01 a carruagem explodiu deixando um rasto de destruição e morte. Perderam a vida 38 pessoas e ficaram feridas mais de 300. Os que estavam mais perto da bomba foram consumidos pelas chamas ou cortados pelos estilhaços. Os relatos das testemunhas são elucidativos do cenário macabro que se abateu sobre aquele local onde o sangue se misturou com vidros partidos e corpos carbonizados.
"Eu vi a explosão, uma coluna de fumo levantou-se no ar e depois vi pessoas a cair ao meu redor, algumas com as roupas em chamas", disse Charles P. Dougherty, trabalhador da Bolsa de Valores, ao jornal The New York Sun. O repórter da Associated Press George Weston, que escapou ileso, também contou o que viu do lado de dentro de um dos edifícios. "Quase em frente dos degraus do banco Morgan estava o corpo mutilado de um homem. Outros corpos estavam ali por perto. Enquanto eu olhava horrorizado, um desses corpos, meio nu e queimado, começou a levantar-se. Ele lutava [para se levantar], depois foi derrubado e caiu sem vida."
Muitas pessoas refugiaram-se na Trinity Church. Em poucos minutos a notícia do atentado espalhou-se pela cidade e chegou o socorro. Centenas de polícias e de enfermeiras da Cruz Vermelha dirigiram-se para o local. Nova Iorque ficou em choque. Mas a bolsa reabriu logo no dia seguinte. A rapidez com que o local foi limpo, para que tudo voltasse ao normal em poucas horas, não ajudou as autoridades na investigação.
Quem detonou a bomba?
O The Washington Post chamou à explosão um "acto de guerra", tal foi a carnificina. Até ao 11 de Setembro de 2001, este tinha sido o ataque terrorista em Nova Iorque com maior número de mortos e um dos maiores em território norte-americano. O caso foi investigado pela polícia de Nova Iorque, bombeiros, Bureau of Investigation (a entidade que precedeu o FBI) e Serviços Secretos norte-americanos.
O ataque nunca foi reivindicado e as "teorias da conspiração abundaram", pode ler-se no sítio do FBI. Houve quem apontasse o dedo aos comunistas da Revolução Bolchevique. Mas a tese que aparece escrita nos arquivos do FBI é a de que a explosão terá sido obra de anarquistas italianos. Tudo porque no dia seguinte trabalhadores dos correios encontraram uma pilha de panfletos que foram colocados nas caixas do correio do distrito financeiro minutos antes do ataque, onde se lia: "Já não vamos tolerar mais. Libertem os prisioneiros políticos ou será morte certa para todos vós. Lutadores Anarquistas Americanos." Um ano antes este grupo terá rebentado várias bombas em diferentes cidades dos Estados Unidos.
A polícia atribuiu a autoria desses atentados aos seguidores de Luigi Galleani, um anarquista italiano considerado um orador empolgante e especialista em explosivos, que foi deportado em 1919. O ataque a Wall Street tinha muitas semelhanças com o "modus operandi" deste homem e dos seus seguidores, nomeadamente o uso de pesos de ferro como estilhaços.
O alvo do ataque parecia ser o banco JP Morgan, que ganhou relevo com a I Guerra Mundial, mas, ironicamente, o dono da instituição, J.P. Morgan Jr., estava na Europa nessa altura. Investigadores acreditam que um seguidor de Galleani, Mario Buda, será o autor do ataque, e que terá sido uma vingança pela prisão dos companheiros anarquistas Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti . Mas o mistério permanece ainda hoje. O caso nunca foi resolvido por falta de provas e foi arquivado definitivamente cerca de vinte anos depois. O último inquérito oficial tem a data de 1944.
O capitalismo ferido
Quem quer que seja que orquestrou o ataque a Wall Street tinha como alvo atingir o centro financeiro de Nova Iorque e espalhar o terror. Naquele ano de 1920 a economia dos Estados Unidos estava pujante. O país tirou benefícios da I Guerra Mundial. A Europa estava de rastos e precisava de comprar tudo, o que se revelou uma oportunidade de crescimento para a indústria norte-americana, que ganhava dinheiro com as exportações.
A época era de prosperidade e o crédito bancário expandia-se. Muitos norte-americanos investiram no mercado de acções. Na bolsa de Nova Iorque o índice Dow Jones tinha 20 empresas cotadas que pertenciam a sectores como a agricultura, automóvel, comunicações, minas, energia, siderurgia. Entre elas estavam a General Electric, a Western Union e The Texas Company (Texaco). Mas, à medida que a Europa começava a reerguer-se e a reorganizar a sua indústria, baixou o volume de encomendas. Os Estados Unidos não se adaptaram à mudança no mercado. O ajustamento a uma economia de tempo de paz não foi fácil. O país continuou a produzir mais do que conseguia escoar, tanto na indústria como na agricultura. A "máquina" estava desenfreada. Eram os chamados "loucos anos 20" onde reinava a euforia e o consumo. E a bolha estoirou.
O ataque a Wall Street marcou o início de uma década que viria a terminar de forma desastrosa com o "crash" da bolsa a 29 de Outubro 1929. Nessa terça-feira negra o valor das acções caiu a pique e desencadeou uma das crises económicas mais profundas dos Estados Unidos, que ainda hoje é estudada nas universidades. Rapidamente houve um contágio a outros países ocidentais. A chamada "Grande Depressão" viria a assombrar o país durante os anos 30. Em 1933, o pico da crise, a taxa de desemprego estava nos 25%. E a pobreza alastrava de forma visível nas ruas de Nova Iorque. Muitos perderam tudo o que tinham investido na bolsa e, em desespero, suicidaram-se.
Nada disto era de prever naquele dia 16 de Setembro de 1920, quando a bomba explodiu em pleno centro financeiro de Nova Iorque. Mas, para que ninguém se esqueça, as marcas da explosão continuam visíveis no número 23 de Wall Street, onde ficava a sede do JP Morgan. São cicatrizes da história.
Uma carruagem puxada por um cavalo parou na esquina onde se cruza Wall Street com Broad Street, em frente à sede do banco JP Morgan and Co., a mais importante instituição financeira dos Estados Unidos naquela altura. O condutor da carroça, que carregava uma poderosíssima bomba constituída por uma enorme quantidade de dinamite e 500 quilos de pequenos pesos de ferro fundido, saiu sem dar nas vistas e desapareceu rapidamente por entre a multidão.
"Eu vi a explosão, uma coluna de fumo levantou-se no ar e depois vi pessoas a cair ao meu redor, algumas com as roupas em chamas", disse Charles P. Dougherty, trabalhador da Bolsa de Valores, ao jornal The New York Sun. O repórter da Associated Press George Weston, que escapou ileso, também contou o que viu do lado de dentro de um dos edifícios. "Quase em frente dos degraus do banco Morgan estava o corpo mutilado de um homem. Outros corpos estavam ali por perto. Enquanto eu olhava horrorizado, um desses corpos, meio nu e queimado, começou a levantar-se. Ele lutava [para se levantar], depois foi derrubado e caiu sem vida."
Muitas pessoas refugiaram-se na Trinity Church. Em poucos minutos a notícia do atentado espalhou-se pela cidade e chegou o socorro. Centenas de polícias e de enfermeiras da Cruz Vermelha dirigiram-se para o local. Nova Iorque ficou em choque. Mas a bolsa reabriu logo no dia seguinte. A rapidez com que o local foi limpo, para que tudo voltasse ao normal em poucas horas, não ajudou as autoridades na investigação.
Quem detonou a bomba?
O The Washington Post chamou à explosão um "acto de guerra", tal foi a carnificina. Até ao 11 de Setembro de 2001, este tinha sido o ataque terrorista em Nova Iorque com maior número de mortos e um dos maiores em território norte-americano. O caso foi investigado pela polícia de Nova Iorque, bombeiros, Bureau of Investigation (a entidade que precedeu o FBI) e Serviços Secretos norte-americanos.
O ataque nunca foi reivindicado e as "teorias da conspiração abundaram", pode ler-se no sítio do FBI. Houve quem apontasse o dedo aos comunistas da Revolução Bolchevique. Mas a tese que aparece escrita nos arquivos do FBI é a de que a explosão terá sido obra de anarquistas italianos. Tudo porque no dia seguinte trabalhadores dos correios encontraram uma pilha de panfletos que foram colocados nas caixas do correio do distrito financeiro minutos antes do ataque, onde se lia: "Já não vamos tolerar mais. Libertem os prisioneiros políticos ou será morte certa para todos vós. Lutadores Anarquistas Americanos." Um ano antes este grupo terá rebentado várias bombas em diferentes cidades dos Estados Unidos.
A polícia atribuiu a autoria desses atentados aos seguidores de Luigi Galleani, um anarquista italiano considerado um orador empolgante e especialista em explosivos, que foi deportado em 1919. O ataque a Wall Street tinha muitas semelhanças com o "modus operandi" deste homem e dos seus seguidores, nomeadamente o uso de pesos de ferro como estilhaços.
O alvo do ataque parecia ser o banco JP Morgan, que ganhou relevo com a I Guerra Mundial, mas, ironicamente, o dono da instituição, J.P. Morgan Jr., estava na Europa nessa altura. Investigadores acreditam que um seguidor de Galleani, Mario Buda, será o autor do ataque, e que terá sido uma vingança pela prisão dos companheiros anarquistas Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti . Mas o mistério permanece ainda hoje. O caso nunca foi resolvido por falta de provas e foi arquivado definitivamente cerca de vinte anos depois. O último inquérito oficial tem a data de 1944.
O capitalismo ferido
Quem quer que seja que orquestrou o ataque a Wall Street tinha como alvo atingir o centro financeiro de Nova Iorque e espalhar o terror. Naquele ano de 1920 a economia dos Estados Unidos estava pujante. O país tirou benefícios da I Guerra Mundial. A Europa estava de rastos e precisava de comprar tudo, o que se revelou uma oportunidade de crescimento para a indústria norte-americana, que ganhava dinheiro com as exportações.
A época era de prosperidade e o crédito bancário expandia-se. Muitos norte-americanos investiram no mercado de acções. Na bolsa de Nova Iorque o índice Dow Jones tinha 20 empresas cotadas que pertenciam a sectores como a agricultura, automóvel, comunicações, minas, energia, siderurgia. Entre elas estavam a General Electric, a Western Union e The Texas Company (Texaco). Mas, à medida que a Europa começava a reerguer-se e a reorganizar a sua indústria, baixou o volume de encomendas. Os Estados Unidos não se adaptaram à mudança no mercado. O ajustamento a uma economia de tempo de paz não foi fácil. O país continuou a produzir mais do que conseguia escoar, tanto na indústria como na agricultura. A "máquina" estava desenfreada. Eram os chamados "loucos anos 20" onde reinava a euforia e o consumo. E a bolha estoirou.
O ataque a Wall Street marcou o início de uma década que viria a terminar de forma desastrosa com o "crash" da bolsa a 29 de Outubro 1929. Nessa terça-feira negra o valor das acções caiu a pique e desencadeou uma das crises económicas mais profundas dos Estados Unidos, que ainda hoje é estudada nas universidades. Rapidamente houve um contágio a outros países ocidentais. A chamada "Grande Depressão" viria a assombrar o país durante os anos 30. Em 1933, o pico da crise, a taxa de desemprego estava nos 25%. E a pobreza alastrava de forma visível nas ruas de Nova Iorque. Muitos perderam tudo o que tinham investido na bolsa e, em desespero, suicidaram-se.
Nada disto era de prever naquele dia 16 de Setembro de 1920, quando a bomba explodiu em pleno centro financeiro de Nova Iorque. Mas, para que ninguém se esqueça, as marcas da explosão continuam visíveis no número 23 de Wall Street, onde ficava a sede do JP Morgan. São cicatrizes da história.