Notícia
Ele é Johnson, Boris Johnson
Ambicioso, original, desarrumado. Até no cabelo. E, dizem, de propósito. Boris Johnson, o político britânico que agora é ministro dos Negócios Estrangeiros, não deixa indiferente o país, nem mesmo o mundo. Que papel lhe reserva a História?
Em Guimarães, há uma semente do eurocepticismo de Boris Johnson. Foi na cidade-berço, em Maio de 1992, que o controverso político britânico - então jornalista - escreveu um artigo para o Telegraph, que teria chamada à primeira página: "O plano de Delors para mandar na Europa." Jacques Delors, ex-primeiro-ministro francês, era então presidente da Comissão Europeia. Boris Johnson, enquanto correspondente em Bruxelas, lutava contra o seu poder e as suas intenções de criar uma União mais unida, o que, aliás, granjeava a simpatia de Margareth Thatcher mas já não tanto de John Major, que era, em 1992, o primeiro-ministro do Reino Unido de quem se diz que não gostava das posições assumidamente eurocépticas do correspondente Johnson.
Mas voltemos a Guimarães. Foi aí que a história de Delors foi escrita pela mão de Johnson, que, anos mais tarde, lhe atribui uma importância decisiva para a votação dinamarquesa do referendo de 2 de Junho de 1992. Os dinamarqueses disseram não ao Tratado de Maastricht e à moeda única. Boris Johnson atribui a si próprio importância nesse desenvolvimento, que acabaria revertido em 1993 com uma vitória do "sim" em nova consulta popular. Para já, Boris clamava vitória e disso deu nota num artigo publicado anos mais tarde no Telegraph: "Em Maio de 1992, fui a Guimarães e escrevi o meu artigo impressionante, histórico e agora totalmente esquecido", dizia, ao mesmo tempo que lamentava que os jovens não soubessem hoje quem foi Delors, o tal que ele combateu.
Boris Johnson é assim. Quer ficar na História. Não deixa de ser curioso que o então jornalista, correspondente em Bruxelas, estava em Guimarães para acompanhar uma reunião do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros, precisamente o lugar onde hoje é ele a sentar-se, representando o Reino Unido.
Negócios Estrangeiros em ebulição
"Gostava que fosse uma brincadeira, mas temo que não seja. Saída após saída." Assim foi a reacção do ex-primeiro-ministro sueco, Carl Bildt, no Twitter quando se soube a nomeação de Boris Johnson como ministro dos Negócios Estrangeiros. Outras reacções semelhantes não demoraram. Muitos reagiram como Boris Johnson faria se estivesse no seu lugar. Com ironia. É assim que ele gosta. Como disse uma vez ao The Wall Street Journal: "O humor é um utensílio para dourar a pílula e fazer valer os importantes pontos de vista (...) Permitiu-me chegar a inúmeras plataformas." Na biografia "Just Boris", a autora Sonia Purnell acredita que foi a ironia que o salvou de parecer mais de direita ou demasiado ambicioso ou duro. Dourou a pílula? Michael Portillo, ex-ministro da Defesa conservador e que também serviu no Parlamento como membro do mesmo partido de Johnson, chegou a dizer que Boris tinha de escolher entre a política e a comédia.
Escolheu a política com alguma comédia. E foi assim vista a sua escolha para a pasta da diplomacia, ele que tinha sido tão pouco diplomático com alguns líderes mundiais. A começar por Barack Obama, que criticou por ter apelado contra o Brexit, e que acusou de ter retirado um busto de Churchill da Casa Branca, sugerindo ser um símbolo da antipatia de um Presidente "parte-queniano" para com o império britânico. Já como ministro dos Negócios Estrangeiros foi confrontado com estas declarações - e com outras que tinha feito sobre Hillary Clinton que caracterizou como alguém com "belo louro tingido, lábios carnudos e um olhar azul de aço, como uma enfermeira sádica de um hospital psiquiátrico" - por um jornalista norte-americano, numa conferência de imprensa ao lado de John Kerry, o homólogo norte-americano que conteve, perante a pergunta, o riso. Johnson respondeu: "Existe actualmente um léxico tão rico de coisas que eu disse e que foram, de uma forma ou outra, não sei através de que alquimia, mal interpretadas que me tomaria muito tempo a de-senvolver um itinerário de desculpas. Muitas pessoas que as leram, no seu contexto, entendem o que eu disse e todas as pessoas que encontrei perceberam."
Logo na primeira semana de mandato como chefe da diplomacia de Theresa May, Boris Johnson viu acontecerem os atentados em França e Alemanha e a tentativa de golpe de Estado na Turquia. Este último caso acaba por ser outro caso caricato no novo papel de Boris Johnson que, ao comentar essa tentativa de golpe, disse ser "crucial apoiar as instituições democráticas da Turquia". Ele que tinha vencido um concurso do Spectator (do qual, aliás, na sua vida de jornalista, tinha sido director de 1999 a 2005) que satirizava o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan... O poema dizia qualquer coisa como: "Havia um jovem em Ancara que era um extraordinário vagabundo. Até que semeou aveia selvagem com a ajuda de uma cabra [na versão em inglês a expressão tem conotação sexual] e nem sequer lhe agradeceu." Ganhou mil libras pela vitória neste concurso.
Uma polémica nunca vem só. Boris Johnson, que foi o rosto da campanha do Brexit, para a saída do Reino Unido da União Europeia, durante a qual usou o acesso da Turquia à Europa unida de forma negativa, já tinha, anos antes, apoiado a adesão dos turcos à União. A vida de Boris Johnson está cheia de contradições. Ele próprio tem antepassados turcos.
Bruxelas, velha conhecida
Uma das principais contradições pode, mesmo, ser a de o seu pai ter chegado a trabalhar na Comissão Europeia. Foi mesmo dos primeiros britânicos a ir para Bruxelas trabalhar, depois da adesão do Reino Unido à então Comunidade Económica Europeia. Um tecnocrata como tantos que mais tarde Boris combateu. Bruxelas esteve por várias vezes na vida da família Johnson. Primeiro, o pai; depois, o filho. Foi, aliás, enquanto estava em Bruxelas como correspondente que Boris Johnson casou pela segunda vez, com a actual mulher, Marina, com quem teve quatro filhos: Lara Lettice, Cassia Peaches, Milo Apollo e Theodore Apollo. Perfilhou, mais tarde, uma filha, que tinha tido com uma consultora de arte, depois de o caso chegar a tribunal. As mentiras não aconteceram, apenas, na sua vida privada. A pública está cheia de casos acusatórios, nomeadamente o de, enquanto jornalista, inventar histórias e citações.
O primeiro casamento, com Allegra (a quem pediu em casamento por carta, escrita em Lisboa, no Hotel Amazonas, segundo conta a biografia "Just Boris"), terminou, com convulsões matrimoniais: Boris ausente e, segundo alguns relatos, até infiel. Mas que terá sofrido no final. Há mesmo quem diga que foi a única vez que viram a máscara cair. Mas foi por pouco tempo. Não esperou muito até casar com Marina.
Como quer ficar para a história?
Sonia Purnell não esconde, na biografia que escreveu, que Boris Johnson "é difícil de ler, mais difícil ainda de prever, mas é adorado por milhões e reconhecido por todos".
Esse reconhecimento e adoração levou-o à conquista da Câmara de Londres, em duas eleições, onde ficou oito anos. E garantiram também popularidade, e vitória, à campanha do Brexit. Há quem diga que foram as ideias de Boris Johnson contra a União Europeia que contribuíram para o crescimento do UKIP (Partido Independente do Reino Unido), de Nigel Farage. Aliás, foram ambos os rostos do Brexit. E os rostos da vitória. Uma vitória que indiciavam um Boris Johnson candidato à liderança do Partido Conservador, que o levaria automaticamente ao número 10 de Downing Street. Apesar da vitória do Brexit, a campanha desgastou um pouco a sua imagem. Acabou por não ser candidato, ultrapassado horas antes pelo anúncio da candidatura do "parceiro" do Vote Leave, Michael Gove. Nenhum ganhou o Partido. Mas Boris Johnson ganhou um lugar em Whitehall (onde se situam, em Londres, os Ministérios). Michael Gove teve de deixar o dele.
Mas quem ocupou o número 10 de Downing Street foi Theresa May. Pode não ter sido, ainda, a oportunidade de Boris Johnson, tido como ambicioso. Ele quer ficar para a História. Jornalista, historiador, político. Gosta do exemplo de Winston Churchill que, antes de chegar a chefe de Governo, também passou nomeadamente pelo Ministério da Defesa. E também fora jornalista, escritor, político. Boris Johnson já escreveu vários livros, entre os quais "Factor Churchill", onde não se coíbe de dizer que "Churchill foi, sem dúvida, o maior estadista que a Grã-Bretanha alguma vez gerou". São vários os elogios ao estadista que comandou o país durante a II Guerra Mundial, a quem não seria digno - nas próprias palavras de Johnson - de lhe desapertar os sapatos.
Boris nasceu em Nova Iorque, onde os pais estavam a estudar. Ambos britânicos, registaram-no como cidadão americano e britânico, com o nome Alexander Boris. Foi o segundo nome que prevaleceu na sua carreia. O nome? Tem origem na Rússia. Numa viagem pelo México, a mãe de Boris soube da gravidez, e um tal Boris, da Rússia, ajudou-os a voltarem aos Estados Unidos. A promessa que dariam o seu nome ao filho foi cumprida. E assim ficou Boris, o nome público pelo qual é conhecido; e Al para a família.
Boris Johnson nasceu, em 1964, um ano antes de Churchill ter morrido e é grato por ter vivido, um ano que fosse, com o estadista vivo. "Era excêntrico, excessivo, desabrido, vestia de forma peculiar e era um génio consumado." Não fosse o passado, e esta frase podia aplicar-se, com algumas mudanças, a Boris Johnson. Talvez o tenha guiado na vida. Mas foi Boris que a escreveu a propósito de Churchill.
Mas voltemos a Guimarães. Foi aí que a história de Delors foi escrita pela mão de Johnson, que, anos mais tarde, lhe atribui uma importância decisiva para a votação dinamarquesa do referendo de 2 de Junho de 1992. Os dinamarqueses disseram não ao Tratado de Maastricht e à moeda única. Boris Johnson atribui a si próprio importância nesse desenvolvimento, que acabaria revertido em 1993 com uma vitória do "sim" em nova consulta popular. Para já, Boris clamava vitória e disso deu nota num artigo publicado anos mais tarde no Telegraph: "Em Maio de 1992, fui a Guimarães e escrevi o meu artigo impressionante, histórico e agora totalmente esquecido", dizia, ao mesmo tempo que lamentava que os jovens não soubessem hoje quem foi Delors, o tal que ele combateu.
Negócios Estrangeiros em ebulição
"Gostava que fosse uma brincadeira, mas temo que não seja. Saída após saída." Assim foi a reacção do ex-primeiro-ministro sueco, Carl Bildt, no Twitter quando se soube a nomeação de Boris Johnson como ministro dos Negócios Estrangeiros. Outras reacções semelhantes não demoraram. Muitos reagiram como Boris Johnson faria se estivesse no seu lugar. Com ironia. É assim que ele gosta. Como disse uma vez ao The Wall Street Journal: "O humor é um utensílio para dourar a pílula e fazer valer os importantes pontos de vista (...) Permitiu-me chegar a inúmeras plataformas." Na biografia "Just Boris", a autora Sonia Purnell acredita que foi a ironia que o salvou de parecer mais de direita ou demasiado ambicioso ou duro. Dourou a pílula? Michael Portillo, ex-ministro da Defesa conservador e que também serviu no Parlamento como membro do mesmo partido de Johnson, chegou a dizer que Boris tinha de escolher entre a política e a comédia.
Escolheu a política com alguma comédia. E foi assim vista a sua escolha para a pasta da diplomacia, ele que tinha sido tão pouco diplomático com alguns líderes mundiais. A começar por Barack Obama, que criticou por ter apelado contra o Brexit, e que acusou de ter retirado um busto de Churchill da Casa Branca, sugerindo ser um símbolo da antipatia de um Presidente "parte-queniano" para com o império britânico. Já como ministro dos Negócios Estrangeiros foi confrontado com estas declarações - e com outras que tinha feito sobre Hillary Clinton que caracterizou como alguém com "belo louro tingido, lábios carnudos e um olhar azul de aço, como uma enfermeira sádica de um hospital psiquiátrico" - por um jornalista norte-americano, numa conferência de imprensa ao lado de John Kerry, o homólogo norte-americano que conteve, perante a pergunta, o riso. Johnson respondeu: "Existe actualmente um léxico tão rico de coisas que eu disse e que foram, de uma forma ou outra, não sei através de que alquimia, mal interpretadas que me tomaria muito tempo a de-senvolver um itinerário de desculpas. Muitas pessoas que as leram, no seu contexto, entendem o que eu disse e todas as pessoas que encontrei perceberam."
Logo na primeira semana de mandato como chefe da diplomacia de Theresa May, Boris Johnson viu acontecerem os atentados em França e Alemanha e a tentativa de golpe de Estado na Turquia. Este último caso acaba por ser outro caso caricato no novo papel de Boris Johnson que, ao comentar essa tentativa de golpe, disse ser "crucial apoiar as instituições democráticas da Turquia". Ele que tinha vencido um concurso do Spectator (do qual, aliás, na sua vida de jornalista, tinha sido director de 1999 a 2005) que satirizava o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan... O poema dizia qualquer coisa como: "Havia um jovem em Ancara que era um extraordinário vagabundo. Até que semeou aveia selvagem com a ajuda de uma cabra [na versão em inglês a expressão tem conotação sexual] e nem sequer lhe agradeceu." Ganhou mil libras pela vitória neste concurso.
Uma polémica nunca vem só. Boris Johnson, que foi o rosto da campanha do Brexit, para a saída do Reino Unido da União Europeia, durante a qual usou o acesso da Turquia à Europa unida de forma negativa, já tinha, anos antes, apoiado a adesão dos turcos à União. A vida de Boris Johnson está cheia de contradições. Ele próprio tem antepassados turcos.
Bruxelas, velha conhecida
Uma das principais contradições pode, mesmo, ser a de o seu pai ter chegado a trabalhar na Comissão Europeia. Foi mesmo dos primeiros britânicos a ir para Bruxelas trabalhar, depois da adesão do Reino Unido à então Comunidade Económica Europeia. Um tecnocrata como tantos que mais tarde Boris combateu. Bruxelas esteve por várias vezes na vida da família Johnson. Primeiro, o pai; depois, o filho. Foi, aliás, enquanto estava em Bruxelas como correspondente que Boris Johnson casou pela segunda vez, com a actual mulher, Marina, com quem teve quatro filhos: Lara Lettice, Cassia Peaches, Milo Apollo e Theodore Apollo. Perfilhou, mais tarde, uma filha, que tinha tido com uma consultora de arte, depois de o caso chegar a tribunal. As mentiras não aconteceram, apenas, na sua vida privada. A pública está cheia de casos acusatórios, nomeadamente o de, enquanto jornalista, inventar histórias e citações.
O primeiro casamento, com Allegra (a quem pediu em casamento por carta, escrita em Lisboa, no Hotel Amazonas, segundo conta a biografia "Just Boris"), terminou, com convulsões matrimoniais: Boris ausente e, segundo alguns relatos, até infiel. Mas que terá sofrido no final. Há mesmo quem diga que foi a única vez que viram a máscara cair. Mas foi por pouco tempo. Não esperou muito até casar com Marina.
Como quer ficar para a história?
Sonia Purnell não esconde, na biografia que escreveu, que Boris Johnson "é difícil de ler, mais difícil ainda de prever, mas é adorado por milhões e reconhecido por todos".
Esse reconhecimento e adoração levou-o à conquista da Câmara de Londres, em duas eleições, onde ficou oito anos. E garantiram também popularidade, e vitória, à campanha do Brexit. Há quem diga que foram as ideias de Boris Johnson contra a União Europeia que contribuíram para o crescimento do UKIP (Partido Independente do Reino Unido), de Nigel Farage. Aliás, foram ambos os rostos do Brexit. E os rostos da vitória. Uma vitória que indiciavam um Boris Johnson candidato à liderança do Partido Conservador, que o levaria automaticamente ao número 10 de Downing Street. Apesar da vitória do Brexit, a campanha desgastou um pouco a sua imagem. Acabou por não ser candidato, ultrapassado horas antes pelo anúncio da candidatura do "parceiro" do Vote Leave, Michael Gove. Nenhum ganhou o Partido. Mas Boris Johnson ganhou um lugar em Whitehall (onde se situam, em Londres, os Ministérios). Michael Gove teve de deixar o dele.
Mas quem ocupou o número 10 de Downing Street foi Theresa May. Pode não ter sido, ainda, a oportunidade de Boris Johnson, tido como ambicioso. Ele quer ficar para a História. Jornalista, historiador, político. Gosta do exemplo de Winston Churchill que, antes de chegar a chefe de Governo, também passou nomeadamente pelo Ministério da Defesa. E também fora jornalista, escritor, político. Boris Johnson já escreveu vários livros, entre os quais "Factor Churchill", onde não se coíbe de dizer que "Churchill foi, sem dúvida, o maior estadista que a Grã-Bretanha alguma vez gerou". São vários os elogios ao estadista que comandou o país durante a II Guerra Mundial, a quem não seria digno - nas próprias palavras de Johnson - de lhe desapertar os sapatos.
Boris nasceu em Nova Iorque, onde os pais estavam a estudar. Ambos britânicos, registaram-no como cidadão americano e britânico, com o nome Alexander Boris. Foi o segundo nome que prevaleceu na sua carreia. O nome? Tem origem na Rússia. Numa viagem pelo México, a mãe de Boris soube da gravidez, e um tal Boris, da Rússia, ajudou-os a voltarem aos Estados Unidos. A promessa que dariam o seu nome ao filho foi cumprida. E assim ficou Boris, o nome público pelo qual é conhecido; e Al para a família.
Boris Johnson nasceu, em 1964, um ano antes de Churchill ter morrido e é grato por ter vivido, um ano que fosse, com o estadista vivo. "Era excêntrico, excessivo, desabrido, vestia de forma peculiar e era um génio consumado." Não fosse o passado, e esta frase podia aplicar-se, com algumas mudanças, a Boris Johnson. Talvez o tenha guiado na vida. Mas foi Boris que a escreveu a propósito de Churchill.