It’s coming home! It’s coming home! Football is coming home!", ouvia-se em uníssono pelas ruas londrinas no verão passado. O entusiasmo, a crença de que algo que ali pertencia estava finalmente de volta a casa, prendia-se com a vibrante competição europeia de futebol. Inglaterra, anfitriã dessa edição, estava prestes a jogar a grande final pela primeira vez na história. Foi neste ambiente de exaltação patriótica que Sandra Carrera, jovem natural de Sevilha, regressou ao Reino Unido após quase dois anos a morar fora do país. "Cheguei pela primeira vez em outubro de 2015. Planeava viver por cá seis meses, mas senti-me tão feliz, que decidi ficar por mais tempo, e fiquei por um ano e nove meses."
Ao contar-me isso, impressiona-me de imediato o seu rigor, por não precisar sequer de uma vista de olhos rápida pelo calendário. E leva-me, também, a fazer as minhas contas de cabeça. Em junho de 2016, precisamente cinco anos antes deste regresso a casa de Sandra – e do futebol –, o Reino Unido votava em referendo a continuidade na União Europeia, após mais de quatro décadas de aliança. Surpreendente para o mundo, mais ou menos como acabaria por ser a derrota da Inglaterra na final do torneio, a saída venceria no referendo. Brexit, assim se acabaria por chamar àquele que ficou como um dos grandes marcos políticos dos últimos anos, e provavelmente deste século. Olhando para a escolha da palavra, a junção de "exit" com "british" leva-nos até àquilo a que, numa tradução livre, se entende como "a saída dos ingleses". E porque é que os ingleses acabaram por decidir sair? São muitos os que se questionam, tal como Sandra.
"Eu odeio o Brexit, odeio porque não é bom para ninguém. Por exemplo, acho que os meus pais terão problemas no aeroporto quando vierem visitar-me. Ninguém vai acreditar que só vêm para ficar uns dias. Claro que há muitas pessoas que querem ter uma vida melhor, mas nem toda a gente que viaja para cá tem essa intenção."
A saída do projeto europeu não foi fácil nem rápida no que ao acordo final entre o Reino Unido e a UE diz respeito, mas sim recheada daquilo a que muitos chamam "jogo político", com vários contratempos, alguns reveses, umas tantas ameaças de parte a parte, e muita, muita luta de bastidores. Neste divórcio, que acabou oficialmente por se dar às 23h do dia 31 de dezembro de 2020, findo o prazo de transição, as duas partes queriam o melhor acordo possível, com os ingleses, de um lado, a baterem-se por um bom acordo comercial e os europeus, de outro, intransigentes quanto à proteção dos direitos dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido. Pelo meio, ficava a vida de centenas de milhares de emigrantes, trabalhadores e contribuintes. Nessa altura, era a incerteza aquilo que mais assombrava essas pessoas – o não saber em que medida as suas vidas iriam mudar.
Uma história já antiga
Baixa escolaridade, baixo rendimento e a idade estão entre os indicadores que mais influenciaram o voto na saída do projeto europeu, segundo um estudo publicado em 2019 relativo à interpretação cultural do resultado do referendo. Ainda assim, o tema precisa também de ser encarado à luz da ascensão do populismo e da narrativa de nacionalismo disseminada por toda a Europa e pelo mundo nos últimos anos. Veja-se os exemplos da crescente adesão a partidos de extrema-direita em países como França, Alemanha, Polónia, Hungria e, mais recentemente, Portugal.