Notícia
Deixem-nos suar - O lado B dos festivais
Obrigado, James Brown. Pelo penteado - espectacular - e por uma verdade certeira: "A música tem de respirar e suar. Tem de ser tocada ao vivo".
13 de Abril de 2012 às 11:08

E porque o povo merece tréguas da crise, deixem os portugueses ir ver como a música sua e soa. E deixem-nos dançar e chorar, deixem-nos gritar e esquecer, deixem-nos fazer figuras tristes nos concertos. É tudo possível, porque 2012 é um ano de música tão boa que até dói.
Há palavras perfeitas quando se juntam. É assim com "Your Hand in Mine", que dá vontade de estar apaixonado só de se ler. Quando se ouve, dá-se entrada no planeta invulgar dos Explosions in the Sky, malta perigosa para corações frágeis.
O Porto vai tê-los a 7 de Junho, no Primavera Sound. Vêm do Texas, escrevem sinfonias com longos rendilhados de guitarra e é com eles que vamos procurar mãos para agarrar as nossas.
Os Explosions in the Sky são quatro e só contam narrativas instrumentais. As músicas não têm voz, são demoradas e têm humor oscilante: há desgosto e resignação, há resistência e revolta. Chris Hrasky, ainda antes de ser o baterista, chamou-lhe "sad, triumphant rock band" quando afixou um cartaz a dizer que precisava de músicos para um projecto.
Não é música para se ouvir em qualquer dia, porque nem sempre se sai inteiro dali. E os Explosions têm de ter algum tipo de superpoder, porque tocar isto ao vivo noite após noite é coisa para deixar qualquer um de rastos. Música assim é comovente e arrebatadora e, por isso, há que sofrer e fantasiar com quem a faz.
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![]() | Baxter Dury Vai andar pelo Primavera Sound a 9 de Junho. |
A menina dá nome a um tema de Baxter Dury (sim, é o filho do Ian que vai pelo mesmo apelido) e o refrão não podia ser mais enternecedor. "Isabel sleeping, Isabel sleeping, I think my mate slept with you when you were in Portugal." Está lá tudo: fala-se de Portugal, há cenas eventualmente chocantes, há ressaca e o raio da cantiga não sai da cabeça.
Baxter Dury é "indie" mundana, é "pop" excitada e tem o dom de ter uma das caras menos "rock'n'roll" que algum dia surgiu na capa de um disco - é espreitar "Happy Soup", lançado em 2011. Há gente que acerta tanto quando erra redondamente.
Já quando a coisa é "rock'n'roll" em condição rude, com botas de bico e muito couro no corpo, os The Kills sabem do que se trata. É verdade que eles andam por aí com um tema muito bonitinho ("The Last Goodbye", porta de entrada no site oficial), que leva piano e cordas sintetizadas, mas tranquilos: quando eles dão na guitarrada e batida seca, o que não falta é vontade de lhes dar beijos.
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![]() | The Kills Chegam ao Alive, em Algés, a 15 de Julho. |
Convém é que se saiba que os The Kills são dados à volúpia. Há um tema que já leva uns aninhos - "The Good Ones" - e que tem um "videoclip" que explica o porquê. Eles ferram os dentes enquanto cantam, ele de guitarra em riste e ela de unhas curtas pintadas há meia dúzia de dias, e nós à espera que eles se trinquem e desatem a fazer coisas com bolinha vermelha. E como se já não fosse suficientemente bom, a canção é viciante.
Alguém que faça chegar o recado aos The Kills: esqueçam lá os pianos. O cidadão quer é "rock" carnal.
Aventuras femininas
E depois há Lana del Rey. Mesmo quando não canta, há tanto para contar - há algo desproporcionado (os lábios?) que não bate certo com tanta beleza e no entanto faz todo o sentido. É uma assimetria que se sente também na música que traz no corpo - tem algo de antigo, fora do sítio, e ainda bem.
É vê-la em "Video Games", que é um dos recordistas do Youtube. O vídeo tem aquela prosa muito americana - há a bandeira, há Hollywood, há gente a fazer palermices (mas daquelas boas) -, e recorre ao mais eficaz dos truques: música cativante embrulhada numa mulher vistosa. Ela anda por lá de olhos resignados e ombros estreitos encaixados num vestido amarelo ("his favourite Sun dress", como ela canta) e não há muito por onde resistir.
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![]() | Lana del Rey A 6 de Julho, o Super Rock é de Elizabeth Grant, nome verdadeiro da menina. |
Um dia antes, e se o coração aguentar outra aventura feminina no mesmo palco, o Meco vai ter Bat For Lashes (na verdade, é Natascha Khan, mas artista gosta de brincar aos nomes). Filha de pai paquistanês e mãe inglesa, pegou nas culturas distantes que lhe correm no ADN, juntou-lhes algum risco (é multi-instrumentista) e pintou tudo com uma voz à medida. Resultado: os discos (sobretudo o conceptual "Two Suns") ouvem-se em "loop".
Para quem pretende saber ao que vai com Bat for Lashes, é pesquisar por "Prescilla (Live Shepherds Bush Empire 2009)" no YouTube e vê-la a escorrer um tema num instrumento estranhíssimo, com a canção literalmente entre os dedos e nós ali espantados. Pode ser que seja assim no Super Rock.
Menos "outsider" que Bat For Lashes é uma das jovens que vai andar pelo Alive a 14 de Julho. Se Natascha Khan é uma espécie de Marítimo (só em abstracto, porque nos nossos corações é o Barcelona), Florence Welch é como o Braga - tem qualidade para lutar pelo título e já faltou mais para ser cabeça de cartaz. No Alive (por onde já andou há dois anos, quando tocou no mesmo dia de Alice in Chains, Devendra Banhart e The xx - a vida era assim antes da "troika"), sobe ao palco antes dos The Cure.
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![]() | Florence Welsh Florence Welch vem com os seus The Machine. No Alive, a 14 de Julho. |
Florence Welch vem com os seus The Machine, daí surgir no cartaz com o recurso à matemática - Florence + The Machine. Para antecipar a equação de 14 de Julho, talvez não seja despropositado espreitar "Shake it Out", "All This And Even Too" e "No Light, No Light", temas saídos do último disco. Quem sobreviver, sugere-se calçado afectuoso para o dia do concerto, porque isto dá para pôr os pezinhos a embalar.
Sujar a música
E agora há que pegar na agenda e marcar 8 de Junho, nem que seja para ficar desapontado. Chamam-se Beach House, vão andar pelo Primavera Sound e trazem um disco consensual (o quem nem sempre é lisonjeiro, mas isso é matéria para outra tertúlia): "Teen Dream", que continua digno de estima, apesar dos dois aninhos.
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![]() | Beach House Vão andar pelo Primavera Sound. A 8 de Junho. |
Convém não aprofundar muito a autenticidade da comparação, porque Nico é matéria sensível e há malta que pode não apreciar a brincadeira. Mas quem estiver de coração aberto, pode começar por "Master of None", que paira no disco homónimo dos Beach House. Há quem lhe chame "dream pop", que é uma forma bem-parecida de dizer que há ali sintetizadores atmosféricos.
Em disco, os Beach House talvez sejam excessivamente "clean" - a música, às vezes, tem de partir tudo e não faz mal se deixar nódoas. Ainda assim, é difícil largá-los, porque há muito magnetismo nos temas de Victoria Legrand e Alex Scally (ele anda por ali de guitarra na mão a dilatar muitas canções). E os Beach House precisam mesmo de respirar e suar ao vivo, para sujar o que conceberam em estúdio.
Quem não tem medo de se sujar é Borja Laudo, que também vai pelo nome de Bigott (aliás, vai mais por este que pelo outro). Natural de Saragoça, mostra que não há impossíveis: um espanhol pode mesmo fazer carreira a cantar inglês. É verdade que nem sempre se percebe tudo devidamente, mas não dói.
Bigott, que vai andar pelo Primavera Sound a 7 de Junho, é um cantautor (vamos chamar-lhe assim, para facilitar) que sabe dar uma festa. Quando tem mesmo de ser, não repudia uns cantos mais tristes, mas não é homem para se intimidar com a vida airada. É espreitar "Sparkle Motion", "Kinky Merengue", "Honolulu", "She Is My Man" ou "I'm a Little Retarded" e ver como os ombros começam a mexer sem autorização e como nem tudo precisa de ser amargurado, mesmo quando é um cantautor a contar a história.
Quando quer, Bigott é "folk" psicadélica e nós precisamos de malucos assim. Afinal, ele já disse tudo quando deu nome a um dos seus discos: "This is the Beginning of a Beautiful Friendship".
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![]() | PAUS O Alive vai tê-los a 15 de Julho, no mesmo dia de Radiohead. |
É ainda necessário esclarecer que nome faz todo o sentido: os PAUS têm duas baterias e há muita paulada por lá (isto é irresistível). Depois, e é o que vale, a música que sai dali é uma experiência. Não é fácil, não é imediata, mas é especial.
O Alive vai tê-los a 15 de Julho e há que saudar a ousadia de lançá-los no mesmo dia de Radiohead. Os PAUS são portugueses, fazem parte de uma corrente tuga que sabe o que faz (Linda Martini, We Trust e reticências por aí fora) e não têm medo de correr riscos.
Há um lado bruto e experimental no que fazem, que debita "rock" e electrónica, que pode deixar de fora alguns ouvidos menos disponíveis - mas é precisamente esta audácia que os distingue. "Língua Franca" é daqueles temas que dá vontade de formar uma banda e o passeio marítimo de Algés pode ser pequeno demais para aquela bateria siamesa, mandona em disco e tremenda ao vivo.
Deixar crescer a barba
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![]() | Mastodon Os meninos vão andar pelo Rock in Rio a 25 de Maio. |
Há ali guitarra rija, muita esquizofrenia na percussão e muito mais que "heavy metal". Eles já andaram por cá - no Super Rock, por exemplo -, e são um óptimo pretexto para se fazer cara de mau enquanto se ouve música pesada. Imperdoável é vê-los no cartaz antes dos Evanescence, mas são maldades que acontecem.
Já que é para correr riscos, venha daí a singularidade de uma rapariga loira. Conta-se que Angela Gossow, cidadã alemã exemplar, trabalhava na área de publicidade aqui há uns anos e fazia uns biscates no jornalismo. Num acaso daqueles, entrevistou um dos rapazes dos Arch Enemy e deixou ficar uma gravação no final da conversa - o pequeno ficou encantado. Hoje, Angela Gossow é tipo a Shakira (desculpa, Angela) da música extrema.
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![]() | Arch Enemy No Vagos Open Air 2012, em Aveiro, a 4 de Agosto. |
Coisas verdadeiramente importantes
Os Other Lives são como aqueles tipos irritantemente perfeitos, que são bons em tudo o que fazem: uma parte de nós finge que não repara neles, mas a outra parte acaba por vencer - há gente à qual não dá mesmo para resistir. Então, aí vai: os Other Lives já andaram na estrada com o Bon Iver e entraram em 2012 a abrir concertos para os Radiohead. Dois pontos para os "perfeitinhos".
Mas há mais: têm vídeos maravilhosos ("Tamer Animals", que é nome de disco, de "single" e de "videoclip" que é para ver) e fazem canções que têm de ser ouvidas. E ainda não acabou: eles têm barbas rebeldes, cabelos compridos com risca ao lado e às vezes arriscam umas calças curtas com as meias à mostra.
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![]() | Other Lives O Primavera Sound vai ouvi-los a 8 de Junho. |
Quem também aprecia salvar o próximo são os Noah and the Whale, que chegam ao Alive a 14 de Julho. Isto é gente que não receia assobiar e bater palmas durante uma cantiga ("Five Years Time"). E quando o momento não é para grande algazarra, eles sabem pegar no desgosto e cantá-lo como se tivessem ouvido em "repeat" Will Oldham e Bill Callahan - é espreitar "First Days Of Spring" ou "Stranger".
Mas se for dia para ter um refrão orelhudo, vestir roupa urbana, arriscar um penteado extravagante e ir beber uns copos, aí há que pegar em "Tonight Is The Kind of Night" e ir dançar para a rua. É que eles têm este lado muito humano: às vezes estão tristes, às vezes dá-lhes para a rebeldia, depois têm dias em que apenas estão e há ainda aqueles momentos em que só eles é que nos sabem tirar de casa para ir para a farra. Não são perfeitos, não fazem tudo bem, mas tratam-nos com cuidado - é bonito.
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![]() | Noah and the Whale Chegam ao Alive a 14 de Julho. |
E por falar em homenzinhos, os The xx fazem música que não bate certo com a idade - eles saíram da adolescência anteontem, mas parece que andam nisto há anos. É também precisamente por isso que eles recuperam uma daquelas verdades antigas: a música é quem a ouve.
Eles vão chegar ao Primavera Sound, onde tocam a 9 de Junho, com um dos discos mais adultos alguma vez feitos por malta tão nova (a génese da banda remonta a 2005, quando alguns deles tinham 15 anos). "XX" é disco para erguer uma ditadura em qualquer leitor de música: lançado em 2009, andou a rodar repetidamente nas aparelhagens, iPhones, iPods, iPads, androids e no que estivesse à mão dos rendidos.
É muito fácil encaixá-los no rótulo "indie" (afinal, "indie" é quase tudo o que o homem quiser), mas eles têm uma prateleira só deles. É pegar em "Islands" e ali estão os The xx, minimais e "pop", de guitarra subtil, "samples" sem rodeios e uma batida electrónica que é uma espécie de Ringo Starr do século XXI: não é preciso mais, porque assim é que faz sentido.
O desafio do segundo disco é pior que encontrar um bom defesa-esquerdo para o Benfica ou um ponta-de-lança a sério para o FC Porto, mas teremos sempre o primeiro álbum, que é um tornado. E eis uma outra verdade que os The xx nos deixam: se é para sofrer com a crise ou com coisas verdadeiramente importantes como o futebol, que seja com estilo - a ouvir boa música.
*Jornalista da Rádio Renascença.
Escreveu a convite do Negócios.