Notícia
Clássico da literatura portuguesa
Júlio Dinis foi um dos autores de maior sucesso da literatura portuguesa em meados do século XIX. Reler as suas obras é regressarmos a um período de transição na nossa sociedade.
Júlio Dinis, "As pupilas do Senhor Reitor" Guerra & Paz, 363 páginas, 2016
Há livros clássicos. E este "As Pupilas do Senhor Reitor", de Júlio Dinis, é um deles. Marcou gerações de leitores e ainda hoje representa uma época de grandes transformações em Portugal, onde tentavam despontar sinais de modernidade. Estávamos em 1866 e as páginas do Jornal do Porto foram o meio para divulgar esta poderosa história que só no ano seguinte sairia em livro. O autor olha para um Portugal real, onde um drama amoroso serve de pano de fundo para se desvendar um moralismo nefasto e retrógrado que ainda era hegemónico na sociedade portuguesa.
Surge então um caso grave: Daniel tenta seduzir a noiva de Pedro, o seu próprio irmão, de nome Clara (que é irmã de Margarida). Assustada, Clara marca um encontro entre ambos. Mas isso é descoberto por Pedro e, se não fosse a pronta intervenção de Margarida, o caso poderia ter-se tornado trágico. Mas isso acaba por ter graves consequências para a reputação de Margarida, num meio pequeno e ávido de bisbilhotices. Só aí Daniel tem noção do que se passa e acaba por reconhecer em Margarida o seu grande amor.
Com este livro, Júlio Dinis atinge o sucesso e rapidamente se seguirão outras obras que ficarão na história da literatura portuguesa dessa época, como "Uma Família Inglesa" e "A Morgadinha dos Canaviais", todos eles nascidos dentro da lógica de folhetins. No fundo, o escritor queria criar ambientes emocionais muito fortes que fossem seguidos com interesse e comoção. A lógica das novelas (e das telenovelas) tem aqui muita da sua origem remota, com o arrastar das situações, os desenlaces que demoram a surgir, o dramatismo de algumas situações que vêm modificar o curso da história.
É o impacto forte no leitor que é verdadeiramente importante. E, nisso, "As Pupilas do Senhor Reitor" é ainda uma obra notável pela sua aparente simplicidade e força estrutural, apesar de parecer muitas vezes apressado e incongruente noa escrita e no desenvolvimento das personagens e situações. Mas não era isso que interessava a Júlio Dinis: ele queria uma reacção rápida dos leitores. O romantismo está sempre presente, até porque aqui a bondade inocente acaba por ser sempre posta em causa por uma moralidade dispensável, mas que na época era muito comum no nosso Portugal tradicional e rural.
Aí encontramos já algum realismo, na crítica que faz, muitas vezes de forma sarcástica, aos costumes reinantes. Mas, ao mesmo tempo, lembra a ligação do homem com a natureza, como é visível na paixão de Daniel pelas formas tradicionais de medicina. Confrontando-as com os novos métodos "científicos" que chegam das cidades e que nem sempre são melhores do que os da tradição. É um livro sobre um tempo em mudança. E essencial para percebermos uma época.