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Catalunha: A teoria do dominó

Não devem ser subestimados os medos europeus das implicações geopolíticas da rebelião na Catalunha. Muito do que se está a discutir hoje ultrapassa as suas fronteiras.

13 de Outubro de 2017 às 10:58
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O que valem as bandeiras que se defrontam, sem se tocar, nas ruas de Barcelona? Pouco, excepto no seu silencioso desespero. Mostram apenas uma sociedade dividida ao meio, em que o diálogo parece ter deixado de ser uma opção para muitos. Mas se a tentação independentista de Carles Puigdemont (o homem inventado pelo seu antecessor Artur Mas para ser uma figura domesticada e que decidiu ser herói por conta própria) choca com a desastrada política seguida por Mariano Rajoy (e pelos seus antecessores) para enfrentar o que se adivinhava há muito na Catalunha, haverá alguma solução?

O que sucedeu nestas semanas tempestuosas foi o fracasso da política. E a irrupção do nacionalismo face ao patriotismo e da economia face à política. Senão, vejamos: depois do Banco Sabadell, da saída do CaixaBank rumo a Valência (não optando pelas Baleares, sempre vistas como uma alternativa, mas que surgem como parte dos "países catalães") e da Gas Natural até Madrid (a que se somam outras importantes empresas, como a Freixenet ou a Codorniu, que dizem estar a estudar fazer o mesmo), as fichas jogam-se na mesa da economia e das finanças. Já que as ruas não detiveram a Generalitat. Compreende-se o CaixaBank: só um entre cada quatro depositantes do banco são catalães.

Há dias, no El País, Joaquín Estefanía recordava que o economista turco Dani Rodrik dizia que um país não pode acolher ao mesmo tempo democracia, globalização e soberania nacional. A impotência da política e a contundência da economia produzem nas sociedades uma sensação de fragilidade. Afinal, hoje o dinheiro não tem pátria. Marx e Engels, recorda Estefanía, escreviam o mesmo noutros tempos, no "Manifesto Comunista": "Os trabalhadores não têm pátria." Mas hoje os nacionalismos são demasiado perigosos para quem trabalha.

Depois do discurso de Puigdemont, em que não declarava a independência nem deixava de declarar, e de Mariano Rajoy ripostar, dizendo que espera até à próxima semana para perceber o que o presidente da Generalitat quis efectivamente comunicar, o tempo é de tensão. Mas é, nas sombras, de conversações. Ninguém quer (ou pode) perder a face. A Europa não quer secessionismo, tal como Espanha. Há dúvidas: Artur Mas, nas suas dúbias declarações ao Financial Times, evidencia isso: talvez Puigdemont tenha avançado demasiado rápido face à estratégia desenhada há muito (talvez até antes de Jordi Pujol) de ir conquistando palmo a palmo a hegemonia política e cultural da Catalunha. Foi assim que a língua catalã se instalou como primordial nas escolas, que os Mossos d'Esquadra ganharam a sua autonomia, que uma nova elite (de características neoliberais) ocupou o poder. Com os resultados visíveis: a família Pujol e a elite catalã dos últimos anos, a acreditar no que a justiça vai desvendando, parecem verdadeiros salteadores da arca perdida. Há pois, na Catalunha, diferentes problemas a resolver. Por isso, a mansidão e a conivência com que em Portugal se olha para a tentação independentista catalã, às vezes, parece demasiado inocente. Como se estivéssemos a falar da Catalunha do tempo dos anarquistas de inícios do século XX ou dos idealistas que desejavam criar uma Ibéria de pátrias, onde incluíam Portugal.


O que sucedeu nestas semanas tempestuosas foi o fracasso da política. E a irrupção do nacionalismo face ao patriotismo e da economia face à política.
   

Há histórias do passado que importa recordar: a 6 de Outubro de 1934, Lluís Companys, presidente da Generalitat, proclamou o "estado catalão". A República respondeu de forma simples: declarou o estado de guerra. O presidente do governo republicano, Alejandro Lerroux, um antimilitarista, ordenou ao general Batet que, de acordo com a Constituição, interviesse militarmente. Foi a tiros de canhão que se resolveu o problema. Presos, os líderes da Generalitat foram condenados a 30 anos de prisão. Suspendeu-se a autonomia da Catalunha. Lições de outros tempos que se espera que não se repitam numa sociedade que, devido aos governos de Madrid e Barcelona, se estilhaçou irremediavelmente. Partindo a Catalunha ao meio.

Numa curiosa entrevista ao El Mundo, o filósofo Antonio Valdecantos explica um pouco as raízes: "Até há 20 anos, o nacionalismo catalão era católico e rural, de raízes carlistas. Mas se está a triunfar é porque se converteu num nacionalismo que quer encarnar a modernidade frente à rançosa Castela. (...) O que se está assistir não é a uma revolta nem a uma revolução, mas a uma sofisticada encenação de episódios. Ocupam-se as ruas não para controlá-las, mas para servir de produção de imagens que podem mostrar-se como sinais de hegemonia. O discurso do independentismo catalão é infantil."

A questão internacional é outra, daí o nervosismo da União Europeia, como demonstrava Tony Barber no Financial Times: "Não devem ser subestimados os medos europeus das implicações geopolíticas da rebelião na Catalunha. Espanha é um dos mais velhos Estados da Europa, unificada no fim do século XV, quatro séculos antes da Alemanha ou de Itália." A teoria do dominó ecoa à mente: se a Catalunha sair, outros se poderão seguir: em vez de uma Europa de 27 Estados, poderemos ter uma não-Europa de mini-Estados. A Escócia espera para ver, a Flandres, na Bélgica, também, tal como o País Basco em Espanha, ou a Córsega em França e o Sul do Tirol (Alto Ádige) na Alemanha. E o Norte de Itália não está isento disso. A teoria do dominó que a Catalunha pode criar é o terror para esta Europa que, desunida, será irrelevante neste novo mundo de grandes poderes (EUA, China, Rússia…). Por isso, muito do que se está a discutir hoje na Catalunha ultrapassa as suas fronteiras.


Se a tentação independentista de Puigdemont choca com a desastrada política seguida por Rajoy, haverá alguma solução? As fichas jogam-se na mesa da economia e das finanças. Já que as ruas não detiveram a Generalitat. 


No início do século XX, o poeta catalão e militante iberista Joan Maragall defendia uma Ibéria tripartida: a atlântica, a central e a mediterrânica. Portugal e Catalunha seriam os extremos marítimos frente a um centro peninsular considerado medieval e antigo. A visão modernista e industrial da elite catalã chocou de frente com a hegemonia imóvel da Castela imobilista já que pretendia recuperar um olhar para o exterior. Não deixa de ser curioso como, no início do século XX, houve um forte intercâmbio entre Portugal e a Catalunha. Teixeira de Pascoaes visita Barcelona. Eugeni d'Ors vem dar conferências a Lisboa. Maragall e Miguel de Unamuno tentam colocar de pé uma revista comum, Iberia.

Tudo se desvaneceu, porque, no centro, Madrid foi implacável. E a Península Ibérica, durante o século XX, virou-se para dentro. Não deixam de ser interessantes as palavras proferidas há poucos anos por um dos mais interessantes intelectuais catalães, Eduardo Punset, na cerimónia de entrega das Creus de Sant Jordi, um dos maiores galardões da Generalitat: "Durante este exílio de 20 anos da Catalunha, aprendi que quando um povo tem uma identidade muito forte e se encerra em si mesmo, e se nega a receber interacções, vai-se asfixiando, não produz novos neurónios." Um aviso, mesmo para a elite nacionalista catalã. Agora estamos numa encruzilhada histórica. E ninguém ainda consegue ler o destino da Catalunha.


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