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Carlos Martins: "O nosso país vive com os olhos, a boca e os ouvidos tapados"

O saxofonista Carlos Martins é fundador de encontros como o Lisboa Mistura e a Festa do Jazz do São Luiz. No pós-25 de Abril, passava madrugadas a tocar com músicos cabo-verdianos como Tito Paris. “Via muita gente de gravata a frequentar sítios como o B.Leza (…) mas, no dia a seguir, não havia misturas. Havia um racismo absolutamente transparente. E esta coisa ainda não passou”.

Miguel Baltazar
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Sétimo de oito irmãos nascidos num Alentejo meio selvagem dos anos sessenta, Carlos corria as matas de Grândola com o seu cão Tide. Atento aos sons da terra, estudou música (e política) na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG) e fundou a União dos Estudantes Comunistas em Grândola. Um ano depois, desvinculou-se, tornando-se bastante crítico do funcionamento dos partidos. Estudou no Conservatório de Lisboa, aprendeu a improvisar no Hot Clube e com o norte-americano George Garzone. Fundou o quinteto de Maria João e o Sexteto de Jazz de Lisboa. Criou o Lisboa em Jazz, o primeiro festival de músicos portugueses de jazz, e, entre outros projectos, está a preparar a European Jazz Conference, que decorre em Lisboa em 2018. 


Nasceu num lugar ao qual chamavam Etiópia, na freguesia das Ermidas-Sado, em Santiago do Cacém. Porquê o nome Etiópia?

Sim, nasci num sítio chamado Etiópia, do outro lado da linha das Ermidas-Sado, um lugar de operariado que tinha pretensões de ser sede de freguesia local, mas que perdeu a disputa na altura em que o Mussolini invadiu a Etiópia. Por isso, o nosso lado da linha ficou a chamar-se Etiópia e nós éramos "os etíopes" e o outro lado da linha era a "Itália". Foi assim durante muitos anos. Quando estava a estudar no liceu, em Santiago do Cacém, ainda havia a ideia de que éramos da Etiópia e não das Ermidas (risos). Mas eu fui viver para perto de Grândola muito novo e, por isso, sou mais grandolense do que outra coisa. Vivia no Bairro da Esperança, também conhecido como Aldeia Nova, e a minha casa ficava junto a uma mata interminável que, curiosamente, ia ter à Aldeia do Futuro. Ou seja, eu vivia entre o Bairro da Esperança e a Aldeia do Futuro. Andava sempre por ali, com roupa cosida à mão, que eu descosia durante o dia porque passava o tempo a subir às árvores, a correr as matas e a apanhar musgo no Inverno e fruta no Verão. Mas aos quatro anos eu já sabia ler e escrever, era o meu irmão Zé Manel quem me ensinava. Quando cheguei à escola primária, apanhei a maior seca da minha vida…

 

Tinha livros em casa? O que faziam os seus pais?

Tínhamos poucos livros. O meu pai era padeiro e a minha mãe trabalhava em casa. Éramos pessoas normalíssimas, com uma economia ligeiramente acima da subsistência, mas nunca senti qualquer tipo de dificuldade. Vivíamos à antiga e vivíamos muito bem. Não havia electricidade, mas tínhamos uma lareira enorme. Quando chegava a casa, tomava um banho naqueles alguidares enormes feitos de madeira, com água tirada do poço. Passava horas na rua, muitas vezes nem sequer ia almoçar. Conhecia todos os quintais, sabia onde é que estava a fruta e saltava as vedações. Ou então passava em sítios onde sabia que as pessoas me dariam alguma coisa para comer. Toda a gente me conhecia, eu era um ser com uma cabeça cor-de-laranja, era o único ruivo visto à distância no meio daquele Alentejo. Mas também andei a fugir das espingardas e dos cartuchos carregados de sal. Andava horas e horas assim pela floresta com os meus amigos a descobrir amoras e sítios onde brincar. De vez em quando, apareciam uns miúdos rivais a dizer que não podíamos passar determinada "fronteira" e lá havia uma escaramuça, uma luta com pedras, com pinhas, com tudo aquilo que viesse à mão…

 

E, nesse Alentejo meio tribal, o Carlos andava sempre com um cão. 

Era o Tide, um cão de porte médio muito bonito. Ele ia buscar-me onde quer que eu estivesse, tinha um faro incrível, seguia os rastos e conseguia alcançar-me. Quando a minha mãe me chamava, desatava a ladrar e eu tinha mesmo de voltar para casa com ele. Um dia, morreu à minha frente. Eu já era mais crescidinho, tinha uns cinco anos, e a minha mãe pediu-me para ir à vila buscar petróleo para as lamparinas. Cheguei, estava lá uma televisão e eu fiquei louco a olhar. Tinha a garrafa de petróleo na mão e, de repente, ouço um carro a travar e um cão a chiar, larguei a garrafa no chão, saí, olhei para o lado e percebi que o Tide tinha morrido. Não falei durante uma semana… Eu vivia assim uma vida muito mística, sentia uma presença enorme da mãe natureza, de uma vida paralela à minha vida. Ainda me revejo a andar junto àquele muro com pavões do outro lado, uns seres maravilhosos que eu não via, mas que emitiam um som fantástico.

 

Há uma pequena corrupção tão instalada que muitas vezes já não temos a noção de que aquilo que estamos a fazer já não é a coisa certa.

 

Estava especialmente atento aos sons? Quando é que começou a aprender música?

Aos sete anos, alguém percebeu que eu tinha algum talento musical e então fui aprender música, mas o professor de solfejo batia-me com a batuta nas mãos e eu desapareci. O meu pai apoiou-me. Ele era um humanista. Albergou muitos antifascistas em casas feitas com molhos de lenha para o forno e fazia-lhes pão com chouriço, que eles comiam durante a noite. O meu pai nunca foi do Partido Comunista ou de outro partido, nem nunca foi religioso, ele não se queria ligar a nada, mas tinha um sentido de humanismo muito presente. Ao mesmo tempo, era muito trágico, muito shakespeariano, dado ao choro e a muita elegia. Mas era um homem de muita energia, fisicamente forte, pegava em dois sacos de farinha de 50 quilos e punha-os em cima de um carro de besta, tinha um caparro enorme, ninguém se metia com ele. Tinha as suas loucuras de Alentejo, por vezes sentia-se preso e bebia uns tintos valentes para se libertar daquela coisa. Não era fácil, mas passou-nos sobretudo esse seu lado humanista, no meio de um certo desconforto social.

 

O Carlos fez parte da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG), lugar de debates ideológicos, e chegou a estar ligado ao Partido Comunista.

Aos 14 anos, fui para a SMFOG, que ainda existe e está a fazer um fantástico trabalho, e aprendi música com o tio Belarmino, um homem absolutamente delicioso, um humanista entusiasta da arte e da música, um homem com uma paciência enorme. Ao fim de uns meses, eu já estava a tocar clarinete na banda. A Banda Filarmónica de Grândola foi, durante muitos anos, até ao 25 de Abril, uma segunda sede do Partido Comunista. Como eu era muito bom aluno e sabia tocar, era considerado um jovem exemplar e por isso fui convocado, com outros colegas, para fundar a União dos Estudantes Comunistas em Grândola. Tinha 15 anos. Mas, ao fim de um ano, saí da estrutura. Tudo porque, um dia, o Álvaro Cunhal foi a Grândola e o discurso que eu iria dizer já estava escrito por uma célula do Partido. Eu não aceitei e saí. Desvinculei-me.

 

Foi um processo tranquilo?

Tive um ou outro tio que me disse: "Levas um par de estalos se saíres." Percebi logo, com 15 anos, como é que os partidos políticos funcionavam e continuam a funcionar. Com mais ou menos variações, têm uma dificuldade enorme em aceitar a diferença. Ter indivíduos independentes no interior das suas estruturas pode criar o caos e o caos não pode existir numa hierarquização demasiado obsoleta de um partido político. Dito isto, não acho que os partidos sejam um problema, a forma como funcionam é que pode ser um problema, sobretudo as juventudes partidárias, formatadas nos partidos e que vivem muito de "sponsers" e de patrocínios que, mais tarde, lhes vão cobrar os apoios e que os põem em fundações e noutras instituições.

 

Portugal é um país multicultural, mas não é intercultural. Ou seja, é uma manta de retalhos, mas "o teu retalho fica longe do meu" - os retalhos não se ligam.

 

Essas ligações deveriam ser mais transparentes?

Os lóbis deveriam ser claros, as relações entre as pessoas e aquilo que defendem deveriam ser claras. O nosso país, que é um país pequeno, parece que vive com os olhos, a boca e os ouvidos tapados porque ninguém quer saber o que se passa ao lado, e ninguém quer saber de nada porque há uma pequena corrupção tão instalada de favores e mais favores, de ajudinhas daqui e dali, que muitas vezes não temos a noção de que o que estamos a fazer já não é a coisa certa. Tenho a certeza de que se tivesse alinhado mais para um lado ou mais para o outro, num determinado partido político, estaria em melhores condições para ter um cargo público qualquer. Eu não quis, e não quero, e sofro as consequências disso, mas é a minha independência que está em causa. Contudo, nunca devemos desprezar a possibilidade sempre latente de, nos partidos políticos, aparecerem pessoas extraordinárias.

 

Por exemplo?

António Costa, além de ser uma pessoa extraordinária, é um político extraordinário, com grande coragem e capacidade de se adaptar às circunstâncias. Neste momento, toda a direita está unida para fazer de Tancos um tanque de lamaçal que não existe, está a aproveitar-se para criar um facto político e a dizer que o país não é seguro e está cheio de problemas. Tancos, tal como Pedrógão Grande, é o tipo de questão que vem de há muitos anos e as pessoas esquecem-se. Será que não é possível perceber que o país está melhor e mais unido? Falava de António Costa mas existe, sempre, dentro de todos os partidos, gente boa, como Jorge Moreira da Silva, que era vice-presidente do PSD, ou Rui Tavares, do Livre. Mas, claro, há sempre aqueles que sobem à custa do partido e que, mesmo não sendo profissionais brilhantes, têm todas as regalias pela dedicação ao partido. Por outro lado, há muitas pessoas altamente capazes que, por não serem de partido algum, acabam por não ser reconhecidas. E essa discrepância alimenta uma divisão que é, infelizmente, um dos grandes problemas nacionais.

 

Não existe verdadeira meritocracia em Portugal?

O que se passa em Portugal, com esta história de Tancos e este fogo cerrado, mostra que existem dois "Portugais" em simultâneo: um que acha que é de boas famílias e que por isso tem direito a continuar a ser de boas famílias; e outro, muitas vezes do lado da esquerda, que acha que os tipos de direita são todos retrógrados. Há uma polarização exageradíssima num país tão pequeno, uma polarização que não foi resolvida, e que é psicologicamente perturbadora. "Os da direita são uns idiotas fascistas e os de esquerda são uns esquerdalhos radicais que querem perturbar a paz do senhor e das almas." As pessoas tratam-se assim e, com estas radicalizações, discutem ao estilo "Prós e Contras", em vez de o fazerem de forma construtiva e educada. Não há sinceridade nem inteligência emocional se andarmos aos gritos.

 

Num país de prós e contras, não existe verdadeiro debate?

Há muita energia desperdiçada nos preconceitos de "prós e contras", que faz com que o estigma desta representação nacional esteja nas mais pequenas coisas e reduza a curiosidade em relação aos outros. Como é que se constrói uma comunidade com uma atitude psicológica de prós e contras? Por outro lado, Portugal é um país pobre, onde as pessoas ainda têm receio do patrão, do líder ou do doutor...

 

Continuamos a precisar que tomem conta de nós?

Sim, ainda há muitas pessoas que precisam que tomem conta delas, mas há muitas outras que não precisam, de todo. O perigo, quando nos habituamos a ser "guiados", é de sermos guiados por um Trump, por gente incapaz e que toma as rédeas com um fim unicamente lucrativo. Hoje, o grande propósito da humanidade é o de ser lucrativa e, como dizia Mahatma Gandhi, "há recursos na terra suficientes para as necessidades de todos, mas não há recursos suficientes para a ganância de todos".   

 

O Carlos, aparentemente, nunca precisou que tomassem conta de si. Aos 14 anos, foi de Grândola para Paris, ainda antes de conhecer Lisboa...

Eu nunca tinha saído de Grândola, a não ser para ir ao Barreiro ou a Almada, para me despedir do meu irmão Zé Manel que partiu para o Ultramar. E então decidi ir com a minha irmã Lurdes até França. Fomos de Grândola para Grenoble, onde ela trabalhava, num boca de sapo absolutamente genial e depois apanhei um comboio para Paris, onde viviam as minhas outras irmãs. Cheguei a Paris sozinho com um pequeno mapa nas mãos, mas sentia-me em casa. A partir de então, passava algumas temporadas na capital francesa, estive uns tempos em La Chapelle e Barbès, com comunidades árabes, vivi muita coisa e vivi muito intensamente, vi muitos museus e, quando cheguei a Portugal, pensei, "ok, Grândola acabou". Vim para Lisboa tocar numa banda militar para poder estudar.

 

Pelo meio, chegou a integrar um grupo grandolense chamado Inovação, onde teve contacto com a música cabo-verdiana, o que se revelou fundamental para si.

Sim, o baterista do grupo, a quem chamavam o Piruças, tinha vindo do serviço militar na Guiné e pôs-me a ouvir umas cassetes com mornas e coladeiras do cabo-verdiano Luís Morais e foi isso que me despertou… É incrível como, através da música, percebi uma realidade tão diferente. Mais tarde, já em Lisboa, quando tocava na banda filarmónica militar, à noite costumava ir para o Hot Club, que era então mais um clube de amigos, fechava muitas vezes pelas onze da noite e eu ia ao Bana tocar até às três ou quatro da manhã com os miúdos cabo-verdianos. E os miúdos eram o Paulino Vieira, o Tito Paris…, que tinham acabado de chegar a Portugal. Nessa altura, já no pós-25 de Abril, eu via muita gente de gravata e em funções executivas a sair à noite e a frequentar sítios como o B.Leza mas, no outro dia, quando falávamos em projectos conjuntos, evitavam o assunto – "isso foi ontem, bebemos uns copos, mas hoje o mundo voltou ao normal", diziam-me.

 

Pretos e brancos misturavam-se à noite, mas não de dia?

Era uma mistura baseada na ideia de copos e de extravagância, ou seja, "vamos lá a uma boîte africana que aquilo é tão giro, dá para dançar e tal." As pessoas iam porque era giro ver os miúdos negros a tocar com os ruivos, e umas pretas e uns brancos e umas brancas e uns negros, mas, no dia a seguir, a maior parte dos africanos ia outra vez para as obras e o branco voltava para o seu lugar executivo. Não havia misturas. Havia um racismo absolutamente transparente. E essa coisa ainda não passou.

 

Essa "coisa que ainda não passou" pode explicar o caso dos polícias da esquadra de Alfragide acusados de racismo e tortura?

Noto que ainda existe essa "coisa" por parte de quem foi à guerra, de quem foi ao Ultramar. Os polícias são indivíduos cuja tradição oral dentro do quartel continuará na senda daquilo que o meu irmão Zé Manel, que me ensinou a ler, não consegue ultrapassar totalmente, e que é, "eh pá, havia os turras", e os turras eram os negros. Depois, numa clareza consciente, lá diz: "Pois, não deveríamos ter feito aquilo." Mas, num momento de dificuldade, lá voltam os pretos. Ou seja, quarenta e tal anos depois do 25 de Abril, se a polícia vir na rua uns miúdos pretos com um ar comprometido, suspeita de imediato. Se for um branco, não há problema algum, se for um branco filho do senhor doutor, menos ainda. Temos um país que fecha os olhos constantemente a isto. Há uma ministra negra, mas só agora! Nas finanças, quantas pessoas negras temos em cargos de chefia? Nos serviços sociais e nas repartições, onde estão os africanos ou outros? Porque é que isto é transversal a toda a nossa governação e a todos os cargos de poder? Porque é que continuamos a não deixar que os universitários negros tenham uma maior exposição pública no país?

 

Isso também acontece no meio da Cultura?

Completamente. Não há papéis principais, tirando o Ângelo Torres ou a cabo-verdiana Mayra Andrade. Nomes grandes da música como a Cesária Évora foram desprezados durante muito tempo, depois passaram a ser agraciados enquanto artistas, mas o artista em Portugal continua a ser o "Tony Silva" – ou seja, o artista é o indivíduo a quem se pergunta: tocas saxofone, mas o que é que fazes mesmo na vida? Não alimentamos uma perspectiva cultural de apreciação do músico enquanto artista e ser criativo. Gostamos muito do artista, mas se ele ganhar 50 euros por mês, melhor. E esta é uma atitude transversal à sociedade portuguesa, existe uma falta de solidariedade para com o próximo e para quem é diferente.

 

E também, por isso, fundou a associação Sons da Lusofonia, em 1996?

Na génese dos problemas de racismo, de falta de comunidade e de comunicação está um problema cultural, ou seja, um problema de falta de leitura, de abertura de espírito e de curiosidade. E, sim, foi por isso que criámos a Sons da Lusofonia e conseguimos, durante muitos anos, ter jornais a falar da ideia da lusofonia como um encontro de culturas, como um lugar de compreensão dos outros, sem desculpas e subterfúgios, entre povos que falam a mesma língua que nós. Vinte anos depois, continuamos a ver que ainda há um espaço significativo para pressionar os africanos, os ciganos e toda esta gente que vive connosco há não sei quantos anos. Portugal é um país multicultural, mas não é intercultural. Ou seja, é uma manta de retalhos, mas "o teu retalho fica longe do meu", os retalhos não se ligam, existem poucas experiências cruzadas.

 

Havia um racismo absolutamente transparente. E isso ainda não passou. Num momento de dificuldade, lá voltam os "pretos". 

 

A lusofonia, enquanto comunidade, existe realmente?

Lusofonia é uma palavra-mundo, ou seja, é uma palavra que pode criar mundo e nesse mundo podem caber coisas que vamos construindo. A CPLP deveria ser o grande pólo cultural de unidade dentro do espaço da língua portuguesa. A primeira coisa que fez, logo a seguir ao cavaquismo e à entrada de dinheiro da UE, foi tornar-se no grande lóbi económico dentro do espaço da língua portuguesa. Até hoje. Eu gostava que a CPLP fosse uma coisa diferente, mas para isso temos de ser nós a reformular a CPLP. É preciso não esquecer que, dentro do espírito português de divisão bipartida, existem os pró-imperialistas, que acham que o império ainda não acabou totalmente e, do outro lado, estão os pós­-colonialistas, que dizem que não é possível discutir nada sem falar do colonialismo e da escravatura. Estas duas facções são as mais visíveis e são as mais barulhentas e são as que ocupam o espaço público. No meio delas, estão milhões de pessoas que se adoram umas às outras, que produzem música, literatura e artes e que se estão bem nas tintas para essas duas facções que ocupam o espaço mediático. No meio daquelas duas facções, estão pessoas a pensar: eu nunca teria sido colonialista, mas não posso pedir desculpa pelos meus avós, porque eu não sou os meus avós, mas lamento imenso o que aconteceu. Ou seja, as questões do passado estão presentes e têm de ser expostas, no sentido de serem ultrapassadas de forma clara e tranquila, que é aquilo que faz falta. Não se podem perder oportunidades de conciliação.

 

É essa atitude mais tranquila que quer promover em encontros como o Lisboa Mistura?

Sim. Na associação Sons da Lusofonia, sempre fomos fãs de uma lusofonia porosa, ou seja, de um espaço com fronteiras habitáveis. Não queríamos que o espaço da lusofonia ficasse fechado sobre si mesmo, queríamos abrir-nos ao exterior, e percebemos que isso não acontecia, havia a atitude de "mais vale mantermo-nos identitários". Portugal teve sempre uma dificuldade enorme em perceber quem é e quem deixa de ser como país. Então, começámos a abrir-nos para o lado europeu e foi assim que surgiu o Lisboa Mistura, um encontro que integra quem não têm uma ligação linguística histórica connosco e que até pode ajudar-nos a perceber melhor quem somos e como somos. 


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